O argumento mais cortante de que o Grande ABC não se preparou economicamente para capitalizar o trecho sul do Rodoanel Mário Covas, cuja inauguração está prevista para no máximo nove meses, é a orfandade dos dois pratos da balança que garantiram o desenvolvimento regional — no caso a indústria automotiva e também a indústria química.
Se ao menos tivesse buscado uma variável econômica, que tanto reclamamos, seria ótimo, porque o Grande ABC não pode depender demais desses dois setores ultracompetitivos, principalmente o automotivo, que, além de tributos, gera muitos empregos.
Qual nada: exceto uma ou outra notícia de que se instalam centros de logística, que agregam baixa produção de riqueza, as informações confiáveis não sustentam o revigoramento de nossas fronteiras que perderam em Valor Adicionado (produção de riqueza da indústria de transformação) mais de 1% em média por ano entre 1994 e 2007.
É isso que dá a residual regionalidade do Grande ABC, embora não faltem na praça malandros de sempre a apregoar força coletivista. Pobres coitados, porque não passam, no fundo, no fundo, de larápios do futuro, de usurpadores das próximas gerações. Mas eles falam à vontade. Falta à região massa crítica de constrangimento aos prevaricadores éticos.
Dispositivo de defesa
Produzi em janeiro de 2007 para a revista LivreMercado (insisto sempre, ao me referir à publicação, que me atenho historicamente aos 19 anos em que a conduzi editorialmente, não ao período de janeiro deste ano em diante, sob nova direção e novos conceitos) uma matéria emblemática da importância do trecho sul do Rodoanel. Naquela oportunidade, alcei à Reportagem de Capa o então prefeito de São Bernardo, William Dib. O título (”Dib, nosso JK?”) apresentava uma provocação otimista.
O ponto de interrogação do título da capa foi introduzido como dispositivo de defesa. A experiência nos ensina que, quando se trata de gestão pública, nem sempre um prefeito, por mais poderoso e interessado que seja, consegue levar os planos adiante. William Dib acumulava a presidência do Clube dos Prefeitos e garantia que colocaria todo o peso institucional da entidade para seduzir o governador José Serra a tirar o Rodoanel das pranchetas. Ajudou bastante. Tanto que o trecho sul está em fase aceleradíssima de obras. Mas o vetor econômico, de ocupação organizada para tornar o traçado aliado logístico, jamais foi sequer iniciado.
Naquela Reportagem de Capa de janeiro de 2007, lembramos que o então prefeito William Dib, em fevereiro de 2005, então como presidente do Clube dos Prefeitos, esteve em Brasília acompanhado dos demais chefes dos Executivos do Grande ABC. Obteve em audiência especial, com o ministro de Transportes, Alfredo Nascimento, o compromisso de investimentos de R$ 700 milhões na construção do trecho sul.
É verdade que a promessa foi ignorada na elaboração do Orçamento da União de 2006 que previu apenas R$ 33,9 milhões dos R$ 140 milhões anuais pactuados. Mais tarde, sobraram apenas R$ 14 milhões — escreveu este jornalista.
A semente foi efetivamente plantada, até que governo estadual e governo federal entraram em acordo para acelerar o cronograma de obras do trecho sul. Já naquela reportagem, como anteriormente, alertamos sobre o risco de interpretar o Rodoanel como salvação da economia do Grande ABC.
Engana-se quem imagina que a obra é panacéia para todos os males de competitividade de uma região que nos anos dourados da indústria automotiva não se preparou para o futuro. Pior: deixou-se encalacrar em logística, núcleo do Rodoanel. Faltaram planejadores para acompanhar tendências nacionais e internacionais de investimentos. Viveu-se plenamente o aqui e o agora. Acentuaram-se com isso idiossincrasias internas de um território dividido em sete pedaços — escrevi.
Dei certa profundidade naquele texto à origem do Grande ABC automotivo:
Quando recebeu a indústria automobilística, coração, braços, pernas e alma da economia regional, a disputa por negócios não constava do léxico dos administradores públicos municipais, regionais e estaduais. O Grande ABC descoberto pelo Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek foi beneficiado pela proximidade com a consumista Capital e pela vizinhança com o escoadouro do Porto de Santos. Bastou o cerco apertar nos municípios brasileiros invadidos ao longo da segunda metade do século passado por levas de deserdados do campo e ser eliminada a espiral inflacionária para que a atração de empresas, principalmente indústrias, se tornasse briga de foice no escuro — escrevi.
Também naquela Reportagem de Capa lembrava este jornalista um raciocínio que reproduziu em capítulos anteriores desta série:
O Grande ABC está chegando atrasado. O trecho oeste provocou rombos, com deslocamentos de negócios para a vizinhança à oeste da Capital. Entretanto, há o reverso da medalha de otimismo que a obra desperta. Da mesma forma que vai racionalizar a logística de transporte para quem está no Grande ABC e pretende deixar o inferno contraprodutivo das vias internas locais e da Capital sempre congestionadas, o Rodoanel possibilitará estudos comparativos de competitividade que podem concluir que é possível sim usufruir ainda mais do trecho sul estando fora do território de qualquer um dos sete municípios locais e também da Capital — alertei novamente nas páginas daquela publicação.
Gargalos internos
Ainda naquela Reportagem de Capa mostramos as dificuldades de compatibilizar a potencialidade do trecho sul do Rodoanel com os transtornos do viário interno dos municípios do Grande ABC. O prefeito William Dib anunciava com entusiasmo que três gargalos que poderiam comprometer a fluidez do tráfego interno em São Bernardo em direção aos dois acessos do trecho sul no Município centralizavam os critérios de prioridade entre as 25 obras contidas no Programa São Bernardo Moderna, que previa investimentos de US$ 254 milhões em duas fases, contando com megaempréstimo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e contrapartida municipal. Era ponto chave da administração municipal desobstruir as artérias municipais que tornam o sistema viário de São Bernardo mais próximo de cidadezinhas do Interior.
Os três nervos expostos de tráfego que precisam passar por cirurgia urbana para acompanhar o ritmo do trecho sul do Rodoanel e tornar o encaixe logístico operação sinérgica são a Estrada Galvão Bueno, a Avenida Lions e o viaduto do Bairro Paulicéia. A Estrada Galvão Bueno é um corredor de 3,9 quilômetros que liga a Via Anchieta à Imigrantes e corta bairros populosos como Batistini, Demarchi, Grande Alvarenga e Terra Nova. O trecho será duplicado e beneficiará perto de 100 indústrias — escreveu este jornalista.
Os três gargalos continuam ativos, embora as obras da Galvão Bueno avancem consideravelmente.
A tradução dessa equação é simples: o cronograma do governo estadual na construção do trecho sul do Rodoanel, depois de acertar o passo quanto ao financiamento da obra, corre numa raia muito mais dinâmica do que a administração municipal de São Bernardo.
O Programa São Bernardo Moderna ruiu por uma série de fatores, principalmente porque o dólar passou por forte valorização, algo que somente a partir de outubro do ano passado, com a crise internacional, esta se revertendo.
Bordas logísticas
O Grande ABC não está preparado internamente para aproximar-se para valer do trecho sul do Rodoanel. Apenas as bordas do traçado têm viabilidade logística mas, exatamente porque são poucos as áreas ocupáveis, a especulação imobiliária dita o ritmo dos negócios. E naturalmente exclui pequenas e médias empresas automotivas e químicas do processo. Não é difícil acreditar que empresas de pequeno e médio porte desses dois setores localizadas fora do alcance de acesso rápido ao trecho sul do Rodoanel decidam bater asas em direção a localidades da Grande São Paulo.
Seguiremos com o trecho sul do Rodoanel no próximo capítulo desta série para, sobretudo, consolidar a análise de que o Grande ABC não tem preparo algum para usufruir organizadamente dos benefícios da obra. Deixou para o mercado sempre guloso e autofágico a diagramação ocupacional de áreas estratégicas para acrescentar produção, emprego e geração de renda.
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