Depois de desatar o nó górdio trabalhista, a Volkswagen retoma o foco nos negócios. Prova disso é que o noticiário se renova com ações distantes da esfera sindical: a montadora lançou o Novo Polo para ganhar mais musculatura no mercado interno, comemorou os 10 anos da fábrica de motores de São Carlos com nova linha de cabeçotes e, o que é mais importante, anunciou investimento de R$ 2,5 bilhões entre 2007 e 2011. Para felicidade geral da nação, e principalmente do Grande ABC, a Volks brasileira está mais viva do que nunca. Mas a perspectiva está atrelada ao corte de 3,6 mil funcionários da fábrica da Via Anchieta. Sem a garantia de lipoaspiração, o futuro da maior fábrica do País estaria seriamente ameaçado. “Com os acordos trabalhistas nossa capacidade de investir volta a ser uma realidade” — declarou o presidente Hans-Christian Maergner, referindo-se também ao enxugamento de 800 postos de trabalho na fábrica de Taubaté, Interior paulista.
No fundo, no fundo, os sindicalistas sabiam que a Volks Anchieta era lanterninha em produtividade, como LivreMercado mostrou com números comparativos, de maneira inédita, em edição recente. Tanto que José Lopez Feijóo e companheiros não demonstraram constrangimento em trocar discurso de antagonismo incondicional pela alternativa pragmática de demissões premiadas. Sorte dos metalúrgicos que serão desligados voluntariamente em condições jamais sonhadas pelo conjunto dos trabalhadores brasileiros, e principalmente dos que permanecerem empregados numa fábrica que se tornará mais enxuta e competitiva.
Dos R$ 2,5 bilhões anunciados oficialmente por Hans-Christian Maergner durante apresentação do 24º Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, em 17 de outubro, cerca de um terço será destinado à fábrica do Grande ABC. A planta cinquentenária deve acolher dois dos cinco produtos que a montadora projeta lançar nos próximos cinco anos. Os outros três devem ser alocados nas fábricas de Taubaté e São José dos Pinhais, na Grande Curitiba.
Demissões e modernização
Assim como a redução de 3,6 mil trabalhadores do quadro de 12,4 mil, a atualização da planta Anchieta é fundamental. Ali a modernidade do Polo e do Fox Europa contrasta com a obsolescência de Parati, Saveiro e Kombi. Já está decidido que a produção do Fox Europa será transferida para São José dos Pinhais, onde é montado o Fox voltado ao mercado nacional. A mudança está programada para meados de 2007.
Hans-Christian Maergner capitaneou a operação brasileira nas duras negociações sindicais, mas não testemunhará os resultados. Com 61 anos, vai se aposentar em janeiro de 2007, quando deve passar o comando para o também alemão Thomas Schmall. Com apenas 42 anos, Schmall acumula passagem pelo Brasil: dirigiu a área de manufatura da fábrica de São José dos Pinhais e atualmente preside o conselho de administração da Volkswagen na Eslováquia. Ele assumirá o posto com a responsabilidade de manter o ímpeto trabalhista em fogo baixo e de conduzir a subsidiária de volta ao lucro após oito anos consecutivos de prejuízos.
A saída de Maergner marcará a primeira vez, nos últimos tempos, que um presidente da Volks brasileira deixa o cargo por motivo não-traumático. Tanto o austríaco Herbert Demel quanto o inglês Paul Fleming foram defenestrados por não corresponderem às expectativas. Demel era tão transparente quanto inconveniente para a companhia, cuja estratégia de comunicação sempre foi baseada na negação dos problemas, por mais óbvios que saltassem à vista dos bem informados. Demel causou alvoroço quando declarou que a fábrica Anchieta era inchada demais e funcionaria a contento com apenas seis mil empregados.
Mercado interno
A Volks não divulgou prazos nem características dos veículos de passeio que chegarão ao mercado entre 2007 e 2011. Mas assegurou que serão predominantemente voltados ao mercado interno — uma forma de se recuperar do trauma causado pelo desabamento das exportações. A apreciação cambial caiu como raio sobre a maior exportadora automobilística brasileira, que exportou 40% da produção no ano passado — ou 264.509 veículos completos.
A disposição de centralizar a artilharia no front doméstico já se delineia no Novo Polo. As versões hatch e sedan acabam de chegar às concessionárias com alterações no desenho externo e preços estrategicamente reduzidos.
“Reposicionamos os preços para tornar o Polo mais agressivo diante da concorrência” — admite Paulo Kakinoff, diretor de Vendas e Marketing. “O Polo Sedan aparece na vice-liderança entre cinco sedans compactos do País. Queremos a primeira posição” — complementa o executivo.
Dez anos de motores
Pouco antes do anúncio dos R$ 2,5 bilhões para novos produtos, a Volks comemorou os 10 anos de operações da fábrica de São Carlos, Interior paulista. A data de 12 de outubro ganhou relevo com a marca de mais de três milhões de motores produzidos e o anúncio da implantação de nova linha de produção de cabeçotes, com investimento de R$ 33 milhões. Quando a nova linha entrar em operação, em abril do ano que vem, a fábrica de São Carlos produzirá cabeçotes para todos os motores do portfólio. Não mais dependerá de terceiros.
A fábrica de São Carlos é estratégica para a operação brasileira. É ali que são produzidos os motores que equipam automóveis e comerciais leves montados na fábricas de São Bernardo, Taubaté e São José dos Pinhais. Além disso, é plataforma de exportação para África do Sul, Espanha e Argentina. No caso argentino, os motores são enviados parcialmente montados e equipam a perua SpaceFox.
Com 38 mil metros quadrados de área construída, 500 trabalhadores diretos e 300 terceirizados, a fábrica de São Carlos produz 1.800 motores por dia, ou 75% da capacidade. Como motores representam o coração veicular, a nova linha de cabeçotes obedece a ritual de certificação de qualidade. A montagem começou em agosto deste ano. Em dezembro serão tiradas as primeiras peças para testes até que a produção seriada tenha início com segurança total em abril do ano que vem.
Terceirização produtiva
É simples compreender por que a fábrica de caminhões e ônibus em Resende, Rio de Janeiro, passou ao largo da crise dissipada com o anúncio de investimentos. Diferentemente da unidade Anchieta, onde o conceito de terceirização com parceiros instalados no próprio site soa como heresia para os sindicalistas, a planta fluminense virou case internacional pela capacidade de integrar montadora e fornecedores sob o mesmo teto. A Volks de São Bernardo atraiu alguns fornecedores, aproveitando-se de áreas ociosas, mas ainda é muito pouco diante da grandiosidade dos condomínios da Ford na baiana Camaçari e da GM na gaúcha Gravataí.
Para atingir a meta de ampliar a participação no concorridíssimo mercado doméstico, a Volks terá necessariamente de melhorar a relação de custos e benefícios dos modelos montados em São Bernardo. E essa equação prescinde de arranjos mais modernos, embora o enxugamento alcançado a fórceps seja medida igualmente indispensável.
O clima na Volks mudou mas o fantasma da crise só será definitivamente sepultado quando a diretoria de marketing estabelecer nova data para a corrida de 10 quilômetros que aconteceria pelas ruas da planta Anchieta, adiada por causa do acirramento dos ânimos sindicais.
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