O rebaixamento do PIB Industrial e do PIB Geral da região nos últimos anos acrescentou camadas de infortúnio no mercado imobiliário de salas comerciais. Faltam dados oficiais sobre a hecatombe, mas há vários indicadores que clareiam o quadro e sustentam afirmações sem risco. Quando nem o ex-presidente do Clube dos Construtores, Milton Bigucci, escapa da degola, caso específico do condomínio Marco Zero (aquele que contou com a omissão, quando não com o apoio às irregularidades, do então prefeito Luiz Marinho), é sinal de gravidade mais profunda.
O Clube dos Construtores dirigido há mais de dois anos por Marcos Santaguita (ele substituiu a um Milton Bigucci desgastadíssimo após ser colhido em flagrante como integrante da Máfia do ISS de São Paulo) só vai anunciar nos próximos dias o balanço do mercado imobiliário da região no primeiro semestre. Os números serão terríveis, mas não agregarão salas comerciais.
Contar com fontes insuspeitas e com observações que a vida ensina. O mercado de salas comerciais lançadas no período em que muitos acreditaram que o crescimento do PIB Nacional seria eterno é um festival de decepções. Só se deu relativamente bem (como o presidente Marcus Santaguita) quem enxergou o óbvio: apenas pequenas salas a preços compatíveis com a quebra de mobilidade social da região poderiam assegurar a combinação de utilidade prática e preservação relativamente satisfatória do investimento.
Excessos do Domo
O condomínio Domo (que também reúne apartamentos) possivelmente é o espaço mais emblemático de micos que invadiram a região nos últimos anos. A monstruosidade da construção não cabe numa região (e particularmente em uma São Bernardo) em franco processo de quebradeira.
Já escrevi vários artigos sobre o Domo como exemplar de desconhecimento de especialistas da construção civil que vieram para uma região sem a devida cautela e, por isso mesmo, merecem o título de aventureiros.
Todos caíram no Conto do Bigucci, de que encontrariam extraordinária perspectiva de ganhos milionários. Além de quebrarem a cara, grandes construtoras e incorporadoras da Capital contaminaram o ambiente com empreendimentos que não só não decolaram como impactaram os demais, levados a situações semelhantes de incompatibilidade entre oferta e demanda. Como o Marco Zero da MBigucci, por exemplo.
Quem esperar da mídia regional leitura mais ampla e esclarecedora do mercado imobiliário pode tirar o cavalinho da chuva. A maioria está amarradíssima aos donos do dinheiro em imóveis. Retratar a verdade dos fatos na área de escritórios seria perda de tempo. Os profissionais que pretenderem montar um negócio que se cuidem. Pesquisem bastante e acabarão se dando bem. A maré está para peixe.
Sobrou para os pequenos
Faço observações imobiliárias também a bordo de meu veículo e em caminhadas matinais. Observo tudo com atenção. Num raio não muito extenso em relação à minha residência contabilizo péssimos investimentos. Vários empreendimentos comerciais foram lançados, muitos estão prontos, mas inquilinos ou compradores insistem em não aparecer. Diferentemente dos grandalhões, que exercem poderes nos bastidores políticos e arrancam vantagens delituosas quase sempre a salvo de investigações e penalidades, os pequenos empreendedores imobiliários que se metem a buscar rentabilidade são muito mais castigados nestes tempos de recessão.
O modelo que conduz o empresário Marcus Santaguita a velocidade de venda diferenciada raramente é replicado. Espaços grandes demais exigem contrapartida de custos de aluguel igualmente elevados. O valor do metro quadrado é decisivo.
Um dos motivos de ser alvo preferencial de bandidos sociais que pretendem centralizar mentiras como verdades é a responsabilidade de informar a sociedade sobre o andar da carruagem regional. Em 22 de novembro de 2012 (portanto, há quase seis anos), sob o título “Liquidações de apartamentos e salas comerciais já assustam”, produzi texto que explicitava o que viria em forma de avalanche no mercado imobiliário. Leiam alguns dos trechos:
(...) Foi o que fez Milton Bigucci numa entrevista publicada segunda-feira no jornal Bom Dia ABCD. Bigucci disse com todas as letras, vírgulas e subjetividades que os preços dos imóveis não baixarão. É claro que não baixarão, porque já baixaram. E vão baixar muito mais. A especulação imobiliária só pega no contrapé quem está descuidado e se deixa levar pelo noticiário de jornais alheios aos fatos. As declarações de Milton Bigucci foram impressas um dia após uma das principais empresas do setor no País, a Even, anunciar durante dias e dias e realizar no final de semana uma megaliquidação de imóveis na Região Metropolitana de São Paulo. Os descontos chegaram a 30%. Quem forçou um pouquinho a barra conseguiu bem mais. (...) O que mais se lamenta nessas preliminares de uma bolha imobiliária latente é o descaso das autoridades em geral. Não bastasse o setor ser um dos principais focos de corrupção da classe política – como provam os escândalos e como insinuam os financiamentos eleitorais majoritariamente concentrados na atividade – o baixíssimo grau de responsabilidade social de supostas lideranças assusta mesmo quem imagina que está acostumado a tudo nesse País.
Cumplicidades desequilibram
O que sustenta a convicção deste jornalista de que os distratos imobiliários não podem ser compulsoriamente favoráveis aos empresários do setor (como a Câmara dos Deputados assim o determinou, mas não encontrou amparo de senadores sensíveis à população) é que lideranças ou supostas lideranças do setor contam com liberdade e cumplicidade demais para manipularem preços que os jornais avalizam sem critério crítico e analítico. Foi mais ou menos isso que escrevi naquele mesmo artigo de 2010. Repasso alguns trechos:
Sem qualquer exagero, o que se registra no mercado imobiliário é um festival de agressões à saúde financeira dos cidadãos que em praticamente nada difere do marketing da indústria farmacêutica a prometer milagres como couros cabeludos onde só restam vastas calvícies, peles macias onde brotoejas dão as cartas, barrigas tanquinho onde se amontoam quilos e quilos de descuidos com alimentação e sedentarismo e coxas lisinhas onde pululam celulites. Um mercado imobiliário minimamente ético é o pressuposto em respeito à sociedade. O Secovi, sindicato da habitação, que outro dia divulgou espécie de mandamentos éticos, precisa deixar a retórica e atuar incisivamente nesse sentido. Para começar, deve dar transparência completa às estatísticas que divulga sobre o balanço imobiliário. E isso não é pouco, porque, como os dados da Associação dos Construtores do Grande ABC incorporados àqueles estudos são furados, incompletos, inconfiáveis, o bolo inteiro fica comprometido. Não estariam as demais porções igualmente afastadas da verdade dos fatos?
Oba-oba irresponsável
Alguém com tamanho apetite jornalístico de expor a verdade de um setor tão poderoso não poderia mesmo ficar impune, segundo a ótica do então mandachuva setorial na região. Como se medidas avalizadas por gente que não entende de liberdade de expressão com fundamentação fossem suficientes para silenciar.
O tamanho do prejuízo do mercado imobiliário regional e nacional teria sido extraordinariamente minimizado se tanto as lideranças como a mídia em geral não se articulassem num oba-oba irresponsável para supostamente dinamizar um setor que não se sustenta sem o amparo do crescimento econômico.
Esperar que o mercado imobiliário vá bem enquanto a economia vai mal (ou mesmo desprezar a lógica de que o mercado imobiliário de ciclo produtivo de 24 a 36 meses vá bem amanhã se a economia em bom estado hoje estará derretendo em seguida) é brincar de roleta russa tendo exclusivamente a cabeça dos compradores como prêmio, como está mais que evidente no lobby congressual que pretende repassar a maior parcela dos prejuízos aos compradores que não tiveram saída senão recorrer a distratos.
Comparação manipuladora
Não pensem que a mesquinhez mercantilista se restringe à geografia regional (com as exceções de praxe, claro) porque, em nível nacional, uma liderança dos incorporadores disse recentemente a um veículo de grande porte da capital, ao se referir aos distratos, que os compradores que desistiram do negócio, por qualquer razão que fosse, deveriam perder todo o dinheiro despendido. Recorre-se à legislação no Primeiro Mundo como estratégia. Omitem, claro, o que separa aquele mundo deste fim de mundo.
O mico de salas comerciais na região é o retrato do despreparo de agentes econômicos do setor nas relações com os clientes. Apenas uma minoria é formada de investidores que caíram fora quando viram virar o barco das projeções de lucro e a realidade da retração do valor do metro quadrado por conta do excesso de ofertas e escassez de empregos. A grande massa de inadimplentes, que recorrem a distratos, é formada por marinheiros de primeira viagem (os compradores que entendem quase nada de mercado imobiliário), presos por especialistas no assunto. Os inadimplentes em larga escala são o chapeuzinho vermelho da história do Lobo Mau. Os micos imobiliários de salas comerciais (como os de residências) são obra de um combo mercantilista com data de validade para explodir. Como explodiu.
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