Numa Reportagem de Capa da edição de outubro de 2006, quando a publicação estava sob o controle editorial deste jornalista, a revista LivreMercado levou aos leitores abordagem inédita sobre a preparação da administração pública de Mauá para recepcionar o trecho sul do Rodoanel. Dividi com o repórter André Marcel de Lima a produção do texto. A recuperação daquele texto não se esgota na recomposição histórica para entendimento do que se passa no Grande ABC sob a influência do traçado que promete alterar a logística da Grande São Paulo. É muito mais que isso: é a síntese das dificuldades administrativas e operacionais do Poder Público nestes tempos que exigem reestruturação do espaço produtivo no Grande ABC para fazer frente a outros municípios fora do eixo regional. É importante contextualizar aquelas informações para que o entendimento seja completo. Repito que a matéria foi publicada na edição de outubro de 2006 de LivreMercado. Portanto, há quase três anos. Naquela oportunidade, o então prefeito Leonel Damo e o então secretário de Desenvolvimento Econômico, Marcos Soares, anunciaram cinco medidas para atender às demandas positivas que o trecho sul do Rodoanel ensejava:
Ataque à especulação imobiliária no Distrito Industrial de Sertãozinho, a maior área disponível para empreendimentos em Mauá.
Desburocratização da relação entre os diversos departamentos da Administração Municipal e as empresas.
Qualificação profissional dos desempregados.
Incentivos tributários.
Melhoria do viário interno municipal com recursos do governo estadual.
Tanto para o então prefeito como para o então secretário, o combate à especulação imobiliária no Distrito de Sertãozinho era a ação mais importante. Eles já entendiam naquela oportunidade que, por mais que o trecho sul desembarcasse na Avenida Papa João XXIII, a ocupação em larga escala da área exclusivamente industrial estaria ameaçada se a oferta de terrenos ficasse restrita e os preços se mantivessem nas alturas. “Sertãozinho tem de oito a nove milhões de metros quadrados disponíveis, mas cerca de 60% de todo esse espaço não estão à venda. São mantidos como reserva de valor por especuladores que atrapalham o desenvolvimento econômico e social da cidade” — disparou Marcos Soares, que também ocupou a presidência da Associação Comercial e Industrial de Mauá. E foi mais longe a então autoridade pública de Mauá: “Uma única família detém área ociosa de cerca de três milhões de metros quadrados. Para não pagar IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), a área está registrada como propriedade rural e recolhe ITR (Imposto Territorial Rural), cujo valor é infinitamente mais baixo. Para justificar o status de propriedade rural, algumas vaquinhas são mantidas no pasto” — afirmou.
Está claro que o Direito de Propriedade evocado como um dos pilares constitucionais deveria ser relativizado em circunstâncias especiais e nos limites extremos da Justiça. No caso específico do Distrito de Sertãozinho, a ortodoxia legal simplesmente inviabiliza qualquer tentativa de reestruturação socialmente justa do espaço com a chegada de investimentos públicos potencialmente mobilizadores de crescimento de atividades econômicas. O secretário e o prefeito já não estão mais em atividade pública mas o problemaço continua. Para insatisfação inclusive das empresas do Pólo Petroquímico de Capuava.
A capilaridade de transformadores de insumos da chamada terceira geração, altamente geradores de emprego, asseguraria o que os acadêmicos chamam de internalização de investimentos e renda.
Volto àquela Reportagem de Capa, dos tempos em que LivreMercado era um produto jornalístico revolucionário, e apanho uma declaração do secretário Marcos Soares que o remete a algo menos radical que a Revolução Cubana, mas nem por isso palatável aos especuladores de plantão:
O secretário Marcos Soares conta que uma proposta em fase final de elaboração vai punir pesadamente proprietários de espaços ociosos com mais de 500 mil metros quadrados. A idéia é aumentar impostos de tal maneira que os proprietários preferirão vender. “A terra vai queimar na mão dos especuladores” — garante o secretário, que faz questão de rotular os proprietários como inimigos número um do desenvolvimento de Mauá e do Grande ABC. “Não tenho a menor dúvida de que os vereadores vão se sensibilizar para aprovar a medida” — completou.
Sonhava o secretário, com o apoio do prefeito Leonel Damo, que o mecanismo descongelaria o estoque fundiário e promoveria estímulo à instalação de empresas na boca do trecho sul do Rodoanel. E fazia cálculos matemáticos para acreditar numa Mauá recheada de pequenas indústrias transformadoras de plástico: “O custo do metro quadrado no Sertãozinho oscila entre R$ 60 e R$ 100, dependendo do tamanho do terreno. Quando mais áreas forem colocadas à venda, os preços devem cair no mínimo 30%”.
Os demais quesitos do plano de fortalecimento econômico de Mauá com a chegada do Rodoanel também não decolaram. Incentivos fiscais para atração de empresas não são novidades no Grande ABC nem em Mauá, mas esbarram sobretudo na ausência de alternativas locacionais a preços menos especulativos. A desburocratização das relações entre Poder Público e iniciativa privada é seletiva. Depende muito do cacife dos empreendedores interessados em investir na cidade. Quanto menor, mais tempo de espera. Também vai por água abaixo da eficiência prática a qualificação de mão-de-obra prometida pela nova administração municipal de Mauá. Se não houver oferta de emprego, de que adianta melhor qualificação? Desempregados capacitados deverão substituir empregados menos capacitados. Ganha-se em produtividade, é verdade, mas não em empregos. O Brasil se tornou campeão mundial de desempregados diplomados porque o universo de universitários decorrente da febre de novas instituições a partir de metade da última década do século passado é muito maior que a evolução do PIB.
O Pólo Petroquímico é ótimo para as finanças da Prefeitura de Mauá, por conta da generosidade de industrialização de tributos, mas gera quantidade ínfima de empregos. A chamada terceira geração de transformadores seria a redenção que a especulação imobiliária abortou. O quinto e último ponto do projeto anunciado há três anos também está no acostamento das expectativas. Uma série de obras precisa sair do papel. A duplicação da Avenida Alberto Soares Sampaio melhoraria a conexão entre o viaduto localizado no final da Avenida Papa João XXIII e a Avenida dos Estados. Uma alternativa seria a construção de vias na margem do Rio Tamanduateí, em área ocupada pela Recap (Refinaria de Capuava). Tudo porque, como se sabe e foi fartamente anunciado, a extensão da Avenida Jacu-Pêssego, que ligará Mauá à Zona Leste de São Paulo, vai aumentar o tráfego local. “Sem a melhoria da conexão entre o viaduto e a Avenida dos Estados aquele ponto se transformará em caos” – antecipava o secretário há três anos. Infelizmente, também esse assunto saiu da pauta regional. Não está descartada a possibilidade de o Rodoanel atropelar o Grande ABC.
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