Economia

Metamorfose econômica (20)

DANIEL LIMA - 18/06/2009

Quanto significariam de redução de custos em logística os produtos e serviços transportados na Região Metropolitana de São Paulo caso o Rodoanel Mário Covas já estivesse completamente construído? Estava diretor de Redação do Diário do Grande ABC, em 2005, e, insaciável na terapia de escrever para exorcizar maus pensamentos, desvendei o mistério numa das muitas matérias e colunas que preparei para aquele jornal no período de nove meses. 

Ouvi do então presidente da então Ryder do Brasil as respostas que queria. Antes de revelá-las, um adendo: aponho “então” tanto para o presidente Antonio Wrobleski Filho quanto para a empresa que ele dirigia porque no ano passado, surpreendentemente, o empreendimento foi desativado no Brasil.

Com abordagem diferente, embora os insumos fossem os mesmos, transformei aquela entrevista com o então dirigente da Ryder em reportagem da edição de outubro da revista LivreMercado, reproduzida mais tarde na edição 2.099 da newsletter CapitalSocial Online, endereço virtual que antecedeu a este blog. 

Antonio Wrobleski Filho estimou que a Região Metropolitana de São Paulo, de 39 municípios e 19 milhões de habitantes, representava acréscimo de 30% nos custos de logística. A atividade que poderia ser sintetizada como a arte de alcançar dois ou mais pontos em menos tempo possível tem participação média final de 10% nos produtos e serviços. Uma equação suficientemente clara para comprometer a competitividade e, pior que isso, de denunciar o grau de desperdício das metrópoles ensandecidas. 

Custos logísticos

Naquela oportunidade, lancei-me a calcular a dimensão dos custos logísticos. Um produto com valor unitário de R$ 100 carrega em sua estrutura de preço 10% de logística, ou R$ 10. Na Grande São Paulo, quando se acrescem 30% de peso suplementar, o valor da logística passa para R$ 13. O desperdício vai parar no bolso dos consumidores. Desconheço qualquer instância municipal ou regional que tenha se utilizado daqueles dados, que reproduzo agora, para, numa ação de marketing, atrair empreendimentos compatíveis com o perfil de produtos e de serviços locais. 

A situação não poderia ser diferente porque simplesmente, como já expliquei em capítulos anteriores, as instituições públicas locais não se prepararam para enxergar o trecho sul do Rodoanel além dos atributos logísticos mais rasos. E olhem que o trecho sul reúne muito mais vantagens na geografia metropolitana porque eliminaria 50% do tráfego com origem e destino, do qual 43% do volume de caminhões na Marginal Pinheiros. Os riscos de acidentes rodoviários cairiam em 67%. 

A expectativa de que o trecho sul do Rodoanel também colocará São Bernardo na cara do gol do desenvolvimento econômico, tanto quanto Mauá, é extremamente exagerada. Como o Município vizinho, São Bernardo não se organizou para recepcionar a obra. A especulação imobiliária dá o tom, com a diferença de que São Bernardo não conta com um Bairro Sertãozinho de nove milhões de metros quadrados. O preço imobiliário é elevadíssimo. Os empreendimentos de pequeno e médio porte do setor industrial são cartas fora do baralho desse jogo de marmanjos econômicos. Por isso, a conceituação de logística como sinônimo de riqueza de investimentos e de geração de renda deve ser relativizada. 

Na edição de outubro de 2006 de LivreMercado, o jornalista André Marcel de Lima preparou um texto que atingiu a jugular da objetividade da obra. Ele lembrou que, apesar do anúncio do trecho sul do Rodoanel, dois anos antes, em 2004, portanto, a unidade da Volkswagen, em São Bernardo, transferiu integralmente para Vinhedo, na Grande Campinas, o centro nacional de distribuição de peças voltado para a rede de concessionárias. Mesmo o leitor mais desatento não deixaria escapar uma pergunta elementar: como a Volkswagen abre mão de uma distribuidora de autopeças numa São Bernardo prestes a receber o trecho sul do Rodoanel? 

Perda de competitividade

Mais ainda: como a Volkswagen, cuja vizinhança com o trecho sul do Rodoanel será tão íntima como os casais provisórios ou não do Big Brother Brasil, caiu na besteira de se mandar para o Interior do Estado? André Marcel de Lima respondeu: a vantagem competitiva de São Bernardo no setor de autopeças cai por terra quando o raio de suprimento é mais abrangente e reserva participação especial do Interior do Estado e também de outros endereços da Federação. Traduzindo: o centro de distribuição da Volkswagen, então uma operação que faturava R$ 700 milhões por ano, deslocou-se sob medida para um centro gravitacional que oferecia maior produtividade de suprimento, já que houve maciço deslocamento da atividade de autopeças à chamada Grande São Paulo Expandida — as regiões da Grande Sorocaba, Grande Campinas e Grande São José dos Campos. 

Aquela reportagem não se esgotou na observação de medidas econômicas que levaram a unidade da Volkswagen do Brasil para o Interior paulista. Foi mais longe, como era a vocação de LivreMercado. O mote era desafiador e se tratava do seguinte: será que São Bernardo é mesmo uma Brastemp logística à iminência da chegada do trecho sul do Rodoanel? O jornalista contrapôs ao revés do centro de distribuição daquela montadora as vantagens logísticas de centros de distribuição do setor de varejo, no caso da rede de materiais de construção Center Castilho e da Leroy Merlin e da rede de móveis e eletrodomésticos da Casas Bahia. 

Mais perdas

Para essas atividades, Anchieta e Imigrantes despontavam como eixos estratégicos para o destino de produtos tanto na Grande São Paulo quanto na Baixada Santista. Não era o caso de autopeças, mais concentradamente na São Paulo Expandida. Mostrando que havia plena sintonia editorial entre aqueles que durante duas décadas produziram a melhor revista regional do País, e que, portanto, a edição seguinte tinha uma complementaridade conceitual ligada às anteriores, o jornalista André Marcel de Lima escreveu: “Centros de distribuição acolhem milhões de produtos e vivem agitados pelo movimento de empilhadeiras e caminhões, mas agregam pouco valor e oferecem salários muito mais baixos que os do chão de fábrica metalmecânico”. 

Ainda naquela reportagem, o jornalista revelou que a multinacional francesa Valeo desativou a fábrica de sistema de segurança em Diadema, em março daquele mesmo 2006, e centralizou as atividades em Guarulhos, inclusive com o fechamento da unidade do bairro paulistano da Cantareira. Para a Valeo, o Grande ABC interessava e continuava interessando apenas como endereço do centro de distribuição de peças de reposição, inaugurado há 10 anos. O motivo é o mesmo compartilhado por Leroy Merlin, Center Castilho e Casas Bahia: proximidade de consumo. Nada mais elementar do que o fato de metade dos atacadistas estarem localizados na Grande São Paulo. Também pesou na decisão o movimento de exportação pelo Porto de Santos: a Valeo aumentou de 11% para 20% a participação no comércio internacional.



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