O que teria respondido o então sindicalista Luiz Marinho naquela entrevista de fevereiro de 1997, sobre o desempenho das montadoras de veículos no Grande ABC? E o que disse o então e ainda hoje líder das empresas de autopeças, Paulo Butori, sobre o histórico de dificuldades do setor nas relações com sindicatos de trabalhadores naquele período?
Luiz Marinho respondeu da seguinte forma:
Temos conversado com as montadoras, mostrando que o surgimento da Câmara Regional do Grande ABC precisa contar com seus representantes. Acho não só que devem participar, como são determinantes nos rumos da Câmara. Acredito sim que as montadoras têm responsabilidade social. Muita gente que está morando pendurada em morros veio com a expectativa de trabalhar um dia numa de nossas grandes automobilísticas ou nas autopeças. Essas pessoas estão aqui gerando problemas sociais. A Volkswagen, ao que me consta, adotou cidades do Nordeste na área educacional, colaborando com a Comunidade Solidária, programa assistencial do governo federal. Acho isso ótimo, importante, mas chamo a atenção para a sensibilidade de todas as nossas empresas a olhar para nossa região. Basta um passeio pelos bairros mais afastados para constatar a existência de famílias inteiras passando fome e sem perspectiva, por falta de emprego. Precisamos ficar atentos para a necessidade de adotar mecanismos que promovam a abertura de frentes de trabalho na região, porque temos graves problemas sociais a resolver.
Agora, as declarações de Paulo Butori:
A pressão sindical foi, é e será sempre grande entrave aos investimentos, com 50% de peso nas dificuldades das empresas do setor na região. Alegam que não podem diferenciar trabalhador de automobilística do de autopeças porque um é vizinho de casa do outro. Então meu vizinho, que é padeiro, tem de ganhar como eu? É preciso haver diferenciação. A pressão de fornecedores e clientes também é muito importante. Atribuiria 20% dos problemas. Sempre discuto entre as autopeças que estamos nos prejudicando, competindo entre nós mesmos. Nosso maior inimigo não é a multinacional de componentes que vem de fora, mas nós próprios, que lutamos dentro das montadoras para um pegar a fatia do outro. A montadora sabe disso e se aproveita porque tem fornecedores global, sub-fornecedor, pequeno fornecedor e impõe o que lhe convém. Em relação ao pouco preparo administrativo, diria que isso foi no começo. Depois da onda globalizante, e da revolução interna das empresas, as próprias automobilísticas reconhecem a modernização do setor, o melhor preparo dos interlocutores, a gestão mais avançada. Tanto que nossos executivos são muito assediados por outros setores, porque se tornaram ágeis, ganharam muito conhecimento em economia globalizada. Daria peso de 10%, semelhante ao afrouxamento estimulado pela indexação da correção monetária. Ainda lembraria a proteção que o País dá às montadoras, enquanto condena as autopeças à competição internacional, o que permite poder fantástico de barganha às montadoras de comprar a preços muito baixos, quase vis, os produtos de que necessitam.
Um dos pontos mais agudos da entrevista de Paulo Butori foi a projeção da indústria de autopeças no Grande ABC, quase 13 anos atrás:
Os sindicatos devem articular-se junto às empresas no sentido de dizer: concordamos que estamos perdendo espaço, concordamos que a modernidade é irreversível e que a concorrência com outros Estados é muito grande. Por isso estamos dispostos, para manter o parque que resta, a oferecer condições semelhantes. Você me diria: mas os salários vão pro vinagre e a qualidade de vida afundaria. A situação, porém, já está indo pro vinagre com a saída de empresas e o alto desemprego. Como os trabalhadores da região já estão treinados e mais qualificados, tenho convicção de que os empresários não vão desprezar esse fato e até pagarão algo mais do que em outras regiões. Mas não 60% acima do que se paga em Minas Gerais, por exemplo, onde o índice de greves é baixíssimo. Como presidente de um sindicato nacional, fico desesperado quando vejo os resultados de Minas e tenho de dar entrevista dizendo que o setor está mal. Lá estão muito bem. O faturamento das 89 empresas mineiras cresceu 25% em 1996 sobre 1995, enquanto o índice nacional foi de 15,4%. O Empresário Mineiro de 1996 é do setor de autopeças.
Se aquelas entrevistas de fevereiro de 1997 colocaram o setor automobilístico do Grande ABC numa espécie de divã, o que falar então do que preparamos no ano seguinte, numa Reportagem de Capa que começarei a explicar em detalhes no próximo capítulo. Ali, definitivamente, ruiu de vez a possibilidade de entendimento entre capital e trabalho no setor automobilístico. O Grande ABC já vivia uma crise econômica sem precedentes. Quando o ano 2000 terminou, a contabilidade era aterradora: nos anos 1990, foram destruídos 145 mil empregos industriais com carteira assinada. Os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, que se encerraram em 2002, acumularam baixa de 84 mil empregos industriais formais.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?