Enquanto botocudos do provincianismo mais rastaquera que se conhece seguirão a vender mentiras e meias verdades, o governo do Estado prepara novo golpe na economia da região. Este século ficará marcado pelo encapsulamento regional no campo logístico, triturando capacidade já sofrível de reação.
A baixa competitividade regional por conta das enfermidades das quais não se deu conta nas três décadas finais do século passado se somou a novo impulso de fuga de indústrias por causa do trecho sul do Rodoanel Mário Covas. Agora, vem aí o Macroanel, divulgado em forma de publicidade pelo Estado. É o golpe de misericórdia que colocará a região como pária no sistema logístico do Estado de São Paulo.
Se o leitor não ouviu falar em Macroanel esteja certo de que não está sozinho. Aliás, está acompanhadíssimo. Pergunte aos prefeitos da região e aos secretários de desenvolvimento econômico; eles certamente não saberão responder. O Macroanel é um Rodoanel ainda mais potencialmente destruidor da economia regional. É claro que não sou contra a obra. Muito distante disso. É que a obra potencializará nossas deficiências geoeconômicas. Assim como o trecho sul do Rodoanel.
Rodoanel isolado
O governo do Estado anuncia que o Macroanel Rodoviário Paulista consistirá na duplicação, interligação e modernização de rodovias já existentes que irão se tornar rota de interconexão entre os maiores centros regionais do Brasil e acesso aos principais terminais portuários e aeroportuários. Ao ser concluída, a obra eliminará gargalos de infraestrutura viária, aumentando a competitividade da economia sem a necessidade de investimentos relativos tão pesados, representando nova fase do programa de concessões rodoviárias do governo do Estado.
A peça publicitária disfarçada de notícia nos jornais e revistas afirma que o Macroanel vai criar uma rota entre os Estados do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro para a região central de São Paulo sem utilizar o Rodoanel Mário Covas. A obra também abrirá uma alternativa de acesso ao Porto de Santos para as cargas vindas do Sul ao conectar a Rodovia Regis Bittencourt com a duplicada Rodovia Padre Manuel da Nóbrega, sem utilizar o Rodoanel e o Sistema Anchieta-Imigrantes. Ainda não está satisfeito? Veja então: o Macroanel vai viabilizar uma nova rota através da Mogi-Bertioga para que os veículos de carga do Rio de Janeiro possam acessar o Porto de Santos sem passar pelo Rodoanel Mário Covas e o Sistema Anchieta/Imigrantes.
Na medida que consumo a leitura da peça publicitária mais fico arrepiado com uma nova recarga de esvaziamento industrial da região. Diz o material que com cerca de 600 quilômetros de extensão, o Macroanel será 3,5 vezes mais longo que o Rodoanel e seu projeto apresenta a vantagem de utilizar o traçado de 340 quilômetros de rodovias já existentes, o que cortará custos e prazos. Outra grande vantagem – segundo a peça publicitária – é que boa parte dessas autoestradas já integra o Programa de Concessões do Estado de São Paulo. O restante da obra, cerca de 280 quilômetros, é composta de trechos a serem duplicados, ampliados ou melhorados.
Descartando a região
Mais ainda sobre o Macroanel e as informações oficiais do Governo do Estado: em três pontos serão abertas interligações a fim de conectar diretamente os fluxos do Macroanel com o de outras rodovias. Uma das grandes vantagens, segundo o governo estadual, será a facilidade para atingir o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, o principal terminal de cargas aéreas do Brasil. Além dos ganhos econômicos e de geração de empregos diretos e indiretos, os novos caminhos permitirão aos usuários fazerem viagens mais seguras e rápidas.
Entendeu o leitor o que nos espera num futuro não muito distante? Se cantamos a bola sobre os estragos do Rodoanel, sobretudo do trecho sul, que supostamente nos atenderia, desta feita repetimos a projeção com diferença mais enfática: estamos num mato sem cachorro.
Fosse o governo do Estado inimigo declarado da região (é claro que não o é, porque precisa dos dois milhões de votos que reservamos nas próximas disputas) o anúncio nos jornais e revistas poderia ter o seguinte título: “Descarte o ABC de qualquer investimento, porque estamos preparando uma pá de cal depois da cova rasa do Rodoanel”.
Recuperando a memória
Determinadas temáticas históricas de CapitalSocial (considerando-se o legado da antecessora LivreMercado, que criei do nada em 1990) exigem que recuemos no tempo para consolidar aos leitores digitais informações que inexistem nas publicações impressas – ou quando alguém se mete a fazer incursões o faz de forma pouco responsável, porque contaminadas por interesses nem sempre sadios.
Por isso, recorro a um artigo que escrevi em 18 de dezembro do ano passado e que ajuda a explicar as razões que nos colocam de sobressalto sempre que fatores logísticos têm relação com esta Província. Leiam:
(...) O trecho do Rodoanel, com 13 intersecções a conectar municípios da Grande Oeste, é o principal diferencial da economia daquela região em relação à Província, contemplada pelo presente de grego do trecho Sul, com apenas três acessos. Desde que o Rodoanel Oeste chegou, Osasco e vizinhança dão de goleada na região. Em 2002, quando a obra que tangencia a Região Metropolitana de São Paulo foi entregue, os sete municípios da Província foram engolidos economicamente por Osasco, Barueri e outros cinco municípios. Numa comparação limitada aos dois últimos anos, mas que retrata um avanço de mais de uma década da Grande Oeste, a situação é amplamente favorável a quem primeiro contou com obras do Rodoanel. A recessão econômica que atingiu em cheio o País em 2015, depois de o PIB Nacional ter sido praticamente congelado em 2014, com crescimento de apenas 0,5%, a Grande Oeste sofreu revés nesse medidor de criação de riqueza de 4,64%, enquanto a Província caiu 16,02%. Ou seja: o impacto destrutivo da recessão de 2015 foi três vezes maior na região do que na Grande Oeste.
Perdendo feio
Dessa forma, enquanto o PIB da Província em 2014 era de nominais R$ 118.248.025 bilhões (os números foram ajustados pelo IBGE, que trata do PIB, em relação ao anunciado, de R$ 120 bilhões) na Grande Oeste atingiram-se nominais R$ 133.171.384 bilhões. A diferença favorável a Grande Oeste, portanto, era de 11,20%. Entretanto, é maior ainda quando se recorre aos números corrigidos pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). No caso da Província, os mais de R$ 118 bilhões nominais de 2014 virariam R$ 130.864.089 bilhões com a aplicação da inflação de 10,67% de 2015. No caso da Grande Oeste, os R$ 133.171.384 bilhões registrados em 2014 passariam a R$ 147.393.234 bilhões em 2015 com a aplicação da inflação. Essas mudanças significam que a Província perdeu 16,02% de PIB no período, enquanto a Grande Oeste sofreu redução de 4,64%. E a vantagem da Grande Oeste sobre a Província passou a 20,37%, resultado dos números efetivos do PIB de 2015 das duas áreas geográficas: R$ 140.555.672 da Grande Oeste e R$ 111.919.471 bilhões da Província. Em termos reais, a Grande Oeste perdeu R$ 6.837.562 bilhões de geração de riqueza em 2015 em relação ao ano anterior, enquanto a Província viu esvaírem-se R$ 18.945.618 bilhões, quase três vezes mais.
Números preocupantes
A Grande Oeste é composta de Osasco, Barueri, Carapicuíba, Jandira, Pirapora do Bom Jesus, Santana do Parnaíba e Itapevi. Esses municípios registravam 1.835.803 milhão de moradores em 2015, contra 2.719.571 milhões da Província. Mais PIB e menos população significam que a Grande Oeste conta com PIB per capita melhor que a Província. São R$ 76.563.59 mil por morador, quando se divide o total do PIB pelo número de moradores. Uma queda por habitante de 5,35% entre 2014 e 2015. Na Província, o PIB por habitante em 2015 foi de R$ 41.153,35, com queda de 15,02% quando contraposto ao PIB per capita do ano anterior. Resumo da ópera: o PIB per capita da Grande Osasco é 46,25% superior ao da Província.
Modelo econômico
A conclusão além dos números é que os dois trechos do Rodoanel favoreceram tremendamente os municípios da Grande Oeste, com ligação direta à Baixada Santista e ao Interior do Estado. Também há de se considerar que o modelo econômico da região perdeu a corrida da modernidade. A dependência excessiva da indústria automobilística não é a melhor solução para quem quer resistir às crises cíclicas do País. Tanto é verdade que a Grande Oeste sentiu bem menos os efeitos do primeiro ano de recessão, em 2015, e sentirá semelhantemente menos quando surgirem os números do PIB dos Municípios de 2016, que serão anunciados em dezembro do ano que vem.
Alerta desprezado
O Rodoanel Mário Covas é uma tremenda roubada para o desenvolvimento econômico da região. O acervo de que dispomos sobre essa serpentina logística conta com 432 matérias. Uma serpentina que, juntamente com o sindicalismo, atua como fator mais destrutivo da economia regional. Enquanto triunfalistas de plantão ainda hoje têm a cara de pau de saudar o trecho sul do Rodoanel, antes que o novo século chegasse, em fevereiro de 1999, ouvi um especialista que já condenava os conceitos que permeavam a obra. Leiam alguns trechos do que escrevi para LivreMercado:
Futuro comprometido
Antes de a Prefeitura de Santo André levar a público em abril as propostas de reorganização da Avenida dos Estados e dar início ao processo de interação com agentes econômicos e da comunidade a fim de materializar o projeto, o arquiteto espanhol Eduardo Leira desafia os interlocutores do Grande ABC a pensar, conceber e viabilizar o tipo de Rodoanel Metropolitano que de fato atenda aos interesses de desenvolvimento estratégico da região. Ou seja: interferir efetivamente por meio de gestões políticas junto ao governo do Estado, evitando comprometer o futuro da região. Leira compõe uma das quatro equipes -- uma brasileira e três internacionais -- que, sob a coordenação do urbanista Jordi Borja, traçam o futuro do macroeixo do Vale do Tamanduateí.
Tecido urbano
Com conclusão prevista para 2005, as obras do Rodoanel Metropolitano tiveram início em outubro do ano passado no trecho Oeste, que liga Perus à Rodovia Régis Bittencourt nas proximidades de Osasco. Este primeiro trecho está orçado em R$ 500 milhões e a totalidade em R$ 3,2 bilhões. O Rodoanel foi concebido como anel viário de 162 quilômetros de extensão para circundar São Paulo e interligar todas as rodovias que convergem para a Capital como meio de aliviar o trânsito das marginais. O projeto prevê uma via fechada de alta velocidade (100 km/h) com acessos localizados apenas nas interseções com as rodovias. É exatamente aí que Eduardo Leira deposita preocupações. Responsável pelos estudos de acessibilidade -- facilidade/dificuldade de acesso -- do projeto da Avenida dos Estados, o arquiteto defende maior interação do Rodoanel com os municípios da região. Em vez de passar à margem da cidade, com mínimos acessos, o projeto deveria concentrar traçado mais próximo do tecido urbano, configurando diagonal ABC--Guarulhos pela Estrada do Pêssego. Seria uma via metropolitana.
Propostas diversas
A região será atingida pelo Rodoanel pelos segmentos Sul e Leste com apenas dois acessos, que certamente limitarão a interação das cidades com o projeto. O formato original vai de encontro à tendência da região para o setor de serviços, que exige mais mobilidade. Para o urbanista, o Grande ABC deve reforçar a condição de polo de atividades que envolvem logísticas de produção e montagem. As propostas não param por aí. Junto ao Rodoanel caberia plataforma intermodal de logística, experiência semelhante à do Consórcio Eadi (Estação Aduaneira de Despachos do Interior) Santo André.
Leira propõe ainda a requalificação do transporte sobre trilhos incluindo a adoção de novas formas de trens com características dos nostálgicos bondes. Isso significa derivar o trajeto da ferrovia para dentro da malha viária urbana. "O objetivo é oferecer meio de transporte com imagem moderna e confortável, que atraia o interesse dos usuários de automóvel particular" -- afirma Maurício Faria, coordenador do Programa Cidade Futuro.
Região interditada
O lamentável em tudo isso é que não só o Rodoanel Mário Covas significou o estrangulamento econômico da região como o assassinato de Celso Daniel pouco tempo depois da entrevista com o especialista praticamente liquidou uma interlocução madura e responsável com o governo do Estado e o governo Federal. A visão de futuro de Celso Daniel foi um facho de luminosidade que desapareceu naquele sequestro de bandidos pés de chinelos em 20 de janeiro de 2002. A região, então Grande ABC converteu-se para valer em Província. O Macroanel que vem aí evidencia que não teremos durante os prováveis longos anos que antecederão os primeiros trechos uma situação estratégica que interesse a investidores. Qualquer consultoria especializada sabe que a peça publicitária do governo do Estado interdita de vez o território regional à recomposição econômica.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?