Economia

Perigos da polaridade capitalista

ANGELA ATHAIDE - 05/02/1998

Existe a lei dos sistemas que rege de maneira inexorável a dinâmica dos problemas e das soluções. Esta lei determina (e a realidade confirma) que, sempre que encontramos solução para um problema, essa solução, lá na frente, irá gerar novo problema. É que o problema gerado será, quase sempre, de maior complexidade que o anterior. Isto pode parecer relativamente absurdo, à primeira vista. Pode parecer que tudo o que fazemos é inútil ou, ainda pior, que todos os nossos esforços, além de não melhorar as coisas, ainda as pioram.


Só que não é bem assim. Essa inexorável lei é que nos permite a evolução. Isso porque, quando surgir o novo problema, mais complexo que o anterior, teremos muito mais competência, ferramentas e metodologias do que antes. É assim que vamos evoluindo. Isso vale para as ciências exatas, para as ciências sociais, medicina e até para nossos problemas mais corriqueiros.


Uma outra visão filosófica nos remete à teoria das polaridades. Isto é tão antigo que os chineses desenvolveram essa teoria a partir do Tao, Zen e a materializaram nos jogos do I Ching. Essa teoria defende a idéia de que podemos perceber as coisas que têm dois pólos. Esses pólos são necessariamente opostos. Como exemplos mais corriqueiros, temos a percepção de que existe o dia através da existência da noite; percebemos o escuro porque existe o claro; a felicidade pela existência do infortúnio, e assim por diante.


A vida seria assim, então, vivida a partir do equilíbrio dinâmico das polaridades. Desta forma, não poderemos viver indefinidamente num pólo somente, com o risco de não percebermos mais e, portanto, deixaríamos de vivê-lo. Parece paradoxo. Mas, se por hipótese tomamos isto como verdade, viver tempo longo demais em clima de absoluta e polar felicidade, algum tempo depois não seríamos mais felizes. Ainda admitindo real essa hipótese, e isto é ainda mais paradoxal, significa que a felicidade somente pode ser percebida se tivermos momentos de infortúnio, alternando-se com os de felicidade.


Tentando agora aplicar a teoria das polaridades, analisemos um pouco o fenômeno atual mais comentado do Planeta: a globalização. Todos falam da globalização da economia, dos mercados, da concorrência em nível mundial etc. No entanto, a dimensão econômica da globalização é apenas um efeito. A causa, talvez mais provável, da globalização é que é resultado da intensificação das comunicações no Planeta. 


No entanto, outros fatos paralelos contribuíram significativamente para construir a globalização. O final da guerra fria com o consequente desmantelamento dos regimes socialistas tornou, de certa forma, do ponto de vista político, o mundo mais igual, mais uno e necessariamente mais capitalista. Isto porque um dos principais motivos para o desmoronamento do sólido bloco socialista parece ter sido o fato de que o modelo trouxe sequelas econômicas profundas para esses países.


Do ponto de vista econômico, ainda, o final da beligerância EUA x União Soviética produziu a disponibilidade de uma soma enorme de dinheiro antes dirigido a financiar o equilíbrio bélico das superpotências. Paralelamente a isto, ou talvez também por causa disso, o grande êxito econômico e mercadológico do Japão firmou o capitalismo como modelo de sucesso a ser seguido e imitado por todos. As técnicas gerenciais japonesas e os modelos de administração através da qualidade correram o mundo e foram adotadas rapidamente pelo Ocidente. Qualidade Total virou panacéia dos problemas de administração empresarial moderna, desbancando a glória e o endeusamento que experimentou o marketing até a década de 80. 


No entanto, retomemos a questão das polaridades e vejamos o que a globalização, principalmente a econômica, nos trouxe. Não há quem negue que a inexistência ou a redução, em última análise, das fronteiras econômicas produziu, principalmente nos países em desenvolvimento, aumento fantástico dos esforços para modernização das fábricas, para o questionamento dos modelos sócio-políticos monolíticos e uma consciência ainda maior de tratar a economia como ciência mais sistêmica do que lógica e cartesiana. Isto foi um avanço, sem dúvida.


No entanto, esse mesmo progresso está fazendo altos índices de desemprego, crescimento de problemas sociais graves, falência nos Estados altamente reguladores de suas economias e deixando governos sem capacidade de poupança pública para investimentos em áreas sociais -- mesmo em países do Velho Mundo, antes tão benevolentes ou justos, como se queira considerar, nos aspectos de ajuda e amparo social.


Seria, portanto, o capitalismo uma polaridade que, existindo sozinha, colocaria o próprio capitalismo em risco? É algo em que se há muito a pensar... A partir do momento em que adotamos o capitalismo de forma única no Planeta, não estaríamos correndo o risco de, num certo momento em que se esgotarem as benesses do modelo, experimentarmos as coisas ruins que todos os modelos também trazem embutidos?


Será que não corremos o risco de quebrarmos o equilíbrio dinâmico, adotando somente o aparente melhor pólo como solução para nossos infortúnios? As oposições em toda história e também como lei dos sistemas é que têm produzido equilíbrio quando confrontam a situação.


Como os macro-sistemas possuem mecanismos próprios de defesa, os quais transcendem vontade e capacidade dos indivíduos, é quase certo que algo deve surgir para equilibrar o modelo exigente. As últimas eleições no parlamento inglês e, de maneira mais assombrosa, a vitória socialista na França (lembremos que foram, na França, eleições patrocinadas pela direita) já podem ser indício de que estejamos necessitando de algo que enfrente o modelo capitalista puro e promova, ao menos, reflexões no sentido de repensarmos o caminho que estamos trilhando.


Afinal, precisamos de forças de outra natureza que reconduzam novas práticas econômicas em que se considere que a geração de riquezas passa, necessariamente, pelo consumo. Não se pode acumular simplesmente produtos nos armazéns e não ter quem os consuma. E o consumo vive de renda, remuneração, salários, enfim. Não se pode aumentar indefinidamente a produtividade à custa de redução de mão-de-obra, nem se reduzir os custos abaixo do nível do que as coisas devem valer efetivamente, mesmo em fantásticas escalas de produção como as americanas e asiáticas, em particular.


O equilíbrio é a solução inevitável. A competição concorrencial e desenfreada tem limite. Esse limite é quando o capital, os custos e os retornos dos investimentos passam a ser mais importantes do que o bem estar da sociedade. Não há sentido em desenvolvermos tanto e tão rapidamente as tecnologias, mudarmos tão radicalmente os paradigmas se esse esforço não vier como retorno para a qualidade de vida das pessoas. Não apenas para algumas poucas espalhadas em alguns cantos do Planeta, mas para todas as pessoas.


Por isso as polaridades são importantes. Promovem o equilíbrio sem perder a dinâmica necessária à evolução. Agora, dentro da ótica relativista, será que esse desequilíbrio aparente, esse pender mais para um pólo, não será apenas parte da própria dinâmica? Aí então temos esperanças, porque isso não durará muito tempo e novamente buscaremos, a partir de novas visões e novos paradigmas, soluções consistentes para os problemas que nos afligem. Mas, amanhã, lá no futuro, essas soluções também não gerarão problemas mais complexos do que aqueles que hoje temos e que nos parecem tão doloridos suportar? 


Com certeza é isso mesmo que vai acontecer. Mas é a inexorável lei da evolução. É assim que caminha a humanidade. O equilíbrio dinâmico das polaridades e os problemas que necessitam soluções que geram novos problemas... É este o ciclo da evolução. 


No entanto, não se preconiza aqui posição cômoda e passiva de deixar tudo como está. O homem é o único animal que tem nas mãos o próprio destino. É o único que interage com os sistemas naturais de forma ativa e é capaz de construir o futuro de acordo com suas crenças. 


Não se trata, também, de alinhamento mais à direita ou mais à esquerda. Esse conceito, aliás, já está ultrapassado. Trata-se, sobretudo, de considerar que nem tudo é extremamente bom, nem extremamente ruim. A verdade está cada vez mais relativa. Devemos modificar nosso paradigma de alinhamento, situação, oposição etc. Num mundo relativista temos que considerar todas as possibilidades. Às vezes algumas mais, outras menos. Às vezes é preciso avançar muito, mas em outras retroceder um pouco. Temos, finalmente, que aprender a gerenciar os opostos, administrar os paradoxos e, principalmente, estarmos abertos para continuamente aprender, aprender, aprender. Aprender sempre! 


Não ter medo de abandonar velhos valores e paradigmas, nem medo de aceitar o novo. Nem de voltar atrás de vez em quando. Afinal, não temos destino. Tudo é uma viagem. E o prazer verdadeiro não é chegar lá. É continuar viajando.


O Luiz Antônio sabe do que estou falando.


Ângela Athaíde é executiva do Fiesp-Ciesp e membro do Conselho Consultivo de LIVRE MERCADO.


Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000