É claro que vamos fazer suspense sobre o ranking do IES (Índice de Equilíbrio Salarial) envolvendo o G-22, grupo dos 20 maiores municípios do Estado de São Paulo, além de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que completam a representação regional. Tenho todos os resultados apurados, consolidados e prontos para virarem análise. Mas vou deixar as revelações dos detalhes para os próximos dias. Na edição de hoje adianto duas conclusões: primeira, São Bernardo da Doença Holandesa Automotiva é um dos rabeirinhas da competição; segunda, vamos expor a metodologia aplicada.
Perguntará o leitor como apuramos o Índice de Equilíbrio Salarial. A resposta vem a seguir, mas a principal razão para essa empreitada concentrava-se na desconfiança mais que anunciada neste espaço de que o setor automotivo fortemente dominador em São Bernardo (com ramificações menos nocivas do ponto de vista de equilíbrio de vencimentos salariais na região) criou ao longo dos tempos uma desigualdade social imensurável. Um fosso, para ser mais claro.
Metalúrgicos privilegiados
Os metalúrgicos abençoados pelos sindicalistas e pelas montadoras formam uma elite que jamais se preocupou com o restante da sociedade. Isso mesmo, jamais se preocupou com o entorno mais próximo. Contrariamente, portanto, ao que lideranças sindicalistas como Luiz Marinho, cansaram de vender aos incautos.
Mais que isso: com a proteção histórica encetada por sindicalistas e montadoras de veículos, além de autopeças de maior porte, as chamadas sistemistas, a Província do Grande ABC criou um monstro de desigualdade justamente na geografia em que os partidários de um sindicalismo pretensamente socialista pregaram todo o tempo, da boca para fora, uma sociedade mais igualitária. Papo furadíssimo, como se verá nos próximos dias.
O estudo que realizei tendo como base de análises dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego não dá a menor margem a tergiversações. Os dados são contundentes e esclarecedores. São Bernardo é a expressão de algo que tive a criatividade (e por que não a coragem?) de rotular de Doença Holandesa. Mas não é o único Município entre os listados no G-22 que vivem o drama de desníveis salariais (e sociais) por conta do prevalecimento asfixiante de uma determinada atividade industrial supostamente o carro-chefe da economia local ou regional.
Mais Doenças Holandesas
Há outras Doenças Holandesas que se manifestam no G-22, todas com as mesmas características de São Bernardo: uma determinada atividade econômica sob o controle de sindicalistas em conluio com empresas de grande porte dá as cartas. E, claro, contando com a complacência do governo federal sempre pronto a fornecer benefícios fiscais e trabalhistas.
A metodologia aplicada é simples. Passo a destrinchá-la em seguida.
Aferi o setor econômico que gera a maior média salarial entre as áreas de indústria, comércio, serviços e construção civil. Apenas três entre os 22 municípios não têm o predomínio da indústria como maior pagadora de salários médios mensais. Não por acaso são os municípios mais ajustados no conceito de equilíbrio salarial.
A atividade de maior salário médio mensal de cada Município foi transformada em âncora da defasagem, por assim dizer, dos salários médios das demais atividades analisadas. A conta é simples: onde prevalece a indústria como principal atividade (a quase totalidade dos casos) divide-se o salário médio do setor de comércio, de serviços e da construção civil pelo salário médio da indústria. Os resultados significam os percentuais registrados. Quanto maior o quociente, menor a diferença de assalariamento entre a atividade-âncora e a confrontada. No caso dos municípios que têm a liderança de salário médio em outro setor, no caso do setor de serviços, a equação é a mesma, com a diferença de que a âncora passa a ser essa outra atividade.
A distância dos demais assalariamentos setoriais em relação ao salário médio que serviu como âncora gerou, portanto, três resultados para cada um dos 22 municípios. Ou seja: os confrontos entre serviços, comércio e construção civil quanto se tratou de prevalecimento da indústria como atividade que maior salário médio paga aos trabalhadores e, no caso de outra atividade, contabilizando-se a indústria como vértice.
A soma dos três resultados registrados dividida pelas três atividades resultará na média geral do distanciamento do setor de salários médios mais elevados. Quanto maior a soma dos três indicadores, maior a média geral do Município.
Seguindo um modelo do IFDM (Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal) foram criadas quatro divisões para hierarquizar os resultados finais. Para tornar o entendimento ainda mais didático, adotei expressões já consolidadas nesta revista digital: o que a Firjan chamou de Alto Estágio de Desenvolvimento chamo de Série A do G-22; o que a Firjan chamou de Desenvolvimento Moderado, chamo de Série B; no caso de Desenvolvimento Regular, uso Série C e no caso de Baixo Estágio de Desenvolvimento, chamo de Série D. A linguagem esportiva sempre facilita o entendimento.
Sindicalismo corporativista
Resumidamente, foi isso que deu estrutura à numeralha disponível em estado bruto no Ministério do Emprego e do Trabalho. Mas há muito mais insumos que vou retirar dos resultados finais. Há variáveis que valem a pena ser exploradas.
São Bernardo e outros municípios dependentes demais de uma determinada atividade não estão entre os últimos colocados do ranking do G-22 por acaso. Bem longe disso. É consequência compulsória da associação de sindicalistas e grandes empreendimentos na orquestração de ações que os favoreçam em detrimento do conjunto da sociedade em que atuam.
Serei mais contundente: o sindicalismo de São Bernardo, principalmente, sequestra a liberdade econômica das montadoras e autopeças a ponto de exigir permanente intervenção do Estado. Consequência: mais distorção no confronto com os salários médios de atividades submetidas ao jogo duro do mercado. Uma situação que afasta investimentos produtivos da região.
Lobby federal
A convergência principal, portanto, de que há estreita ligação entre sindicalismo e empreendimentos de elevada capacidade de produção (e de lobby) na construção de sociedades desiguais, está mais que consolidada. Sem discussão. Não existe correspondência positiva no campo de equilíbrio salarial entre as grandes empresas e o restante da sociedade.
Os estudos que pretendo desdobrar desse eixo principal, ou seja, do campo de equilíbrio salarial, vão provavelmente desnudar muito mais situações desagradáveis que deverão colocar ainda mais à observação atenta o marketing de políticos e sindicalistas que correlacionam grandes empresas à felicidade geral da sociedade.
Não é o caso deste artigo, mas os números já metabolizados mais que indicam, confirmam, a necessidade de São Bernardo, principalmente, e vários dos municípios da região, também, se organizarem para um debate maduro sobre as consequências de desequilíbrios salariais dos trabalhadores com carteira assinada.
Não existe a menor dúvida de que se linhas do horizonte se estenderem em dois sentidos, o primeiro em direção ao paraíso e o segundo ao inferno, a tendência costurada ao longo de décadas de prevalecimento do setor de transformação industrial com imperfeições nas relações entre capital e trabalho, entre outras variáveis, é de que o capeta será nosso anfitrião em termos de desenvolvimento sustentável.
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