Não fosse o viés ideológico de uns e interesses muitas vezes escusos de outros, ou mesmo a fusão dessas duas anomalias, os Sindicatos poderiam contribuir imensamente para mudar este País e não simplesmente permanecer isolados na defesa de respectivas corporações, muitas vezes com discursos descabidos pela carga de ingenuidade, de esperteza ou mesmo de subestimação da capacidade crítica da sociedade.
Enquanto os representantes do trabalho -- na verdade cada vez menos representantes do trabalho porque os índices de sindicalização desabam no mundo inteiro -- seguem a velha cantilena maniqueísta de hostilizar o capital, mesmo o capital modesto do pequeno e médio empreendedor, o governo dá de braçadas no antigo e escorchante processo de tungar o contribuinte. Com a representatividade que ainda lhes resta, os Sindicatos poderiam ajudar a irromper fundas transformações sociais no País, unindo-se a outros setores, inclusive ao capital, para por termo à sanha fiscal e tributária cujo epicentro brasiliense esparrama prósperas franquias nos governos estaduais e municipais.
O que os sindicalistas ainda não perceberam, ou perceberam e tentam lutar quixotescamente contra a realidade, é que o cidadão comum, trabalhador ou desempregado, não é bobo. Por mais que assista aos Gugus, Faustões e Ratinhos da vida, por mais que empine o Ibope das Anas Marias Bragas, das Márcias, dos Raus Gil, o cidadão já consegue distinguir o bem do mal quando se trata de assuntos econômicos. A depauperação do Estado, em suas três esferas, não lhe escapa do radar de sensibilidade e de reação quando enfrenta filas em hospitais, escolas e transportes públicos. Ou quando sente cada vez mais a falta de segurança arrombar, literalmente, a sua porta ou a abater entes queridos.
Transparente demais
O cidadão comum não cai mais no conto do vigário do anticapitalismo demagógico que por décadas botou no mesmo saco de reivindicações universos corporativos distintos, formados, de um lado, por protegidos monopólios e lobbies e, por outro, por sofridas organizações de porte menor, verdadeiras salsichas entre fornecedores estatais e clientes multinacionais.
Longe de pretender dizer que a massa dos empreendedores é composta de candidatos ao episcopado, até porque o colonialismo cultural de Estado forte e de benesses políticas deixou sequelas estigmatizantes ao longo do tempo no conjunto da sociedade, o quadro de distorções parece transparente demais. Estão no governo federal, nos governos estaduais e nos governos municipais os mata-burros que tanto emperram o desenvolvimento do País, apesar de, reconhecidamente, a administração pública ainda contar com grandes profissionais geralmente engolfados pelas baixarias políticas.
O Estado simplesmente fracassou no País, como na quase totalidade do mundo. Isso é péssimo, porque o chamado neoliberalismo é face de uma cruel moeda internacional que precisa de contraponto social, o qual apenas o Estado pode patrocinar. Para tanto, evidentemente, não pode continuar a sobrepor camadas e camadas de incompetência, de malversação, de protecionismo, de privilégios e tantos outros pecados que o cidadão comum finalmente já percebe -- até porque sente na própria pele e no próprio bolso.
A simples desconsideração ao elefantismo do Estado nos discursos das principais lideranças sindicais do País é um crime de lesa-pátria porque se tenta manipular descaradamente uma realidade agora irrebatível. A CUT (Central Única dos Trabalhadores) tem motivos ideológico-institucionais para execrar o capitalismo e fazer vistas grossas à inoperância do Estado como organização de suporte social, além da inapetência como empreendedor. Primeiro porque a composição de sua diretoria nacional cada vez mais pende para representações do funcionalismo público federal, os quais defendem privilégios corporativos até a raiz do cabelo e dão favas aos contribuintes e usuários. Segundo porque, mesmo sua base operariada, é geneticamente anticapital, apesar de, reconheça-se, haver insinuações de conversões interessantes em seus quadros.
Eficiência pragmática
Já a Força Sindical mescla atuação pendular entre o oportunismo oposicionista a tudo ou quase tudo que envolve a CUT e estratégica sujeição a interesses políticos dos mandatários de Brasília, com alguns rompantes de discordância apenas para tentar salvar as aparências.
Apimentado ingrediente da cesta básica de necessidades democráticas do País, tempero às vezes exagerado mas sempre indispensável para tornar menos opressivo o relacionamento entre capital e trabalho, o sindicalismo está, portanto, completamente divorciado dos anseios populares, entre os quais se inclui a própria massa de trabalhadores que formalmente representa e que também são consumidores e usuários de serviços e produtos públicos.
O que os sindicalistas mais à esquerda ainda não entenderam é que podem contribuir para o fortalecimento do Estado em suas várias ramificações -- federal, estadual e municipal -- à medida que atirarem ao lixo a máscara da ideologia e partirem para o pragmatismo da eficiência, da qualidade, do custo-benefício dos impostos cada vez mais descaradamente recolhidos. O que os sindicalistas mais à direita ainda não compreenderam é que encenações teatrais têm palcos apropriados e estão reservadas a artistas especializados. Opor-se apenas por opor-se é como caminhar sem destino.
Que ajam enquanto é tempo, porque o consumidor e o contribuinte que estão em cada cidadão começam a ganhar a força coletiva traduzida em cidadania.
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