Sugeri há pouco mais de um ano que a questão dos distratos imobiliários fossem resolvidas sem o cometimento de abusos pretendidos por barões do setor. Eis que agora, em reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico, leio que a solução que se está tornando jurisprudência vem sendo tomada no Judiciário de São Paulo e também do Rio de Janeiro. E vai na direção do que ofereci como sugestão.
Para que os leitores não me chamem de pretensioso, vou reproduzir os parágrafos que dizem respeito ao que o Judiciário está deliberando nestes tempos e, em seguida, trechos da reportagem do Valor Econômico de anteontem. Primeiro os trechos de “Barões imobiliários e a ofensiva contra distratos”, que redigi em três de março do ano passado:
As regras atuais são extremamente justas para os compradores que encontram dificuldades de firmar contratos de financiamento por conta de apertos financeiros de várias ordens. A legislação poderia evitar que as construtoras e incorporadoras ficassem à mercê dos oportunistas, ao permitir mecanismos para distinguir compradores comuns de investidores que especulam no mercado imobiliário. Não se pode confundir uns com outros. É fácil identificá-los. Muitos são aliados das incorporadoras por razões que poderia explicar outro dia. São parceiros de conveniência. Mais: os compradores comuns são vítimas de uma atividade dominada por especialistas em elevar às alturas a rentabilidade dos negócios e que, por conta disso, manipulam os valores do metro quadrado ao sabor de interesses que a Imprensa avaliza com reportagens ao gosto do freguês.
Valor Econômico
Agora, vamos reproduzir os pontos principais da reportagem do Valor Econômico desta semana:
Vem ganhando força nos tribunais de São Paulo e do Rio de Janeiro uma nova forma de interpretar as discussões relacionadas aos distratos – caso em que o cliente desiste do contrato de compra e venda de um imóvel na planta. Os desembargadores têm levado em consideração, ao analisar esses processos, o perfil do comprador e decidido que deve haver tratamento diferenciado aos que adquirem o bem para investimento e não para uso próprio. A mudança tem impacto na definição dos valores que serão devolvidos aos clientes e na forma de pagamento e correção do preço. As decisões anteriores colocavam todos os clientes na mesmo condição e tinham como base a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o que permitia a devolução de até 90% dos valores que haviam sido pagos pelo imóvel. Agora, quando a compra é feita para investimento, os magistrados têm entendido que deve-se aplicar o Código Civil. E, nesse caso, a determinação é para que se cumpra o contrato assinado entre o comprador e o vendedor. O que se vê são percentuais de devolução mais baixos, em média 70% do que havia sido pago pelo cliente.
Banda podre
A banda podre do mercado imobiliário da Região Metropolitana de São Paulo não tem muito apreço por mim por uma única razão: combato duramente gente que transforma o setor em campo de especulação contínua e, mais que isso, imagina que é capaz de calar jornalistas que não se submetem a determinadas regras não escritas de diplomacia pouco ortodoxa.
Não seria por essas e outras razões que omitiria juízo de valor sobre eventuais distorções da legislação que atingem negócios imobiliários de forma injusta e indevida. Sugerir como sugeri que os investidores arquem com o ônus de olhar para o mercado imobiliário como quem observa uma mina de ouro não é, portanto, um ponto fora da curva de racionalidade e discernimento. Pena que o mercado imobiliário, de maneira geral, sobretudo o ocupado por grandes players, não carregue a responsabilidade social que a atividade exigiria num País em que o vale-tudo impera.
Aliás, foi por isso que escrevi aqui em março do ano passado, o texto da sugestão de os especuladores arcarem com os respectivos riscos de gulodice ou algo parecido, sem que fossem colocados no mesmo saco de avaliação dos compradores comuns geralmente vítimas do lobby imobiliário que encontra na mídia impressa um dos principais ramais.
Não custa reproduzir, também, vários parágrafos daquele texto. Dessa forma, acredito que os leitores terão uma avaliação mais completa daquela proposta. Leiam:
Quatro dos principais barões do setor imobiliário paulistano ocuparam ontem uma página inteira de reportagem especial do jornal Valor Econômico. Eles choram com razão e sem razão. Choram que o mercado vive a maior crise de todos os tempos. Nem precisavam dizer, tão escandalosa é a crise na atividade. Na Província do Grande ABC, onde falta baronato, mas não escasseiam espertalhões, se bem que uma coisa não exclui a outra, o estado é de calamidade agravada com a crise automotiva, nossa Doença Holandesa. Os mais experientes construtores da Capital ouvidos pelo Valor Econômico lamentam a recessão e particularmente a diarreia de distratos. A desistência da clientela que descobriu no consumismo do período de Lula da Silva as pernas curtas da mentira edulcorada do desenvolvimento econômico, colocou construtores e incorporadoras na marca do pênalti. Contabilizam-se mais desistências do que contratos viabilizados nos últimos anos. E a tormenta ainda não terminou. Venderam um Brasil que não existe e, particularmente o mercado imobiliário, a sobrevalorização do preço do metro quadrado não resultaria em outra coisa senão o estatelamento geral.
Cantando a caçapa
A crise imobiliária foi uma caçapa cantada particularmente na Província do Grande ABC. Vivemos situação caótica. Há empresas de todos os portes abrindo o bico. E a situação não tende a melhorar nem mesmo no médio prazo. Diferentemente do Brasil, aqui a crise chega primeiro e vai embora bem depois. O que temos para vender são veículos, principalmente veículos, e ao que tudo indica as mamatas fiscais que protegem as montadoras estão congeladas porque o Brasil quebrou. O que os mercadores imobiliários fizeram de patifarias para seduzir a clientela que agora (ou já faz um bom tempo) simplesmente rescinde os contratos de compra não é uma obra de capitalismo que se deva respeitar. Em muitos casos é gangsterismo puro. Gente que compra imóvel uma vez na vida e que se defronta com lobos vestidos de cordeiro até que se consumam os negócios.
Devolução às vítimas
Os distratos para famílias que acreditaram nos sedutores imobiliários precisam ser ainda mais rigorosos do que já são. As companhias precisam devolver todo o dinheiro ou quase todo o dinheiro. Já os especuladores devem pagar caro, muito caro, pelos distratos. São dois tipos de clientela que não podem ser colocadas no mesmo saco sem fundo de igualdade dos desiguais. Pau nos especuladores que desistem de negócios quando capturam a virada da biruta do mercado imobiliário e se entregam às águas da especulação financeira de juros elevadíssimos. Salvem as famílias que acreditaram no céu de emprego garantido, salários em alta e apartamentos com preços justos.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?