Foi dada a largada na operação-desmonte do Custo ABC no setor trabalhista, um dos vários vértices da arquitetura de desequilíbrios comparativos do Grande ABC em relação a emergentes ou já consolidados pólos automotivos do País. O acordo entre a Volkswagen do Brasil e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, divulgado como uma vitória de suposto novo relacionamento entre capital e trabalho, não passou de anunciada redução. Só viu cara de novidade nos acertos quem não está conectado de fato com as peculiaridades entre capital e trabalho no setor automobilístico regional, escancaradamente diferenciado das demais regiões do País.
Numa entrevista especial publicada em maio do ano passado, portanto há quase um ano, LivreMercado ouviu o diretor de Recursos Humanos da Volkswagen do Brasil, Fernando Tadeu Perez, executivo que meses depois conduziu as negociações com Luiz Marinho, presidente dos metalúrgicos. E o que Perez anunciou na ocasião que pudesse ter relação direta com o efeito pós-aumento de juros e de impostos do pacote fiscal do governo federal? Disse com todas as letras que havia excedente de pessoal na empresa e que tal situação só perduraria enquanto o mercado fosse crescente. E foi até novembro do ano passado.
Também afirmou o executivo da Volkswagen que estava fora de cogitação, pelo menos para os próximos 20 anos, qualquer plano de desativação da fábrica de São Bernardo, símbolo da moderna industrialização brasileira que o tempo tratou de tornar obsoleto, pelo envelhecimento de máquinas e equipamentos e também pelo convencionalismo técnico da mão-de-obra. Isto quer dizer que o anúncio divulgado em conjunto entre a montadora e o Sindicato dos Metalúrgicos, atribuindo-se ao conjunto de negociações a manutenção de produção da unidade de São Bernardo, não passou de marketing explícito de relacionamento conveniente entre as duas partes envolvidas na questão.
Acordo demorado
O acordo demorou 70 horas para ser alinhavado e o resultado final acabou sendo o esperado -- queda de custos de 18% com pessoal nos próximos 12 meses. No ano que vem o volume a ser economizado atingirá R$ 200 milhões, contra R$ 50 milhões deste ano. A diferença se explica porque R$ 130 milhões serão consumidos este ano com a indenização de 4.062 funcionários que se inscreveram, nas fábricas de São Bernardo e Taubaté, no programa de demissões voluntárias. O blefe de dispensar 10 mil funcionários, anunciado em novembro em tom dramático por Fernando Tadeu Perez, deu certo. Tanto que Luiz Marinho encerrou as negociações exibindo ares de vencedor.
A remuneração anual dos empregados da VW cairá menos de 10%, segundo cálculos de Perez. Luiz Marinho faz outras contas, bem menos impactantes, nas quais os horistas desembolsariam 1,2% a mais de seus salários com alimentação e transporte, que tiveram aumentos de 28% e 53%, respectivamente. Ele não contabiliza perdas com a eliminação ou rebaixamento na participação nos lucros ou resultados, entre outras medidas acordadas.
Novos produtos
Até o ano 2000, quando a Volkswagen anuncia que vai começar a substituir as atuais versões das linhas Gol, Parati e Saveiro, além do Santana e Kombi, por modelos de plataforma mundial, o bom senso indica que novas baixas vão acontecer na fábrica de São Bernardo. E que novas negociações vão acabar sendo tratadas como grande espetáculo, mobilizando câmeras de televisão e microfones. Mais perdas serão registradas pela simples razão de que a partir do ano que vem novas montadoras de veículos em construção no País vão começar a desovar produção e a rebaixar as margens de lucro da concorrência. Sem contar que os asiáticos de moedas desvalorizadas tornam-se ameaça consistente, principalmente no campo externo, menos regulado e protegido.
O próprio presidente da Volkswagen do Brasil, Herbert Demel, dois dias depois da celebração do acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos, deixou mensagem subliminar sobre o que pode acontecer à fábrica de São Bernardo. Ele acredita que a montadora poderá produzir o mesmo volume atual de veículos com quadro 25% menor. A VW emprega 31 mil trabalhadores em quatro fábricas no País e no ano que vem vai colocar em funcionamento uma filial no Paraná. Em 1994 chegou a totalizar 45 mil colaboradores.
A extrema dependência da economia do Grande ABC das montadoras de veículos, simplificadamente definida como maior recolhedora direta e indireta de impostos, transformou-se de sonho em pesadelo. A cadeia produtiva, que envolve centenas de pequenas autopeças, é mais fortemente afetada a cada retração das empresas-mãe. E as perspectivas não são animadoras, a julgar pelo alerta dos pesquisadores da indústria automobilística Glauco Arbix e Mauro Zilbovicius, autores e organizadores do livro De JK a FHC -- A Reinvenção dos Carros, lançado pela editora Scritta. Eles prevêem que, dentro de três anos, isto é, na virada do século, as montadoras de veículos instaladas no Brasil vão eliminar cerca de 30 mil dos atuais 106 mil empregos diretos gerados pelo setor. Metade está no Grande ABC.
Mais impostos
As autoridades públicas da região, pouco ouvidas pelas montadoras locais, que preferem concentrar atuação de marketing corporativo muito além da esfera municipal, já começam a ficar de cabelos arrepiados com a crescente demanda por serviços sociais da massa de desempregados. Os orçamentos municipais, apesar de todos os ganhos oferecidos pela Constituição Federal promulgada em 1988, estão apertadíssimos. Principalmente porque as despesas com pessoal na maioria dos casos ultrapassam os restritivos 60% da Lei Camata e as dívidas saltaram geometricamente com a política de juros elevados patrocinados pela equipe econômica para proteger o Plano Real.
Por isso, partem para o contra-ataque. Em janeiro, os avanços em direção ao bolso dos contribuintes foram explícitos. O IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) exemplifica bem essa fome pantagruélica por impostos. As Prefeituras da região anunciaram que pretendem arrecadar R$ 53 milhões a mais em relação ao ano passado. Há sincronia devastadora entre esse número e a queda de arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), principalmente por causa dos impactos do pacote econômico sobre os indicadores de vendas de veículos novos. Mas os prefeitos esgrimam frases de efeito sobre defasagens de valores permitidas pelos antecessores. Movimentos de rebeldia aos aumentos e incursões judiciais ganham manchetes, fazem barulho, mas se limitam a universo reduzidíssimo de moradores e empresas.
Como o Poder Público tem dificuldades enormes para a prática elementar de calcular despesas com base nas receitas e o mandatário de plantão costuma jogar para o próximo a incapacidade aritmética de imprimir a marca do saldo em vez do déficit, é de se imaginar quantos novos ataques ainda virão. Demissões ocorreram em janeiro, mas o efetivo que engrossou a massa de desempregados na região foi irrisório. O Programa de Demissões Voluntárias (PDV) da Prefeitura de Santo André, liderado pela secretária de Administração Miriam Belchior, só conseguiu adesão de 59 servidores. O número significa apenas 0,7% do total de funcionários, que consomem 62% do orçamento. A secretária explicou a baixa adesão ao fato de que a perspectiva de conseguir recolocação no mercado de trabalho privado é cada vez mais complicada. A diferença é que o setor privado, premido pela concorrência e até mesmo pela necessidade de sobreviver, demite sem maiores firulas para poder salvar outros empregos.
Em Diadema, o prefeito Gilson Menezes passou um janeiro às voltas com invasão de áreas, mas resolveu iniciar processo de demissão. Nada mais natural e tardio, considerando-se a gravidade da situação econômica da Prefeitura. Gilson demitiu 170 funcionários não-estáveis e eliminou 20 servidores que ocupavam cargos de confiança. Esse contingente se somou a outro e totalizou 343 servidores, ou uma economia mensal de R$ 400 mil. Diadema tem 6,4 mil funcionários púbicos que consomem perto de 70% das receitas e prevê arrecadar R$ 190 milhões este ano. Uma dinheirama perto do que recolhia antes da Constituição de 1988 -- menos de R$ 30 milhões. Como se vê, o problema do setor público nacional não é de volume de recursos -- tanto que a carga tributária é de Primeiro Mundo, atingindo 31% do PIB --, mas de gestão minimamente responsável.
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