Economia

Serviços de Campinas revelam
quanto São Bernardo está atrás

DANIEL LIMA - 10/04/2018

Outro dia um dos destaques anunciados pelo Diário do Grande ABC em comemoração aos 60 anos de circulação do jornal declarou o que todos que me leem sabem -- e que me levou a lhe dar bordoadas merecidas. Bobagens não podem ser ditas sem contrapartidas, embora essa seja a especialidade regional no tratamento jornalístico. 

Diria que tudo pode e deve ser dito em nome da liberdade de expressão. Nada mais apropriado para medir o tamanho intelectual. Liberdade de expressão é o caminho mais curto tanto à dimensão de inteligências quanto ao defenestramento de impostores. Sem contar que identifica autoritários que recorrem com semânticas malandras, mentirosas, ao Judiciário nem sempre preparado para separar alhos de bugalhos. 

O destaque em questão do Diário do Grande ABC é Flávio Martins, filho do criador da extinta CTBC (o título do Diário caminhou nesse sentido ao ser concedido, ou seja, de consagração da meritocracia por hereditariedade). Flávio Martins disse que o setor de serviços de Santo André e da região é extraordinário. Mais que isso: que a bordo da desindustrialização ditou normas ao Brasil como um todo. Vamos convir que entre essa estupidez e o ataque dos bandidos políticos à Lava Jato encontramos modelos diferentes de marginalidade intelectual.  

Campinas na frente

Campinas sim pode ser relacionada ao que existe de mais próximo da modernidade no mapa econômico estadual. Sobretudo em confronto com São Bernardo, Santo André e a região como um todo. 

A Província do Grande ABC perdeu o trem da modernidade da indústria de transformação que embute camadas de equilíbrio social, como apontamos ontem (sem contar tantas análises ao longo dos anos). Com isso, deixou escapar entre os vãos dos dedos da negligência o roteiro da competitividade no setor de serviços. Seria digno do Prêmio Nobel de Institucionalidade uma região desleixada no setor industrial, mas inquieta em investimentos de ponta na área de serviços. Não existe nada que comporte uma coisa e outra no mesmo espaço territorial. 

Toda a preocupação que o então prefeito Celso Daniel demonstrava no começo dos anos 2000 com um terciário de valor agregado contrapondo-se ao transbordamento da Capital estrangulada tinha razão de ser. Entretanto, como nada foi feito, exceto recepcionar com pompa e circunstância os call centers da vida, de assalariamentos baixíssimos, eis que fomos passados para trás também nessa atividade.  

À sombra industrial 

Na edição de ontem mostramos como o excessivo predomínio do assalariamento industrial em São Bernardo no conjunto de valores pagos em todas as atividades econômicas reveste-se de fonte inesgotável de injustiças sociais. Tudo porque os demais setores vivem à sombra da produção física já bastante defasada em ajustamento aos conceitos de concorrência.  

Hoje vamos mostrar que o setor de serviços de São Bernardo (e também de Santo André do entusiasta Flávio Martins e do benevolente Diário do Grande ABC) é mais um elemento a ser observado com atenção porque afeta decisivamente as estranhas locais. 

O embate entre Campinas e São Bernardo nos serviços é mais facilmente detectável como situações claramente opostas do que o confronto entre Campinas e Santo André. No jogo jogado contra São Bernardo, o assalariamento de serviços de Campinas conta com vantagem de 17 pontos percentuais (ou 33,38%) tendo como comparação a média do conjunto de vencimentos de empregos formais de trabalhadores de todos os setores econômicos. 

Lembram-se os leitores que no setor de transformação industrial São Bernardo superara Campinas na incidência de assalariamento por vantagem muito maior? Nada menos que 45% contra 15%, em números redondos. Em serviços, Campinas vence São Bernardo por 50,71 a 33,787%.

Ou seja: de cada R$ 100 pagos em salários em Campinas, mais da metade são de trabalhadores de serviços. Em São Bernardo é apenas um terço. A ideia de que a indústria seria o carro-chefe do desenvolvimento econômico não vale para municípios atrasados em desenvolvimento tecnológico. Caso de São Bernardo especificamente -- e da região como um todo.  

Assalariamento maior 

Em dezembro de 2016 (números mais atualizados do Ministério do Trabalho), Campinas pagava em média para cada trabalhador do setor de serviços 18,50% mais que São Bernardo. Eram R$ 3.462,09 contra R$ 2.821,67. Os 215.712 empregos de serviços de Campinas representaram naquele dezembro o total de R$ 746.814.358 milhões de assalariamentos registrados em carteira. Em São Bernardo eram 108.706 trabalhadores do setor, com média salarial de R$ 2.82167 por cabeça. Aí está a diferença de 18,50%. 

Como é possível a Campinas pagar mais aos assalariados de serviços que São Bernardo se a Capital Econômica da região conta com maior assalariamento (em volume e também em mão de obra) no setor industrial? 

Simples: Campinas agrega mais tecnologia nos serviços e também na indústria enquanto São Bernardo é menos competitiva na indústria entre outras razões porque as montadoras de veículos com salários muito acima da média municipal do setor inibem investimentos.  

Distância desaconselhável 

A distância a separar a média salarial com carteira assinada dos trabalhadores industriais e de serviços em São Bernardo é muito maior do que a registrada na cidade do Interior. Aqui, os R$ 5.552,25 de média salarial industrial são 49,17% superiores aos R$ 2.821,67 de média salarial de serviços. Em Campinas, os R$ 4.179,64 de assalariamento médio na indústria de transformação são 17,16% superiores aos assalariados de serviços, cuja média de rendimento em dezembro de 2016 era de R$ 3.462,09. 

Notaram como faz diferença ao equilíbrio social contar com atividades econômicas não exacerbadamente privilegiadas, como as que se construíram na região a bordo da indústria automotiva dos bravos sindicalistas que não pensem em outra coisa senão no próprio umbigo? 

Não é por outra razão, aliás, que montadoras e autopeças da região foram mais duramente castigadas pelo desemprego na recessão de três anos que só terminou escassamente no ano passado. A situação ficaria dramática se o governo federal decidir mesmo engrossar o jogo de protecionismo às montadoras sempre privilegiadas com vantagens fiscais entre outros motivos para segurarem a barra trabalhista dos metalúrgicos herdeiros de Lula da Silva. O Brasil é o grande escoadouro de parte do Custo ABC. 

Se está claro e evidente que Campinas supera facilmente São Bernardo no assalariamento de serviços (tanto na média salarial quanto no volume total em relação ao assalariamento em geral), a disputa com Santo André poderá sugerir que o vibrante Flávio Martins teria razão. Vejam só: a participação do assalariamento formal de serviços em Santo André em relação ao conjunto de trabalhadores é de 52,72%, enquanto em Campinas, como já escrevemos, é de 50,71%. Jogo empatado, dirão os inocentes, os crédulos e também os malandros. 

Mas não é bem assim. A participação relativa de serviços nos dois municípios é semelhante quando confrontada com o bolo geral de recursos salariais, mas tudo se esgota aí. A média salarial de empregados no setor de serviços em Campinas é 25,45% superior no confronto com Santo André – R$ 3.462,09 contra R$ 2.580,95. Uma baita vantagem. 

Diferenças fundas 

O volume financeiro do assalariamento de serviços em Santo André naquele dezembro de 2016 registrou R$ 281.728.759 milhões do total de R$ 534.342.007 milhões de todas as atividades. Estavam registrados com carteira assinada em Santo André 109.157 trabalhadores. Praticamente metade dos empregados do setor contabilizados em Campinas. Já em Campinas, o total registrado de salários de trabalhadores de serviços atingiu R$ 746.814.358 milhões de um total geral de R$ 1.472.709.083 bilhão. 

O PIB Geral de Campinas é mais de duas vezes superior ao de Santo André (R$ 56.400.146 bilhões contra R$ 26.240.885 bilhões). No campo restrito de serviços privados (ou seja, não entram os impostos municipais), o PIB de Campinas é de R$ 32.146.365 bilhões contra R$ 21.813.393 bilhões. 

Verifica-se dicotomia entre os dois municípios: enquanto há simetria entre os dois PIBs de serviços (com Campinas oferendo números que são o dobro dos de Santo André), em termos de assalariamento o volume campineiro é muito maior (R$ 746.814.358 milhões contra R$ 281.728.759 milhões). Uma diferença de 62%. Ou seja: o dinamismo de serviços de Campinas é muito superior ao de Santo André. Como o é também no confronto com São Bernardo. 



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