Economia

Metamorfose econômica (26)

DANIEL LIMA - 23/07/2009

Este e alguns dos próximos capítulos vão ser dolorosamente reminiscentes e também prospectivos para a compreensão do que se passou no Grande ABC, principalmente nos anos 1990. Cheirarão a naftalina mas também evocarão a atualização permanente do calendário gregoriano. Tornarão muito mais compreensível a interpretação da realidade social e econômica de um conglomerado humano que vive na penumbra da sempre espetacularizada, glamourizada e estigmatizada Capital vizinha.

Seria dispensável lembrar que essa análise seguirá solidamente fundamentada em dados estatísticos, mas é importante reforçar essa característica porque não falta na praça quem distorcerá provocativamente o sentido jornalístico.

Provavelmente vão me atribuir contaminação política e partidária, quando não ideológica, por mais que seja independente em todos esses aspectos e, por isso, pague o preço econômico de não me alinhar automaticamente, e no sentido que muitos pretendem, a doutrinas de direita ou de esquerda.

Quando digo que defendo um mundo socialmente capitalista, muitos não entendem. Simplifico com as veredas da Terceira Via — um mundo em que Mercado, Governo e Sociedade possam equilibrar as forças numa correlação que, sem abrir mão da competitividade cooperada de enxergar o todo em vez de apenas uma ou duas das partes, não caísse no extremo oposto do conformismo improdutivo ou do compadrismo acomodatício.

Os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, entre janeiro de 1995 e dezembro de 2002, foram o período mais complexo da história do Grande ABC. E também os mais destrutivos, mesmo que essa adjetivação tenha sentido duplo. O sentido convencional e o sentido schumptereano. O convencional é de terra arrasada mesmo. O sentido schumptereano remete ao húngaro Joseph Schumpeter, de surgimento de alguma inovação econômica que altere consideravelmente as condições prévias de equilíbrio.

Custo social

Tanto num caso como no outro as políticas do governo Fernando Henrique Cardoso atingiram em cheio o Grande ABC. O problema maior é que o custo social foi elevadíssimo e as inovações econômicas apenas colocaram a região menos distante de pólos econômicos estruturados mais recentemente em relação à chegada da indústria manufatureira, principalmente a partir dos anos 1950. Sobretudo a indústria automobilística, nossa doença holandesa.

Os conceitos de Joseph Schumpter perderam de lavada a disputa no Grande ABC. Éramos vanguarda do atraso econômico nos tempos de mercado fechado. A abertura econômica nos obrigou a uma série de medidas reativas. À falta de planejamento e de institucionalidade, predominou o instinto de sobrevivência. O custo social foi descomunal. O choque anafilático ganhou a preferência no tratamento de um organismo acostumado às benesses do capitalismo autárquico e que requeria cuidados operatórios e pós-operatórios menos impactantes. Faltou gradualismo.

Numa ampla análise que publiquei na edição de junho de 2006, fiz um apanhado do governo Fernando Henrique Cardoso que, com dados incontestáveis, confirmava a linha editorial que os fatos e os números me levaram a adotar à frente da revista LivreMercado. O título “Governo FHC proletariza classe média da região” era muito mais que contundente. Era um desabafo contra todos aqueles que de uma forma ou de outra prevaricaram nos respectivos postos públicos, privados e sociais que ocuparam ou continuam ocupando.

Proletariado cresce

Foi a primeira vez que um jornalista teve a coragem de afirmar que a crescentemente classe média do Grande ABC, embalada por três décadas da indústria automotiva, tornara-se prevalecentemente proletarizado a partir da metade dos anos 1990. “Foi por água abaixo sem choro nem vela a decantada mobilidade social, traduzida como a possibilidade prática de miserável virar pobre, de pobre virar classe média-baixa, de classe média-baixa virar classe média-média, de classe média-média virar rico e de rico virar milionário” — escrevi.

Foram os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso que associaram no Grande ABC a quebra de valores salariais com monumentais perdas de empregos industriais, alma e coração de sustentação da classe média. Um resumo daquele período abre o apetite de leitura dos próximos capítulos. 

 O conjunto de sete municípios perdeu quase metade dos trabalhadores e executivos que recebiam mais de 20 salários mínimos. Nenhuma outra localidade ou região do País apresentou situação semelhante.

 Os sete municípios da região viram crescer como nenhum outro território o universo de trabalhadores que passaram a ganhar até cinco salários mínimos.

 A substituição de empregos industriais por empregos de comércio e serviços, o chamado terciário, instalou a média relativa de contratações de trabalhadores do Grande ABC em patamar muito mais elevado do que outros territórios. Isso significa que o choque foi estupidamente maior, com enormes repercussões sociais, principalmente porque o emprego industrial que predominava na região era muito mais rico em salários e benefícios indiretos, por conta da atuação sindical.

 A queda relativa de empregos industriais do Grande ABC foi muito superior também a outras localidades. Só perdeu para a vizinha São Paulo que, entretanto, teve menor impacto na participação relativa de empregos do terciário.

 Também ultrapassou todos os limites o definhamento do emprego industrial em comparação com os demais setores econômicos do Grande ABC. Embora ainda tenha mantido a maior proporção de carteiras assinadas no confronto com comércio, serviços, construção civil e agropecuária, a indústria do Grande ABC sofreu no período duros reveses. Essa constatação ajuda a explicar o empobrecimento da classe média.



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