Quando escrevi tangencialmente neste espaço, em 8 de junho passado, que a unidade da General Motors em São Caetano deveria preocupar as autoridades da região, não faltaram leitores que se manifestaram com certa irritação. Afinal, o noticiário dos jornais, todos os noticiários dos jornais, caminhava na mesma direção triunfalista: nada, absolutamente nada, contaminaria a GM brasileira por conta da situação concordatária da matriz norte-americana. Fiquei na muda, esperando alguns dias, forradíssimo de evidências de que o mar não está para peixe. Eis que agora, recebo em casa, como a cada quinzena, a edição da revista Exame, da Editora Abril. O título é sintomaticamente preocupante: “A filial que perdeu a matriz”. O conteúdo, no mínimo inquietante.
Antes de transferir para os leitores alguns dos pontos principais da reportagem de Exame, volto ao artigo que escrevi em 8 de junho último, sob o título “Boicote automotivo (2)”, que se refere à análise deste jornalista à composição do Grupo Automotivo do Clube dos Prefeitos.
Alguns trechos diretamente relacionados à unidade da GM são resgatados. Leiam:
Se em circunstâncias normais de pressão e temperatura a instalação de grupo de estudos da principal atividade econômica do Grande ABC já seria acontecimento a ser prestigiado em massa por lideranças políticas, econômicas e sociais, imagine nestes tempos de crise internacional e de ameaça ao equilíbrio econômico do Grande ABC e, adicionalmente, a um dos municípios, no caso São Caetano que tanto se orgulha de indicadores econômicos e sociais de Primeiro Mundo.
Ou alguém em sã consciência acha mesmo que a crise na matriz da General Motors, estatizada pelo governo Obama, não vai espalhar complicações para estes trópicos? Por mais que a imprensa contemporize a situação, só o fato de a unidade de São Caetano ser a menos moderna da marca no País, com praticamente metade da produtividade da fábrica de sistemistas em Gravataí, no Rio Grande do Sul, já diz muita coisa. Ou não diz? Tentar tapar o sol da contaminação da GM brasileira com a peneira das circunstâncias mais recente de resultados financeiros interessantes depois de longas temporadas de suporte norte-americano é tratar o distinto público com desdém. No mínimo, no mínimo, a General Motors brasileira exigirá muitos recursos que minguarão da matriz em maus lençóis e provavelmente cada vez mais voltada para os interesses de mercado e emprego dos americanos — escrevi.
Recuperada essa memória recente de informação que, repito, desagrada profundamente a mistificadores de plantão porque segue na contramão do noticiário dos jornais cujos setoristas têm certa dificuldade em apontar problemas, vamos aos principais trechos da reportagem da revista Exame, que acabou de sair do forno.
(…) Com o fim das ilusões, a operação brasileira entra oficialmente em uma situação complicada: a de filial cuja matriz quebrou. “Estamos por nossa conta”, afirmou um executivo da GM do Brasil, sob a condição de não ter seu nome revelado. Procurada por Exame, a montadora não quis dar entrevista. (…) Desde 2005, quando a GM americana deu os primeiros sinais de agonia financeira, um profundo sentimento de orfandade grassava na operação brasileira. (…) Todos os projetos de novos veículos iam e voltavam, várias vezes, entre Brasil, Estados Unidos, Europa e Coréia do Sul (sede das principais divisões de tecnologia da GM). Um deles, batizado provisoriamente de GSV, sofreu uma série de contratempos. (…) Até hoje a plataforma para a construção do veículo não foi concluída e o local para a produção do carro, um potencial concorrente do Tata Nano, segue indefinido — escreveu Exame.
(…) A General Motors abriu sua primeira fábrica no Brasil em 1930. Por mais de 70 anos, carros com o logotipo da companhia foram objeto de desejo da classe média brasileira — e durante todo esse tempo foi sempre a matriz que mandou dinheiro para o Brasil. O fluxo se inverteu apenas em 2006 (…) Nos últimos meses, as remessas do dinheiro do Brasil para Detroit se tornaram diárias — o que, em última análise, pode comprometer o desempenho da subsidiária no médio e no longo prazo — escreveu Exame.
Volto ao assunto segunda-feira, agora com base em informações recolhidas de fontes que se manifestaram em veículos internacionais, na maioria dos casos.
Se dependesse da imprensa diária verde-amarela, a impressão de que a General Motors do Brasil é um oásis em meio ao caos da matriz norte-americana prevaleceria indefinidamente, até que a bomba estourasse.
Que São Caetano vai pagar o pato da incompetência norte-americana, que também sustentou as improdutividades locais, não tenham dúvida. A General Motors agora estatizada passará por doloroso processo de reestruturação sob a condicionalidade de um governo que não abrirá mão de pendores nacionalistas. Até porque, como lembrou Exame, parte das ações da companhia está nas mãos do sindicato dos trabalhadores norte-americanos.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?