Economia

Falta uma obra
de visibilidade

DANIEL LIMA - 05/01/1998

O Índice Nacional de Potencial de Consumo é medida econômico-social sabiamente instrumentalizada por marqueteiros ávidos por vender determinadas regiões. Convém, entretanto, que se coloque os pingos nos is. Esse indicador não necessariamente se traduz em efetividade. Trata-se de potencialidade, como bem especifica. A recuperação do Grande ABC, conforme constata a Alpha Assessoria, uma das mais tradicionais empresas do setor, com clientela de logomarcas reluzentes, ocorre depois de anos a fio de derrocada.


Essa inflexão recupera parte das perdas acumuladas desde 1982 e se deve a pelo menos dois poderosos pontos. Primeiro, a descoberta do mercado regional por redes de franquias, hipermercados e shopping centers. Segundo, à introdução de novos indicadores sócio-econômicos nas pesquisas do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, matéria-prima da Alpha, priorizando conjunto de bens de consumo nos quais a região, e particularmente São Caetano, aparece com natural destaque. 


É interessante a propagação do posicionamento do Grande ABC no ranking nacional, atrás apenas da Capital e do Rio de Janeiro. Até porque se prende estruturalmente à riqueza acumulada da população e também à capacidade de vendas a varejo. O risco que se corre, entretanto, caso não se dê a estrita importância, é lhe atribuir valores que extrapolem a realidade. E todos sabem que a realidade de hoje do Grande ABC é preocupante para quem pretende pelo menos manter-se estável no ranking de produção de riquezas e de equilíbrio social, que pouco têm a ver com potencialidade de consumo. 


Mesmo considerando o Índice Nacional de Potencial de Consumo do Grande ABC algo híbrido como os membros superiores de um Swarzennegher sustentados por pernas bambas de um boxeador que acabou de sofrer o impacto de um cruzado, não se pode desprezá-lo. Pelo contrário: embora não identifique as perdas industriais e suas consequências, trata-se de medidor que, além de natural exploração comercial, pode traduzir-se também em referência a inversões econômicas em setores que minimizem a fuga industrial. 


Nesse sentido, foi fértil a consultoria que o urbanista catalão Jordi Borja ofereceu recentemente à Prefeitura de Santo André, no lançamento do projeto de planejamento estratégico liderado por Celso Daniel. De tudo o que Borja disse em terra e no ar, a bordo de helicóptero, talvez o mais importante tenha sido num almoço informal, no dia de sua despedida. Borja afirmou que Santo André -- e por extensão o Grande ABC -- precisa de obras de grande visibilidade, citando vários acervos culturais, arquitetônicos e urbanísticos do mundo afora, num relato rápido e sucinto. Experiente o suficiente para não soltar frases definitivas que pudessem ser registradas como mandamento, Borja preferiu não mencionar exemplo prático do que seriam essas obras em Santo André ou na região. 


Não resistimos à sua versão urbanística de um partido político que todos conhecem e tentamos tirá-lo de cima do muro sobre a possibilidade de uma dessas obras de grande visibilidade ser um museu da indústria automotiva que se instalou pioneiramente nestas terras. Fizemos a pergunta de tal maneira, com três alternativas encurraladoras, justamente para que tivéssemos resposta. Borja demonstrou o jogo de cintura dos bons toureiros espanhóis e respondeu sem responder.


Resumidamente, disse que o museu tanto poderia ser positivo como negativo para a imagem da região. Dependeria da forma com que fosse concebido. É claro que pretendemos um museu que não conte friamente o processo dessa indústria na região. Queremos algo que incorpore em seus espaços tanto as evoluções da engenharia de produção como os movimentos sindicais associados às chamadas conquistas sociais corporativas e não corporativas. Exatamente para que não se mostre e não se conte apenas tangencialmente o desenvolvimento regional e suas implicações no restante da sociedade brasileira, tanto com a popularização de veículos automotores como pela redemocratização detonada por Lula e companheiros. 


A idéia do museu da indústria automotiva não é do colunista. A primeira vez que ouvi algo parecido, sem essa complementariedade sócio-cultural que sugerimos ao mago urbano que veio da Espanha, foi de conversa há 10 anos com a então gerente regional do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), Ângela Athaíde, num bate-papo informal. É até possível que a idéia sequer tenha autor único, que seja efeito-dominó de fragmentos de sonhos. Mas bem que poderia ser pensada mais a sério pelo Fórum da Cidadania, pela Câmara Regional, pelo Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, pelo Fórum Permanente de Vereadores. Quem sabe se instale num espaço multifuncional. Não está aí o prefeito de São Bernardo, Maurício Soares, decidido a dar novo layout e novas destinações aos galpões ocupados pela Agesbec? Que tal incorporar o museu, prefeito? Até porque São Bernardo é a capital do setor, com montadoras e autopeças em profusão.


Temos tudo à mão para produzir um projeto marcante. Nossas belezas naturais são poucas, mal exploradas e, em geral, de interesse circunscrito à região. Diferente do museu da indústria automotiva. Um projeto que contribuiria para aumentar as relações comerciais internas não só com a redução da evasão de consumidores, desacelerada nos últimos cinco, seis anos, mas também atraindo turistas de outras partes do País. 


Será que não vale a pena apostar nesse projeto? Ou vamos deixar que a poeira do tempo leve embora tudo que acumulamos de história nos últimos 40 anos? 


Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000