Economia

Mauá desafoga região

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/02/1998

Última grande reserva do Grande ABC disponível à ocupação empresarial, o Pólo Industrial de Sertãozinho passa a limpo a infra-estrutura na área de sete milhões de metros quadrados que integrará a Zona de Desenvolvimento Econômico de Mauá, a ser criada ainda este ano. A mudança na lei de zoneamento -- a atual é altamente restritiva -- também abrirá o pólo a todas as atividades ligadas  ao ramo industrial. Com a oferta de incentivos fiscais seletivos, a perspectiva é atrair volume cada vez maior de investidores, ampliar o mercado de trabalho e elevar a arrecadação municipal. Já o centro comercial passou a ser tratado com mais carinho depois que recente pesquisa revelou que 88,25% dos itens consumidos pela população são comprados na cidade: vai ganhar zona azul, boulevard, calçadão e integração rodoferroviária. 

Para realizar as obras em Sertãozinho, a Prefeitura contou com adesão de 57 proprietários de lotes, que cobriram 60% dos custos de pavimentação das ruas, orçados em R$ 1,3 milhão. A Sama, autarquia municipal, concluiu a ligação de água e encomendou booster  para abastecer a parte mais alta do loteamento. A solução definitiva para o problema de suprimento de água só virá com instalação de um reservatório, que está sendo providenciado. 

Os empresários dispensaram a rede de esgoto, não só para se pouparem do imposto, mas porque optaram pela instalação de fossas sépticas. As 50 empresas já existentes no pólo serão agrupadas até o final de junho a  outras 25, que representam investimentos de R$ 33,6 milhões e abertura de 2.430 novas vagas de trabalho.  

As melhorias fizeram com que, do final de 1997 ao início deste ano, quatro empresas se instalassem em Sertãozinho: a Arturino, fabricante de lonas; a Mecânica Apolo, que deixou Santo André;  a Metalúrgica Silmafer, de São Caetano; e a Tecelagem Portoville. Ainda no primeiro trimestre deste ano virão a Mirage, também de São Caetano e terceira maior fabricante de botões, e a Repitop, segunda maior produtora de rebites e repuxos do País, que sai de Santo André. 

Essas seis empresas representam investimentos de R$ 11,2 milhões e abertura de 775 novos empregos. As 19 empresas restantes e  que deverão estar instaladas até junho desenvolvem atividades que vão de borracha a embalagens, vidros e serviços, plástico e confecção. Nessa relação, não está incluída a Ryder Translor, joint-venture de transporte que prestará serviço para a General Motors e que este mês ocupará as instalações da Molins, que encerrou atividades em Sertãozinho. 

O diretor de Desenvolvimento Econômico e Social da Prefeitura, Paulo Eugenio Pereira Jr., observa que o fato de seis empresas de Santo André, duas de São Caetano, uma de São Bernardo e uma de Ribeirão Pires optarem pelo pólo tem explicação logística: "Quando se instalaram na região, há três décadas, preferiram ficar próximo ao centro. Com o crescimento comercial e residencial, se sentiram incômodas e sem condições de expandir. Em contrapartida, tiveram imóveis altamente valorizados. Um empresário de visão sabe que, com o dinheiro da venda do imóvel, pode comprar a área necessária para expansão, investir em construção moderna e ainda aplicar na aquisição de máquinas e equipamentos" -- afirma. 

Paulo Eugênio acredita que Mauá agora é a bola de vez:  "É a única cidade que possui o maior estoque de terra da Região Metropolitana. E com a mudança da lei de zoneamento vamos nos tornar um dos mais importantes centros industriais do Grande ABC, sepultando de vez o estigma de cidade-dormitório carregado desde o final da década de 1960" -- garante. 

Condomínios industriais

A secretária de Planejamento e Meio Ambiente, Josiene Francisco da Silva,  acrescenta  que Mauá vai se munir de todos os dispositivos legais para, além de isenção e incentivos fiscais, garantir o processo de industrialização. "Um desses objetivos é mudar a lei para possibilitar a construção de condomínios industriais, tendência atual para sobrevivência das médias e pequenas empresas devido ao barateamento geral dos custos de produção e manutenção". 

Esses condomínios reuniriam em uma única área várias empresas que compartilhariam da mesma portaria, restaurante, enfermaria, posto bancário, segurança, manutenção e outros serviços, adotando, com algumas diferenciações, regras semelhantes às de um condomínio residencial. 

Uma das empresas que já demonstrou interesse pelo empreendimento é a Metalúrgica Irma Cestari, instalada no pólo em área de seis mil metros quadrados. A empresa, inclusive, mostra-se disposta a dividir 50% de seu espaço com outras companhias, que poderiam funcionar em prédios próprios, mas dentro de seus limites geográficos. O diretor executivo Fausto Cestari Filho já está sublocando a área para três empresas que não teriam condições de sobreviver com os atuais custos. 

Cestari considera que essa é uma alternativa para quem não tem capital desenvolver ação cooperada, um trabalho de cogestão. O ideal, a seu ver, seria não só compartilhar espaço físico, mas os recursos humanos que, de forma terceirizada, poderiam prestar serviços para às empresas cooperadas. "A revolução industrial está em curso - diz Cestari - e, diante da fase de instabilidade, não há interesse em mobilizar recursos para expansão. É preciso ratear os custos, mas há certa desconfiança do empresariado e isso é culpa da falta de cultura cooperativista". Ele acredita que a  experiência da Irma Cestari trará resultados antes mesmo da legalização dos condomínios industriais. 

O prefeito Oswaldo Dias mostra preocupação com o escoamento da produção que irá aumentar sensivelmente nos próximos anos. Como considera impraticável, em curto prazo, a interligação da avenida Papa João XIII - a principal via de Sertãozinho - com a Anchieta, aponta como melhor saída a Rodovia Índio Tibiriçá, em Ribeirão Pires, que desemboca na Estrada Velha do Mar próxima ao trevo da Anchieta em Riacho Grande. "Essa alternativa evitaria o tráfego central de Santo André e São Bernardo e contribuiria para fomentar a criação de um corredor comercial, com instalação de um shopping, por exemplo, para atender motoristas e moradores da periferia". 

Outra preocupação do prefeito é a escolha de local para construção de aterro sanitário de forma a não agredir o meio ambiente e tampouco trazer transtornos à população. O novo local está sendo estudado por técnicos de engenharia sanitária e o projeto deve estar concluído em breve. 

Lei de zoneamento

 O que mais emperra a política de atração de novas empresas são as restrições impostas pela lei de zoneamento, que está sendo modificada. Atualmente, a área mínima para instalar empresa no Pólo Industrial de Sertãozinho é de cinco mil metros quadrados, mais do que o necessário para uma média e pequena empresa. Há vários pedidos de alvarás de funcionamento negados pela Prefeitura, porque os projetos se restringem a três mil e até 4.850 metros quadrados. "É uma lei absurda" -- diz Paulo Eugenio. 

Por causa de detalhe de metragem, o empresário é impedido de se instalar. A sugestão do Fórum de Desenvolvimento, que está sendo discutida internamente, é especificar o mínimo de mil metros quadrados. "Maior não vai ser" -- aposta. 

Outro problema é que o pólo industrial é dividido em zonas de atividades. Onde existe empresa de usinagem não pode haver uma de embalagem; uma fábrica de borracha não pode estar ao lado de uma tecelagem. Paulo Eugenio investe de novo contra a lei de zoneamento: "Em termos ambientais, não há nenhuma explicação técnica, racional ou lógica para não estar uma ao lado da outra. A lei estadual, que geralmente é mais restritiva, não fala em tamanho mínimo de terreno, não estabelece uso por zona. Existem em Mauá casos em que a empresa tem autorização da Cetesb para funcionar no local, mas a Prefeitura, considerando a lei de zoneamento, não permite. Mudar essa lei é uma emergência, tanto para aumentar a arrecadação municipal como para gerar empregos". 

A lei de zoneamento prejudica até a expansão do centro comercial, uma vez que só permite instalação de novas lojas ou outro tipo de atividade em ruas ou avenidas servidas por transporte coletivo. "Na avenida Barão de Mauá é permitido todo tipo de comércio, mas é proibido em suas travessas. Isso faz com que os estabelecimentos de uma rua fiquem supervalorizados e os outros, bem próximos, praticamente mortos para atividades comerciais. É outro absurdo que precisa ser eliminado da lei de zoneamento" -- cita o diretor. 

Incentivos fiscais

Com base na Política Seletiva de Imposto, aprovada pela Câmara Regional do Grande ABC, o prefeito Oswaldo Dias sancionou lei estabelecendo política tributária para revitalizar o desenvolvimento econômico e social do Município numa perspectiva regional. De acordo com a lei, a Prefeitura ficou autorizada a conceder incentivos fiscais a novos investimentos industriais e de turismo por meio da restituição de tributos municipais como Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) - sobre a mão-de-obra civil e serviços de hospedagem e entretenimento; Imposto Predial, Territorial e Urbano (IPTU) - sobre construção nova; e Imposto Sobre Transmissão de Bens Inter-Vivos (ITBI) - quando o imóvel for adquirido para novo empreendimento ou expansão. Também estão isentas de taxas e emolumentos as regularizações de projetos de construção, implantação ou expansão de novos empreendimentos. 

Para conceder incentivos, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico elaborou  grades analíticas de avaliação do mérito do projeto, montadas em cima do tripé arrecadação-emprego-meio ambiente. A arrecadação é tida como valor adicionado, que consiste na diferença entre compras e vendas num exercício fiscal. Cada item  recebe uma pontuação, que vai influir depois no índice percentual do incentivo. 

As grades analíticas englobam todas as atividades industriais, investimentos em área de proteção aos mananciais, micro e pequenas empresas e também em turismo e entretenimento, devidamente enquadradas por legislação federal. Os incentivos fiscais somente são concedidos para quem gerar empregos. Mensalmente a Prefeitura  publica os valores dos incentivos concedidos às empresas beneficiadas e a forma de ressarcimento. 

Como o projeto regional não atendia aos pequenos investidores - justamente os que mais precisam de incentivo - a Prefeitura de Mauá instituiu tabela especial. A primeira providência foi diminuir o teto de R$ 720 mil do faturamento anual fixado pelo IPP, do governo federal, para R$ 300 mil. Só foi mantida a forma de incentivo fiscal. 

Ainda nessa área de incentivo, foi criada a microempresa municipal que, conforme o faturamento, ficou isenta do ISS e com descontos escalonados nas tabelas dirigidas às pequenas e médias organizações. Paulo Eugenio exemplifica citando o proprietário de uma borracharia que fica isento ao apresentar faturamento anual de até R$ 18 mil reais. "Estudo do impacto dessa medida, baseado na arrecadação de 1996, e conclui que a Prefeitura iria perder R$ 600 mil em arrecadação. A contrapartida é que esse borracheiro que paga média de R$ 100 a 200 por mês terá condições de contratar um ajudante. A perspectiva de gerar emprego é grande". 

Também com a finalidade de gerar novos investimentos e ampliar o mercado de trabalho, a Comissão Municipal de Emprego firmou parceria com o Banco do Brasil para  financiamento até R$ 50 mil para quem planeja se instalar em Mauá. Para obter o empréstimo, o primeiro passo é consultar a agência do BB e solicitar análise do projeto para saber a quantia que poderá ser liberada. De posse da carta de crédito, o interessado deve dispor de 20% do total a ser financiado e obter aval do Sebrae, para  então ser credenciado pela Prefeitura. A primeira e essencial condição para obtenção do financiamento é gerar emprego. A Comissão Municipal de Emprego já liberou três solicitações das 20 recebidas desde novembro passado, quando começou a funcionar a parceria com o BB. 

Outra medida foi a implantação do Programa de Requalificação Profissional. São cursos práticos gratuitos promovidos no colégio Monsenhor, que habilitam o desempregado a se recolocar com mais facilidade no mercado de trabalho ou desenvolver atividades como autônomo. Todos os inscritos no programa recebem material didático, lanche e vale-transporte. Os cursos têm aprovação da Comissão Estadual de Emprego, que repassa verba do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). 

Centro Vivo

Dez obras integram o Projeto Centro Vivo, que prevê revitalização da área central comercial, por onde passa média de seis mil pessoas por dia, conforme estimativas da Prefeitura. Entre as obras estão a implantação de Zona Azul com 550 vagas e um boulevard, por cima da estação ferroviária, unindo os dois lados da cidade, com 250 metros de comprimento e acesso ao terminal rodoferroviário, o qual ganhará paisagismo, iluminação e pontos de lazer e descanso. Calçadão com 12 mil metros quadrados de construção integrará toda a área central. A primeira parte já foi concluída e a segunda está prevista para o primeiro semestre deste ano. 

Para o  presidente da Associação Comercial e Industrial de Mauá, Luiz Augusto Gonçalves de Almeida, a preocupação com o centro era antiga, mas o que apressou a tomada de decisões foram os números apresentados pela Target Pesquisas e Serviços de Marketing. Constatou-se que 88,25% dos itens consumidos pela população são comprados na própria cidade. Entre esses itens destacam-se mobiliários, eletrodomésticos, vestuário, medicamentos e material escolar adquiridos nos 3.200 estabelecimentos comerciais instalados no Município. 

Só o item alimentação no domicílio  atingiu cifra anual de US$ 308 milhões. Trabalho paralelo, desenvolvido pelo Departamento de Informação e Pesquisa da Prefeitura, comprovou esses dados, destacando que os supermercados registraram preferência de 74,8% dos consumidores. Ressalva o dirigente que o percentual de compras realizadas em outras cidades representava apenas a quantidade de pessoas residentes nos bairros que fazem divisa de Mauá com Santo André. 

Esses números aguçaram o interesse de empresários do ramo atacadista. Um deles, ainda em negociação, pretende instalar hipermercado em área de 20 mil metros quadrados antes ocupada pela Tintas Globo na avenida Marginal, no centro. Seriam gerados 300 novos empregos. Já os empresários Claudio Bozzatto e Domingos Pinto Ferreira pretendem investir R$ 12 milhões em um shopping popular, que seria erguido em terreno de 13.600 metros quadrados da antiga fábrica Bragucci.



Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000