O lobby e o protecionismo do mercado imobiliário são frutos da mesma árvore de deformações do capitalismo de compadrios associado ao socialismo de araque. O setor é tão forte que ameniza a situação caótica que o envolve ou, em situação inversa, potencializa ganhos especulativos. É preciso preparar o terreno para colher novas vítimas. Tudo como o suporte da mídia descuidada.
Nada do infortúnio empresarial destes tempos, entretanto, supera a quebra da corrente de suposta felicidade dos compradores de imóveis, vítimas da armadilha do Brasil consumista plantado pelo governo Lula da Silva e jogado às traças por Dilma Rousseff. Michel Temer, nesse campo, apenas fez o possível. E teria feito muito mais não fosse cobrado pelos erros do passado que a Lava Jato não perdoa.
O resumo da ópera destes tempos é simples: quando a gestão pública irresponsável se junta ao empresariado oportunista e à Imprensa insensível e descuidada, o resultado final tende a ser catastrófico.
Pagando o pato
Não poderia ser diferente com o mercado imobiliário bom de publicidade, bom de vizinhança com a mídia, mas distante do equilíbrio social que uma atividade tão relevante recomenda. Os pequenos e médios empreendedores do setor, mais vulneráveis, também acabam pagando o pato, entre outras razões porque não têm acessos aos corredores bem-aventurados do setor público que lhes possibilitariam aumentar a rentabilidade dos negócios. Ou seja: os pequenos e médios construtores sofrem tanto quanto milhões de famílias que caíram no conto do crescimento sustentável.
A perda média do valor real de imóveis na região, corrigindo-se os valores pela inflação do período, ultrapassa a 40% desde o começo de 2014, início da recessão mais grave na história do País, esticando-se a fita de chegada até este começo de setembro, quando os indicadores macroeconômicos continuam enrascados.
Tão enrascados que os números insistem em contrariar os especialistas. Em janeiro, previa-se crescimento de até 3,5% do PIB nesta temporada. Hoje já há quem afirme que estaremos no lucro se passar de 1,2%.
É claro que os caminhoneiros viraram bodes expiatórios dos almofadinhas da mídia e das academias, embora, felizmente, não falte gente qualificada que estabeleça a devida dimensão da greve de 11 dias, muito aquém do peso atribuído pelos elitistas que jamais suportariam três dias na boleia de um caminhão, quanto mais três, quatro meses longe da família.
Os escravos das estradas foram colocados no mesmo saco dos barões das empresas de transporte à desclassificação do movimento que encurralou o governo Temer. Quem acredita que a polaridade nacional se dá apenas na política nestes tempos eleitorais, não sabe da missa um terço.
Fonte de interesses
Voltando ao mercado imobiliário, o Estadão de hoje deu que a perda média do valor de imóvel residencial é de 18% num período menos extenso do que projetei, porque começa em 2015 e termina em dezembro do ano passado. Os dados referem-se aos principais mercados nacionais.
A fonte do Estadão ameniza a situação porque faz parte do grupo de interesses do setor, o qual anda não se deu conta de que caiu nas próprias mentiras que construiu, tendo como porta-vozes dirigentes de entidades da classe.
A região está abarrotadíssima de imóveis residenciais e comerciais à venda. Por isso, a queda de 40% é apenas um dos nós da situação. A outra é que não há demanda para desovar estoques sem o risco de engrossar a lista de distratos. Nenhum comprador de imóvel gostaria de passar pela experiência de rompimentos de contratos. Apenas os especuladores, também chamados de investidores, agem com malícia e se locupletam com distrativos providenciais.
Frustração coletiva
A inadimplência representa, em suma, uma frustração coletiva, familiar. O sonho da casa própria é um fetiche de felicidade que o mercado imobiliário destila como sacrossanto à cidadania. Uma bandeira e tanto à sensibilização dos incautos. Quem passa 20 ou 30 anos pendurado em prestações sabe o quanto custa de sacrifício adquirir o sonho dourado.
Insisto em escrever com certa regularidade sobre o mercado imobiliário (e os índices de leitura do material nesta revista digital sempre saltam a cada nova intervenção) porque, de maneira geral, a mídia não desce aos detalhes necessários e quando o faz prefere excesso estratégico de discrição.
A reportagem do Estadão se fia em pesquisa da FipeZap, consultoria especializada que defende interesses das grandes corporações do setor imobiliário. E o resultado leva em conta apenas e exclusivamente os valores anunciados na Internet. As negociações entre compradores e vendedores são outros quinhentos que fazem muiiiiita diferença.
Aliás, a mencionada reportagem do Estado invade esse terreno de realidade prática (mesmo sem dar o devido destaque, porque este deveria a ser o mote da manchete e da abordagem da notícia) ao mencionar um dos casos em que entrevistou vendedores: “Com o desaquecimento do mercado, o proprietário foi obrigado a ceder e fazer uma avaliação realista do preço do imóvel, diz (um diretor da rede de imobiliárias Lopes). Ele lembra de uma propriedade na zona sul de São Paulo que ficou mais de dois anos à venda, até que o dono aceitasse baixo o preço em 39% -- escreveu o jornal.
Esse é o padrão de venda nesta Província. Daí para pior. Houve abundância de lançamentos nos últimos cinco anos, em total desacordo como os primeiros sinais de perda de vitalidade econômica (a qual se transformou em vendaval notadamente numa região dependente em excesso dos humores do setor automotivo) sempre ignoradas por quem comandava o Clube dos Construtores, o empresário Milton Bigucci.
Fraudes custam caro
Para ser mais justo com esse histórico: na verdade, Milton Bigucci, conforme cansei de denunciar nesta revista digital (enquanto as demais publicações impressas e virtuais da região se calavam), desenvolveu uma maneira muito particular de revelar a responsabilidade social que o atormenta: industrializava fraudes estatísticas como estratégia de aquecimento do mercado. Deu no que deu. Aliás, deu no que está dando.
Creio que a leitura deste artigo é suficiente para que se tomem todas as cautelas ante a sanha de mercadores imobiliários que constrangem inclusive seus próprios pares, eticamente responsáveis. E os temos em larga faixa nesta região. Não cometerei jamais o pecado da generalização ao opor resistência aos bandidos sociais da área. Reconhecê-los não é tarefa fácil. Distingui-los dos empreendedores sadios também não. Os mercadores imobiliários são bem-dotados de recursos que inebriam gestores públicos que, inclusive, não se furtam a aproximações públicas, e levam a imprensa sempre no bico.
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