O ex-prefeito Luiz Marinho é candidato ao governo do Estado apenas para marcar presença, embora procure mobilizar a militância com a perspectiva de segundo turno. No fundo, pretende mesmo é antecipar campanha ao Paço de São Bernardo. Por isso marca presença na mídia. Tanto que ainda outro dia foi o convidado do Roda Viva, programa tradicional de entrevistas que parece ter como palco uma imensa cristaleira, tantos os cuidados regulamentares para, supostamente, não se ferirem suscetibilidades.
Marinho saiu-se bem em questões relativamente cômodas. Uma ou outra estocada com o cuidado exacerbado recomendado por uma emissora estatal que quer agradar a gregos e troianos quebrou o ambiente de quase compadrio, por assim dizer. Os entrevistadores sugeriam no olhar e no tom de voz que estavam prontos a pedir perdão ao entrevistado ao final de indagações milimetricamente cuidadosas.
Não estou aqui a pregar incivilidades ou algo parecido, mas o relacionamento entre entrevistado e entrevistadores não pode chegar ao quadradismo de um não-me-toque tão despudorado.
Entrevistado do Roda Viva só não se dá bem se for muito incompetente. Eles contam com margem de manobra vasta. Os entrevistadores, em geral, trocam a dureza do prélio por articulação generosa. Raposas do jornalismo intolerantes a encabrestamento regulamentar fariam da ironia arma mortal. Mas o Roda Viva não tem alma jornalística no sentido mais denso da expressão. É um festival de burocracia verbal. Nada mais adequado para a maioria dos jornalistas acostumados a fugir do pau no sentido mais pedagógico possível da expressão.
Por isso tudo Luiz Marinho deitou e rolou a ponto de o encontro ter servido mais como ensaio de programa do horário eleitoral.
Mesmice dos políticos
O petista pode fazer com exuberância o que a quase totalidade dos políticos faz todas as horas do dia: mentiu, sonegou informações, fugiu de questões conflitantes com o discurso previamente preparado, construiu uma montanha de autoelogios, transformou Dilma Rousseff em vítima, fez do PT preferência nacional de discriminação encomendada pela chamada mídia golpista, entre outras barbaridades. O telespectador comum não capta essas nuances.
O entrevistado de Roda Viva sente-se à vontade com a ausência de contraditório mais contundente. Não se esqueça o leitor que o Roda Viva vive sob o signo (pelo menos foi o que se viu durante o tempo todo em que Luiz Marinho esteve no centro da cristaleira) do extremismo da delicadeza verbal e expressionista dos entrevistadores.
Talvez a pergunta que mais tenha balançado Luiz Marinho (e o levou ao nocaute, porque a resposta foi patética) referiu-se à quebra do contingente de trabalhadores metalúrgicos em São Bernardo. Dois terços, segundo a jornalista convidada a integrar a bancada. Dois terços num determinado período.
O ex-metalúrgico e ex-sindicalista Luiz Marinho foi literalmente encurralado entre outras razões porque antes do questionamento mortal para quem contribuiu com a debandada de indústrias de São Bernardo, pretendia dar lição de desenvolvimento econômico como candidato em oposição a aridez do setor durante os vários governos tucanos.
Tecnologia uma ova!
Marinho viu a vaca de argumentos contrários aos tucanos ir para o brejo, mesmo tendo a possibilidade de fundamentar e dar sustentação à realidade de que os ocupantes das duas últimas décadas do Palácio dos Bandeirantes são fraquíssimos em matéria de economia, de enxergar o Estado de São Paulo com as nuances precípuas de um território multifacetado. Os tucanos, de maneira geral, não associam obras com planejamento econômico. O Rodoanel é prova disso. Sobretudo o trecho sul, que nos castiga tremendamente.
Sem saída (provavelmente porque seus assessores não o prepararam para uma pergunta tão incômoda), Luiz Marinho saiu com uma resposta manquitola. Atribuiu exclusivamente aos investimentos tecnológicos o motivo do sangramento do mercado de trabalho em São Bernardo. E não esticou a resposta porque se sentira acuado pelo passado que o açoita.
Sabe bem o petista que a contribuição do sindicalismo bravio de São Bernardo nos tempos de conflitos históricos, e do sindicalismo de São Bernardo nos tempos de orquestradas comissões de fábricas, longe dos holofotes, como agora, está na raiz mais que frondosa da derrocada da Capital Econômica da região.
Não apenas isso, mas principalmente isso. Os estragos se arrastam no tempo de forma muito mais perniciosa que nos anos de chumbo regional do presidente Fernando Henrique Cardoso com sua indiscriminada abertura das alfândegas no setor automotivo. E muito mais que o rombo causado pelo trecho sul do Rodoanel Mário Covas, como tenho cansado de explicar.
Dois anos desastrosos
Poderia citar dezenas de textos que produzi nesta revista digital para metralhar a resposta de Luiz Marinho. Fico apenas com o de dois de maio deste ano. Nos dois últimos anos do mandato do petista os números foram tormentosos para São Bernardo, na esteira do desencanto nacional produzido pelo governo de Dilma Rousseff a partir de 2014 em consequência da herança maldita da política fiscal de Lula da Silva. Naqueles 24 meses – escrevi – entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, São Bernardo perdeu 34.776 empregos quando se consideram todas as atividades. Desse total, 17.271 no setor industrial. Tudo com carteira assinada.
Marinho direcionou o desemprego de São Bernardo como consequência natural do avanço tecnológico das indústrias. Uma meia verdade frágil. Apenas as grandes empresas do setor, sobretudo montadoras e sistemistas com as quais Marinho sempre se deu muito bem, investiram na renovação de processos e do ferramental nas unidades da região nas últimas duas décadas. Até porque não tinham outra saída diante da defasagem acentuada de desdém ao longo de anos em que o País manteve-se fechado à competição internacional.
Ecossistema negativo
Quero dizer com isso que o grau de destruição de emprego industrial em São Bernardo e na região como um todo por conta de tecnologia é baixíssimo quando se colocam na mesa de avaliações outros fatores do ecossistema produtivo. Como, principalmente, a atuação sindical a espicaçar com as pequenas e médias empresas geralmente desprotegidas de tudo e de todos. Sobretudo nas negociações duras na queda com as montadoras e sistemistas, com os sindicalistas que exigiram tratamento trabalhista igualitário, independentemente do porte das empresas, e das políticas governamentais, sempre a proteger as montadoras e a deixar as pequenas e médias à inanição.
Da mesma forma que os tucanos só vão enrolar e enganar o distinto público quanto colocados na parede sobre a queda contínua do PIB Industrial do Estado de São Paulo desde que assumiram o Palácio dos Bandeirantes, Luiz Marinho e os petistas em geral, também cutistas, vão correr em busca de uma boia salvadora para sair da enrascada. Tudo em vão. A incompetência na gestão econômica do Estado de São Paulo é irmã siamesa da ausência de lideranças na região no embate contra os privilégios corporativos dos sindicatos e das grandes empresas.
Exceções que sofrem
Dirigentes do Ciesp com raízes na região são exceção à regra. Mas eles não resistem à avalanche de obstáculos. Como, por exemplo, esperar eventual ressureição da economia da região, sobremodo de pequenas e médias empresas industriais, se a mídia em geral as mantêm fora de qualquer pauta diária. Preferem-se o colunismo social e os bastidores provincianos dos Legislativos e Executivos.
O modelo econômico que Luiz Marinho e de seus parceiros de sindicalismo (e também na Administração Municipal em oito anos de titularidade em São Bernardo) seria uma pá de cá nas expectativas de setores industriais da região encontrar um respiradouro confiável para tentarem se reerguer. O jogo mais que manjado de privilégios mutuamente vantajosos entre grandes empresas industriais e o sindicalismo no qual Luiz Marinho ainda exerce muita influência explica muitas situações, entre as quais a que estamos consolidando em estudos empíricos: a desigualdade social da região à reboque do setor industrial é uma escalada que se iniciou em São Bernardo com a insurreição metalúrgica que, ao contrário do que propagaram os inocentes inúteis de sempre, só tinham olhos, ouvidos e bolsos cheios em defesa de um corporativismo exclusivista. Com perdão da redundância mais que necessária.
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