Quem vai colocar o guizo no pescoço do gato do Custo ABC? A indagação feita por LIVRE MERCADO já começa a produzir efeitos, mas convém conter o entusiasmo. O anúncio, em meados do mês passado, de que as montadoras de veículos estariam negociando o rebaixamento de custos na região, dentro da Câmara Regional, é ainda breve ensaio de amplo entendimento que pode tanto dar certo quanto não. A questão é simples: com as novas montadoras despejando veículos no mercado interno, a partir de fábricas localizadas em outros pólos automotivos que começarão a operar no ano que vem, o Custo ABC vai complicar a competitividade da Volkswagen, da General Motors e da Ford, principalmente, que respondem por perto de 50% do abastecimento de carros de passeio no País.
Além dessa ameaça interna, maior à medida que a política econômica federal constrange o crescimento do setor com aumento da carga tributária e dos juros, há também crescentes pressões externas pela redução de alíquotas protecionistas das montadoras nacionais, em resposta à crise asiática.
O prefeito de São Bernardo, Maurício Soares, também presidente do Consórcio Intermunicipal e coordenador da Câmara Regional, fez contato preliminar com executivos de quatro montadoras instaladas no Município - Volks, Ford, Mercedes-Benz e Scania - e até o final do mês esperava a adesão de Toyota e General Motors. O prefeito, que prefere perder anéis de parte da arrecadação do que os dedos da deserção das fábricas, está decidido a conceder vantagens fiscais para manter as empresas. Como se trata de começo de entendimento, nem mesmo o prefeito sabe exatamente o que pode oferecer para sensibilizar as empresas. Rebaixamento ou isenção dos valores do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) é uma das alternativas.
Hábil negociador nos tempos em que atuava no Sindicato do Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Maurício Soares garante que vai fazer muito esforço para impedir esvaziamento de produção na região. "Temos de sentar à mesa conscientes de que se alguém levantar contando vitória será sinal de que o acordo não foi bom" - antecipa o prefeito.
Como há interesses conflitantes e reabilidades diferentes na cadeia automotiva da região, tudo indica que as dificuldades serão enormes para estabelecer-se acordo. Nem de longe a situação pode ser comparada à sempre mencionada Câmara Setorial da indústria automotiva, cujos olhos voltaram-se exclusivamente para as montadoras. Agora as pequenas auto-peças, já sufocadas pelo regime automotivo que as coloca em competição direta com o mundo, também querem participar de um acordo. Fernando Longo, secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo, concorda com isso e diz que as autopeças acabarão vindo a reboque das montadoras, sob o argumento de que seus produtos incidem em 60% nos custos de produção dos veículos.
Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, concorda com a abrangência das negociações. Ele lembra que a maior parte dos associados do Sindicato está nas pequenas empresas e que descartar esse contingente seria incorrer em erro.
O recente acordo com a Volks, no qual o Sindicato concordou com mais de quatro mil demissões e renunciou a conquistas trabalhistas alcançadas em tempos bem diferentes, de fechamento de portos e inflação descontrolada, seria apenas uma parte da fatia de que os trabalhadores teriam de abrir mão. Marinho sabe disso e vai lutar para que o parto da redução do Custo ABC não seja a fórceps para a saúde financeira dos trabalhadores.
Tortorello -- Se a indústria automotiva e suas satélites preocupam economicamente o Grande ABC, o prefeito Luiz Tortorello, de São Caetano, é uma pedra no sapato institucional do Consórcio Intermunicipal, instância de poder de prefeitos da região que visa a uniformizar ações estratégicas em várias áreas sócio-econômicas. Em 12 de fevereiro ele conseguiu aprovar na Câmara Municipal projeto que reduz cinco alíquotas do ISS (Imposto Sobre Serviços). O trabalho de padronização regional mais uma vez foi asfixiado pelo prefeito, reincidente nesse tipo de delito integracionista. Tortorello rebaixou de 5% para 0,35% a alíquota de serviços de vigilância e para planejamento de feiras e exposições. Também reduziu de 5% para 0,5% o agenciamento de atividades turísticas e de 3% para 0,35% o percentual para gravação e distribuição de filmes e videoteipes. Tudo em conflito com o Consórcio, em algo que pode ser visto como uma versão local de guerra fiscal.
Mas Tortorello não se prendeu a isso apenas. Também agiu unilateralmente ao implantar, com aprovação da Câmara Municipal, estranho rodízio de veículos no Município. Como se São Caetano fosse uma ilha, não eixo estratégico de negócios entre Municípios da região e da Capital, o prefeito contrariou mais uma vez o presidente do Consórcio, Maurício Soares. Diante da dificuldade de estabelecer contato telefônico para comunicar seu desagrado, Maurício decidiu utilizar o secretário de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, Jerson Ouríveis, para aproximar-se de Tortorello.
Quem também precisa harmonizar a situação é o secretário estadual de Ciências, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, Emerson Kapaz, e o presidente da fábrica de pneus Bridgestone/Firestone, Mark Emkes. A empresa pleiteou, numa entrevista coletiva, subsídios para investir US$ 100 milhões na fábrica de Santo André. Kapaz reclamou de ter sabido do pedido pela Imprensa e descartou de imediato qualquer tentativa do que chamou de barganha do ICMS dado por outros Estados.
O secretário estadual, um sempre otimista observador externo do Grande ABC, muitas vezes exagerando ao utilizar cores alegres onde se recomenda sobriedade, disse que o Estado de São Paulo conta com benefícios especiais para cadeias produtivas do setor automobilístico e regimes que podem eliminar o ICMS, reservando recolhimento do imposto apenas na fase final da cadeia de produção.
Dias antes do embate com a Bridgestone, Kapaz fez novo discurso de apoio ao Grande ABC. Ele sugeriu, nas páginas do Diário do Grande ABC, que quem perder o barco de investimentos na região vai se dar mal no futuro. Kapaz acredita que em cinco anos a região vai estourar champagnes para festejar desenvolvimento econômico resultante da privatização total do Porto de Santos, da duplicação da Imigrantes e também de investimentos na Anchieta e na malha ferroviária.
Kapaz só não conseguiu comover o secretário estadual da Fazenda, Yoshiaki Nakano, no pleito da Câmara Regional que pretendia esticar os prazos de recolhimento do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) das empresas locais. O sufoco por que passam as empresas, por causa da política econômica do governo federal, do mesmo partido político de Kapaz, não sensibilizou Nakano, cujos cofres igualmente foram atingidos pela equipe de Fernando Henrique Cardoso. Talvez o melhor refresco do momento fosse no sentido de a Secretaria da Fazenda reduzir a fiscalização feroz que tem dedicado ao Grande ABC.
Administrações -- As administrações municipais não tiveram um fevereiro agitado demais. Em Santo André, o vereador Vanderlei Siraque, presidente da Câmara Municipal e candidato a deputado estadual, aparentemente invadiu seara alheia com um requerimento ao presidente Fernando Henrique Cardoso sugerindo alterações na legislação que dispõe sobre recolhimento do ISS. Ele quer que o recolhimento do tributo aconteça no Município onde se concentra maior parte da atividade produtiva da empresa, não, como determina a legislação atual, onde esteja a sede administrativa. Siraque comemorou o simples fato de o Ministério da Fazenda responder-lhe que estuda mudanças na legislação e que repassou o assunto à Secretaria da Receita Federal.
Em síntese, a mudança acabaria com os paraísos fiscais como Barueri e tantos outros na Região Metropolitana de São Paulo. Mas também atingiria Municípios que potencialmente seriam beneficiados hoje com a alteração, já que se acentua a tendência de São Paulo e o Grande ABC transformarem-se em regiões predominantemente de gestão industrial, com as plantas produtivas deslocando-se para o Interior.
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