O incrivelmente recém criado Grupo de Trabalho do Setor Automotivo do Clube dos Prefeitos do Grande ABC não pode perder tempo com burocracia e costuras político-partidárias.
A expressão “o incrivelmente recém-criado” não é exagerada, é debochada e também provocativa.
Não é exagerada porque retrata uma ação tardia.
É debochada porque define uma ação de novo tardia.
É provocativa porque também é redundante na qualificação de uma ação tardia.
A repetição é para azucrinar leitores de modo que decorem essa omissão histórica e desbaratem qualquer tentativa dos falastrões de venderem gato por lebre.
Onde já se viu um Grande ABC metralhado pela globalização, dilapidado pela guerra fiscal e sacudido na estrutura social e econômica com a chegada de dezenas de novas fábricas de automóveis no País, só agora, no bojo dessa instância quase abstrata, oficialmente chamada de Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que simplifiquei para Clube dos Prefeitos, resolve botar o dedo na ferida?
Antes tarde do que nunca, tudo bem, mas que faça a lição bem feita, senão estaremos mais perdidos ainda do que já estivemos.
Ninguém pode assegurar que sempre teremos um ex-metalúrgico de São Bernardo na presidência da República para dar uma sustentação providencial, como essa de abrandamento da carga tributária representada no Imposto de Importação de veículos.
Não temos saída de fato senão partir para um ataque coordenado, unificado, potente.
A fábrica da General Motors em São Caetano deveria servir de símbolo dessa empreitada. Ou quem, juízo no lugar, vai acreditar na história da carochinha de que a unidade menos produtiva da filial da empresa norte-americana que acaba de cair nos tentáculos do Estado comandado por Barack Obama vai ficar imune às transformações? Ou há argumentos técnicos, contábeis, financeiros e econômicos para contestar a informação de que se trata mesmo da unidade menos produtiva? Se houver, ótimo, porque já é uma armadura e tanto para os confrontos que viriam.
Alguém que tenha o mínimo de sensatez dá sustentação à possibilidade de, com 17% do capital da companhia no portfólio de investimentos do sindicato de metalúrgicos norte-americanos, as unidades americanas da General Motors continuarão a ser preteridas na reacomodação de peças de um jogo de xadrez internacional ou se vai dar um jeito muito especial de protecionismo que aumenta nestes tempos pós-crise financeira internacional?
Seria o governo Obama angelical a ponto de sacrificar ainda mais os indicadores econômicos e sociais daquele País ao dar preferência a subsidiárias da companhia às quais, ao longo de décadas, foram generosamente canalizados recursos técnicos, financeiros e estratégicos?
É claro que não. Tanto é verdade que o noticiário internacional, sempre mais revelador que o nacional, não deixa dúvidas sobre as mudanças que virão.
Aliás, como escrevi no artigo anterior deste blog, a revista Exame desta quinzena colocou o dedo na ferida, contrariando um oba-oba quase generalizado dos jornais brasileiros extremamente comedidos em informações que possam desagradar às fontes oficiais ou que se jogam de corpo e alma nas versões adocicadas.
Não faltam profissionais que atuam na indústria automotiva que se dizem repórteres mas que de fato não passam de redatores de press releases.
A reportagem de Exame desta quinzena, à qual me referi no artigo anterior e elaborada com base numa fonte anônima, o que dá mostra de como é sensível o jornalismo automotivo, afirma com todas as letras:
“Ainda que os planos de curto prazo deem certo, o sucesso de um ou dois projetos está longe de garantir à operação local (da GM) um futuro livre de percalços. A GM conta com uma linha de veículos defasada, em comparação tanto às suas concorrentes no Brasil quanto a seus pares no exterior. Modelos como Corsa, Astra e Vectra, os carro-chefe da companhia, estão até duas gerações atrás de suas versões europeias” — escreveu Exame, confirmando as ponderações deste jornalista, postadas três semanas antes.
Por isso e pelas repercussões sistêmicas do setor automotivo na vida do Grande ABC, as forças políticas e institucionais locais devem convergir urgentemente para o Grupo Automotivo.
Essa escolha é algo muito mais substanciosa do que ficar com o varejismo mequetrefe de achar que o simples retorno das unidades do Ciesp (Centro das indústrias) à Agência de Desenvolvimento Econômico mudará o curso do rio. Não haverá mudança alguma de fato, não necessariamente por conta das unidades locais do Ciesp, mas porque a estrutura modesta e a subalternidade hierárquica da Agência ao Clube dos Prefeitos são empecilhos quase irremovíveis.
Além disso, deixar que a política de desenvolvimento econômico do Grande ABC fique nos braços curtos e nas cabeças fantasiosas da dupla que comanda a Agência, no caso o prefeito de Rio Grande da Serra, Kiko Teixeira, e o presidente da Associação Comercial e Industrial de São Bernardo, Valter Moura, é o mesmo que chamar de volta os já sessentões Dario Maravilha e Jairzinho para ocupar a titularidade da Seleção Brasileira na próxima Copa do Mundo.
Aliás, pensando bem, essa alternativa bizarra é mais plausível que a dupla da Agência, porque tanto um quanto outro têm passado de glória no futebol, enquanto aqueles dois são peças de um jogo de faz-de-conta que se espalha entre assemelhados igualmente pouco produtivos que, exatamente por serem semelhantes, se acham o máximo, a última cereja do bolo.
O que quero dizer com tudo isso é claro: ou o Grande ABC e quem de fato tem condições de mudar a situação se apresenta para os combates que virão, ou os últimos anos de recuperação parcial das riquezas perdidas nas fábricas, por conta de um governo federal mais atento às especificadas regionais, serão peça de um museu de estatísticas soterradas por novas perdas cumulativas.
Para quem perdeu durante o governo Fernando Henrique Cardoso mais de 4% ao ano, em média, de PIB industrial, e com Lula da Silva baixou o prejuízo para pouco mais de 1%, a sensação de conforto será altamente destrutiva. O mundo automotivo gira numa velocidade tão forte que, de novo, estamos metidos em enrascadas. Os chineses são a maior ameaça, entre todas que surgem no horizonte. Eles estão chegando.
A Chery, noticiam os jornais de hoje, faz os últimos preparativos para entrar no Brasil, por enquanto em associação importadora com um investidor no Interior do Estado. Primeiro vai estudar o terreno, fincar estacas, para, em seguida, bombardear as fabricantes mais tradicionais e seus custos relativos mais elevados. Agravar-se-ão, portanto, as dificuldades do Grande ABC, já extraordinariamente complexas depois da abertura dos anos 1990.
A indústria automotiva é nossa doença holandesa que precisa ser tratada com seriedade e empenho. Deixar que os Kikos da vida deem o tom às iniciativas que de fato devem fazer a diferença, não mais uma onda de espuma político-partidária, deverá entrar para a história como novo sangramento do organismo regional.
A expectativa de que o Grupo Automotivo do Clube dos Prefeitos apresente cronograma de ações que, mais que abrandar as complicações do futuro iminente, conduzam a imediato reencaminhamento de medidas locais num processo que é multifacetado, é o mínimo que se pode esperar. À frente o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e atual prefeito, Luiz Marinho, e contando com um especialista setorial, no caso Jefferson José da Conceição, secretário de Desenvolvimento Econômico, o Grupo Automotivo provavelmente terá mais olhos e ações para São Bernardo, Capital automotiva brasileira. Entretanto, o efeito GM que atingirá São Caetano poderá entornar o caldo regional se não contar com o necessário acompanhamento e tratamento.
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