Estamos começando a contar em detalhes, em série que não tem data específica para terminar (e nem datas específicas para ser construída), a história dos bons tempos de exuberância de São Bernardo, Capital Econômica da região, seguida de incontrolável desencanto.
A ideia de preparar série de textos específicos sobre São Bernardo se deve sobremodo a um dos inúmeros responsáveis pela derrocada da Capital Econômica da Província do Grande ABC, o atual prefeito Orlando Morando.
O tucano vai completar dois anos de mandato e tem-se aperfeiçoado na arte da embromação de manchetes fáceis como a de hoje do Diário do Grande ABC. Destruidor da regionalidade embutida no Clube dos Prefeitos e na Agência de Desenvolvimento Econômico, Morando anuncia que vai prestar socorro à Prefeitura de Mauá. Generoso, vai ceder veículos à Guarda Civil, atingida pela crise financeira do Município.
Qualquer ilação sobre a candidatura da mulher Carla Morando à Assembleia Legislativa não é pura coincidência. Anteriormente, como deputado estadual, Orlando Morando participou ativamente da criação deslumbrada e gataborralheiresca de uma obra que se tornou um monstro à competitividade regional, o trecho sul do Rodoanel Mário Covas.
Rodoanel traiçoeiro
Recuperaremos nesta série tudo e muito mais que escrevemos sobre essa serpentina de asfalto que, do ponto de vista econômico, acentuou duramente as ineficiências de São Bernardo -- para felicidade do outro lado da Região Metropolitana de São Paulo, a chamada Grande Osasco, além de Barueri e Guarulhos.
Desde a chegada do Rodoanel, perdemos o segundo lugar na preferência dos investimentos na metrópole, liderada pela Capital. Somos carta fora do baralho, mas não faltam triunfalistas que sacam dados defasados sobre a economia local para vender a ilusão de que nada mudou. Ainda ontem o Diário do Grande ABC publicou um artigo patético assinado por Valter Moura, presidente da Associação Comercial e Industrial de São Bernardo. Há quatro décadas à frente da entidade, o dirigente parece congelado no tempo. Vê uma São Bernardo que há muito não existe. Mas não o fez aleatoriamente: quando pode, a mídia da região sempre encontra alguém disposto a aromatizar esterco.
A nova festa de gala que Orlando Morando preparou a pretexto de comemorar mais um aniversário de São Bernardo é uma mistura de deslumbramento pessoal e desmedidas ambições políticas que incluem, também, sua mulher, Carla Morando. Morando e seus anfitriões, em larga escala fornecedores de serviços à Administração Municipal, fizeram espetáculo para poucos, com foguetório e bufê de primeira classe. Uma afronta quando se observa a São Bernardo do lado de fora do Pavilhão Vera Cruz.
Caindo pelas tabelas
Decidi centralizar fogo em São Bernardo, deixando a região e outros territórios como pano de fundo, porque já passara da hora de aprofundamento nas questões que determinaram a quebra da dinâmica econômica com consequente avanço das demandas sociais.
Um dado significativo do quanto São Bernardo descarrilou economicamente está na constatação de que entre 1970 e 2015, conforme informações que capturamos em organismos oficiais ao longo de quatro décadas, a participação relativa no PIB (Produto Interno Bruto) nacional caiu 56,29%.
Em 1970, quando a indústria automotiva de São Bernardo representava praticamente dois terços da produção nacional, São Bernardo ocupava o segundo lugar na classificação geral do Estado de São Paulo, atrás apenas da Capital. Em 2015, caiu para o sexto lugar. Quando o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) anunciar no final deste ano o PIB dos Municípios de 2016, o rombo será ainda maior.
O desfile classificatório de São Bernardo no ranking estadual (e também nacional, do qual nos ocuparemos mais adiante, na série) não quer dizer muita coisa sem que se penetre para valer nas entranhas estatísticas. E é isso que faremos ao longo desta série. Não ficará pedra sobre pedra em nenhum aspecto econômico, social e fiscal. Devassaremos São Bernardo de forma tão focalizada e centralizada que possivelmente não restará ao final desse trajeto uma questão sequer a ser levada em conta.
A mesma toada de sempre
Jamais faltou esperteza sobretudo aos agentes públicos municipais para dourar a pílula de uma São Bernardo que não existe mais. Entra prefeito, sai prefeito, e tudo permanece praticamente igual. Com a multiplicação de incompetências na gestão pública, omissão generalizada das entidades de classe e uma sociedade amorfa, não se deve esperar senão o agravamento dos estragos que a descoberta de novos territórios estaduais e federais para investimentos infligiram a São Bernardo.
A guerra fiscal tornou o jogo econômico mais disputado. São Bernardo de um sindicalismo antes declaradamente bravio e em seguida disfarçadamente comedido perde de goleada na maioria dos quesitos que poderiam despertar interesse de investidores produtivos.
Sobra a abertura de estabelecimentos comerciais de grande porte, no setor de varejo, sempre festejados pelo Poder Público e motivo de desespero dos pequenos empreendedores. Afinal, como o PIB do Município desaba a cada temporada, sobra menos dinheiro para mais concorrentes.
Dupla enfermidade
Destacaremos nesta série, entre tantos temas, a dupla deformidade econômica de São Bernardo, a Doença Holandesa Automotiva e a Síndrome de Estocolmo Automotiva. A primeira, a Doença Holandesa, é a elevada toxidade de dependência exagerada das montadoras de veículos e das autopeças. A segunda, a Síndrome de Estocolmo, é a tragédia de São Bernardo agarrar-se também exageradamente aos benefícios de contar com as montadoras e as autopeças. No fundo, tudo não passa de covardia institucionalizada, além de incompetências sobrepostas por gestores que ocuparam o Paço Municipal.
Não existe num horizonte próximo ou distante nenhum indicativo de que São Bernardo encontrará o caminho da salvação econômica. Pior que isso: tudo se encaminha para a sequência de infortúnios. A completa ausência de capital social, junção de Sociedade, Mercado e Governo, faz de São Bernardo campo de experiências populistas que a encaminham ao estágio de salve-se-quem-puder com consequências inimagináveis.
Aliás, São Bernardo já deu os primeiros passos nessa direção, num processo que vem de longe. Para sair do encalacramento seria preciso contar com algo fora da curva das perspectivas mais sóbrias e mensuráveis. A economia não tem por perfil submeter-se à cartomancia do improviso e do despreparo.
Grande decepção
A expectativa de que o prefeito Orlando Morando pudesse colocar um ponto final na escuridão de São Bernardo frustrou-se nos dois primeiros anos de mandato. A arrogância da Capital Econômica da região se manifesta claramente. Um corpo doentio exigiria imediata avaliação de especialistas. Mais que isso, numa etapa seguinte, a aplicação de terapias que estancassem a hemorragia econômica para, em seguida, iniciar-se a retomada das milionárias perdas das últimas décadas.
Ledo engano de quem imaginou que Orlando Morando deixasse de racionar como candidato à próxima eleição. Sem intimidade alguma com o feixe de especialidades econômicas que dinamizam ou enterram municípios, estados e países, Orlando Morando provocou um cavalo de pau no pouco fértil legado de Luiz Marinho. O petista foi menos sofrível porque ensaiou algumas iniciativas, muitas das quais oníricas, além de ter enfeitado o pavão de medidas que não passavam de propaganda enganosa, quando não de dissimulação de fracassos. Trataremos disso também nesta série. Não há inocentes no histórico de fracasso econômico de São Bernardo.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?