Economia

Metamorfose econômica (17)

DANIEL LIMA - 27/05/2009

Na edição de 16 de dezembro de 2005 do Diário do Grande ABC sob o título “Presente de Grego” da coluna “Contexto” surpreendi quem via o trecho sul do Rodoanel como a salvação da lavoura do Grande ABC. Não foi a primeira vez que me reportei ao problema. Estou tentando encontrar nos computadores o primeiro artigo em que coloquei em dúvida a real capacidade restauradora da obra. Enquanto não consigo, vou àquela edição do Diário. 

 (…) Aliás, tenho minhas dúvidas sobre os efeitos miraculosos creditados aos poderes infra-estruturais do Rodoanel. Já escrevi sobre o assunto mas não custa repetir: a obra que tangenciará Santo André, Mauá, São Bernardo, Ribeirão Pires e Diadema é faca de dois gumes, como diria Vicente Mateus — escrevi. 

 Da mesma forma que o Rodoanel acrescentará à geografia produtiva do Grande ABC algumas áreas de acesso que possibilitarão o drible da vaca no caos interno da Região Metropolitana de São Paulo, escancarará de vez o convite explícito a novas deserções industriais para regiões próximas da Capital. Para tanto, contará com a garantia técnico-econômica de que a menor distância em direção às exportações pelo Porto de Santos não está presa necessariamente ao convencionalismo cartográfico.

 (…) Imagine uma fábrica instalada em São Bernardo cujos custos gerais no regime de competitividade globalizada estão no limite. Exportadora, essa empresa conta com a facilidade do Porto de Santos tão próximo para amenizar com transporte o custo superior da mão-de-obra, da estrutura imobiliária, da segurança e mesmo da logística urbana interna de mal-traçadas ruas e avenidas sempre congestionadas que nada têm com a vantagem do desafogo do Rodoanel. Ora, quando essa empresa tiver a opção de se transferir para a São Paulo Expandida muito mais bem atendida em sistema viário e em custos trabalhistas, locacionais e de qualidade de vida, será que vai continuar na região se na ponta do lápis o Rodoanel proporcionar em direção ao Porto de Santos custos logísticos apenas levemente superiores aos atuais?

Sigo com aquele artigo publicado no Diário do Grande ABC de dezembro de 2005. Aliás, um dos 153 textos que escrevi naquela publicação no período de nove meses em que atuei como diretor de Redação.

 O exemplo não é aleatório. Podem acreditar que se trata de algo imperativo no mundo dos negócios. Estamos pagando o preço do pioneirismo industrial que incluiu articulações sindicais. Mesmo ou por causa dos exageros, os sindicatos mais organizados deram aos trabalhadores locais vencimentos que os instalaram num quadro de mobilidade social jamais vivido no País. Outras regiões de industrialização tardia vivem sob referenciais de custos compatíveis com a guerra fiscal. Por isso, o fator Rodoanel é componente muito mais complexo do que acreditam aqueles que só vislumbram a obra como vigoroso corte de valor viário.

 (…) Para os técnicos do governo do Estado que se pronunciam sobre o Rodoanel, vale única e exclusivamente a estática econômica do traçado. Para os ambientalistas, sempre em busca de holofotes, prevalece a inquietação com o adensamento urbanístico ao longo desse cinturão de potencialidades destrutivas aos mananciais. Para os políticos, por mais boa vontade que eventualmente demonstrem, o partidarismo e as próximas eleições falam mais alto.

 (…) Uma prova de que por vias transversas os dirigentes públicos do Grande ABC sabem que o Rodoanel é tanto oportunidade como ameaça ao futuro está no recente anúncio de plano de obras integradas ao sistema viário regional. A deliberação do Consórcio de Prefeitos se soma aos milhões de dólares que São Bernardo está contratando junto ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para reestruturar o viário interno que, provincial, colide com a grandeza da economia mais portentosa da região.

O fecho daquele artigo, tanto quanto o corpo integral, não teve o poder sensibilizador de mexer com os brios locais:

 Por essas e por outras se tornou obrigatória às instâncias públicas e privadas do Grande ABC colocar o Rodoanel na pauta de emergências temáticas para o próximo ano. Resta saber se prefeitos, secretários municipais, deputados, vereadores, instituições empresariais e sociais conseguirão sair do atoleiro de imobilidade que caracteriza a inação regional. Governo nenhum, de qualquer instância, age por livre e espontânea vontade. Ou a comunidade aperta o cerco, ou o cronograma e a utilidade regional do Rodoanel seguirão como intrigantes pontos de interrogação.

Mais tarde, depois que deixei o Diário do Grande ABC, fiz uma seleção dos melhores momentos de “Contexto” e editei “República Republiqueta”, uma de minhas obras sob o guarda-chuva de regionalidade. Ainda disponho de exemplares em meus arquivos.

Já estava pronto para postar este artigo quando descobri nos computadores o ponto central de “Presente de grego” publicado em 26 de dezembro no Diário do Grande ABC. A explicação está na newsletter Capital Social Online, antecessora deste blog, edição de 2 de setembro daquele mesmo 2005. Almocei dias antes com Luiz Moan, diretor de Assuntos Institucionais da General Motors do Brasil. Falamos de tudo, mas principalmente das implicações econômicas do Rodoanel. Alguns pontos daquela newsletter:

 (…) Pois querem saber o que disse Luiz Moan do alto da experiência de quem coloca o Rodoanel como prioridade das prioridades para que o plano de fortalecimento do setor automotivo do Grande ABC seja de fato embalado de sucesso? Que o Rodoanel é solução e problema, dependendo da inserção econômica que venha a ter com o Grande ABC. Ou seja: não basta construir o trecho de 53 quilômetros que teoricamente desafogaria boa parte do infernal sistema viário interno da Grande São Paulo. É indispensável que a obra seja pensada e executada com olhos postos na praticidade econômica de mercado.

 (…) O outro ponto analisado pelo executivo da General Motors e que, como num passe mágico de sincronismo, harmonizou-se perfeitamente com o que tenho defendido há muito tempo, tratou da importância de se contratar uma consultoria especializada em competitividade regional para formatar o Grande ABC automotivo que queremos agora que o prefeito William Dib resolveu colocar o ovo em pé. Mais que qualquer outro aspecto, reiterou o também vice-presidente da Anfavea, a associação das montadoras de veículos sediadas no País, que a definição da arquitetura técnico-operacional das autopeças em estreita relação com as montadoras locais determinaria o nível de racionalidade de investimentos e de ganhos de escala que o voluntarismo jogaria pela janela.

É impossível deixar de abordar novos vetores do trecho sul do Rodoanel nesta série histórica de análise da economia do Grande ABC.

Novas temáticas virão na sequência, depois de esgotado este filão. As montadoras, as autopeças, o sindicalismo e tantos outros pontos são obrigatórios para conhecer as razões de o Grande ABC ser exatamente o que é — uma complicação do tamanho da riqueza acumulada e dos problemas sociais encravados em imensas periferias. É claro que não faltarão também análises sobre nosso irrecuperável Complexo de Gata Borralheira.



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