Palavra terrível! Desemprego tem conotações extremamente pessimistas e preocupantes: fome, miséria, saques, protestos, revoltas, revoluções. Lembranças históricas trazem estas marcas. Mas as imagens de hoje as desmentem. Em todo o mundo -- o Primeiro, o Segundo, o Terceiro -- há desemprego e, pelas estatísticas divulgadas, maior que o brasileiro. Na Europa, a Espanha é a campeã. Mas os índices da França, Alemanha, Itália também não são pequenos. O México, após derrocada em fins de 1994, parece bater recorde mundial. Até o comportadíssimo Japão, modelo da Revolução Industrial do século XX e pátria do emprego vitalício, enfrenta problemas nessa área. Porém em nenhum lugar até agora se viram cenas de cataclismos sociais provocados pelo desemprego.
Aqui, apenas se ilustram as notícias com filas, seja de candidatos a um emprego, seja de pleiteantes do auxílio-desemprego. Mas filas são fenômeno incorporado ao dia-a-dia do brasileiro, e para tudo. A disposição do brasileiro para filas advém de uma aparentemente inesgotável paciência bovina e da conformação ante o descaso de quem deve atendê-lo.
Não se pretende minimizar o fato de que há desemprego. Nem esquecer a aflitiva situação de muitos que perdem sua ocupação e devem sair à procura de outra. Entretanto, o alarde que se ouve sobre desemprego no Brasil parece advir de exageros estatísticos, como muitos outros que já se esclareceram: meninos de rua, carência de habitação, prostituição infantil, por exemplo. E são explorados com volúpia por diferentes órgãos, com diferentes intenções: demagogia, politicagem, oportunismo, catastrofismo. Enquanto isso, nenhuma solução à vista se vislumbra para a verdadeira questão do desemprego.
Há que se esclarecer a real situação do nosso desemprego, que tem várias faces, umas visíveis, outras menos aparentes. Um dos dados absolutos é a quantidade de empregos novos que deve ser criada a cada ano, para absorver a mão-de-obra que entra no mercado de trabalho. Dados oficiais calculam dois milhões. Ora, é sabido que a economia brasileira, errática e claudicante desde 1979, não tem criado todos estes empregos anualmente.
A quanto montaria, então, apenas o déficit acumulado em todos estes anos? Se tal cálculo levar em conta jovens que completam 14 anos, aptos a entrar no mercado de trabalho, deve também abater os mais idosos que estariam se aposentando após 25, 30 ou 35 anos de serviço. Como a taxa de crescimento da população caiu para cerca da metade que era há 30 anos, deveria haver hoje mais trabalhadores se aposentando do que jovens se apresentando para o primeiro emprego. Por que não se cruzam as estatísticas de aposentadorias do INSS com os registros de empregados do Ministério do Trabalho e se fecham os saldos?
Outro dado oficial é a taxa de desemprego. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou, recentemente, 7,25%. Como percentual é o resultado de uma divisão, qual seria o montante do dividendo e qual o do divisor? O primeiro é o número de desempregados, mas como seria medido? Por amostragem, e considerando aqueles que não possuem, no momento da pesquisa, um emprego formal, com carteira assinada. Se numa residência de uma quadra de certa cidade foi constatado um desempregado, todas as quadras da cidade têm certamente um desempregado. É o que mostra a pesquisa. O divisor é o quê? A População Economicamente Ativa -- PEA, um dado macroeconômico que calcula a parcela da população adulta, a partir de 14 anos de idade, dedicada a atividade de trabalho remunerado não-institucional (os militares e religiosos, por exemplo, não entram no cálculo).
Para que se considere alguém desempregado, ele deve estar ativamente procurando ocupação remunerada. Se não declarar isto, o pesquisador não o computará como desempregado e também será desconsiderado no contingente da força de trabalho. Como a pesquisa é pontual, isto é, feita num determinado instante, há inúmeras variações tanto no número que compõe o dividendo quanto o divisor. Além disso, os economistas consideram impossível, mesmo sob condição de pleno emprego, reduzir a taxa abaixo de 3% ou mesmo 4%. Isto significa que, pela metodologia adotada, deveria ser considerado real desemprego o que superasse esse nível.
A volúpia estatística, ou a falta de confiança nos dados do IBGE, faz com que outros órgãos públicos e privados também forneçam índices ou números absolutos de desemprego. A Fundação Seade, o Sine, o Dieese têm seus índices, todos discordantes por diferenças metodológicas. A Fiesp divulga mensalmente o número de demissões na indústria paulista. A Caixa Econômica Federal conta os empregados que estão levantando seu FGTS.
Sem confiança nos dados oficiais e nos métodos de apuração, os números do desemprego flutuam ao sabor de interesses casuísticos. Pela taxa de desemprego de 7,25%, o número total de desempregados no Brasil estaria entre cinco e seis milhões.
Divulga-se com insistência que apenas a Região Metropolitana de São Paulo teria 1,4 milhão de desempregados. Ora, tal número corresponderia a duvidosos 10% de toda sua população!
Ainda em números absolutos, as estatísticas de desemprego, quando divulgadas setorialmente, parecem mais alarmantes. Desde 1990, com a automação, racionalização dos serviços e redução dos ganhos da ciranda financeira com a inflação, os bancos teriam cortado metade dos empregos, algo entre 700 mil e um milhão de postos de trabalho. A concorrência dos importados, segundo outras notícias, fez sumir 700 mil empregos da indústria têxtil, 30% do total. Pesquisa realizada pelo Dieese para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC detectou redução de 90 mil operários na base territorial, ou 35%, entre 1989 e 1995.
A indústria de autopeças anunciou corte de 40% no total de empregados desde a abertura econômica, a partir de 1992, ou seja, 145 mil empregos. Acompanhando as matérias da revista Exame desde 1991 sobre os sucessivos movimentos redutores de pessoal nas empresas -- reestruturações, downsizing, reengenharia -- somam-se os números declarados pelas empresas reportadas e chega-se a cifras que beiram 300 mil postos de trabalho eliminados.
As reduções aconteceram de fato, mas será que atingiram, realmente, os números noticiados? E, efetivamente, provocaram desemprego? Ou a mão-de-obra liberada foi absorvida em outras empresas, em outros setores? E em que proporção? Disto nada se fala. Entretanto, estimativas do IBGE para o PIB de 1995, recentemente divulgadas, apontam extraordinário crescimento do setor terciário, do comércio e serviços, que já representam mais de 50% de toda riqueza produzida no País. Será tão extraordinária a produtividade desse setor, que sustenta seu crescimento sem aumentar a força de trabalho? Não há estatísticas oficiais, ou não se quer revelá-las. Porém, o quadro real mostra uma grande força de trabalho empregada no setor.
Um novo hipermercado emprega diretamente de 500 a 700 pessoas, sem contar lojas e lanchonetes alugadas no conjunto. Nos últimos cinco anos, apenas o Carrefour abriu mais de 20 novos hipermercados. O Wal-Mart, recém-chegado em 1995, inaugurou dois num mesmo mês e outros dois no ano seguinte. Um shopping center com 400 lojas emprega mais de cinco mil pessoas no comércio, praça de alimentação, segurança, manutenção, limpeza e outros serviços. Mais de 40 novos shoppings foram inaugurados desde 1990, em todo Brasil. E o turismo, com hotéis, resorts e pousadas, agências de viagem, transportadoras, parques e atrações? E o setor de saúde, atendido pela iniciativa privada? No Primeiro Mundo, o setor terciário já atinge 70% do PIB e contribui com até 80% dos empregos.
A mão-de-obra liberada de um setor é certamente realocada em outro. Isso aconteceu nas décadas de 40 a 70, com o contingente rural migrando para as cidades e absorvido em maior parte pela indústria. Está agora acontecendo com os serviços reempregando os demitidos da indústria. A terceirização foi um significativo fruto dos movimentos redutores de pessoal empregado nas indústrias. Mas um porteiro da Volkswagen, registrado e incluído na categoria dos metalúrgicos, foi demitido e seu lugar ocupado por funcionário de uma empresa de segurança. Houve desemprego? E um mecânico de manutenção da Rhodia demitido, com seus serviços contratados por uma empresa terceirizada? A terceirização tornou-se tão intensiva que já se criam empresas (e empregos) para administrar os terceiros, a chamada quarteirização!
Além disso, há visível movimento migratório do emprego. Indústrias saídas do Grande ABC e relocalizadas no Interior de São Paulo e em outros Estados desempregaram aqui e empregaram lá. Juntando a menor oferta de emprego nas grandes regiões metropolitanas e a deterioração da qualidade de vida, já se detectou não apenas a parada do movimento migratório do Interior para as Capitais, como retorno de parte da população destas para cidades médias do Interior brasileiro. Estatísticas do IBGE, sempre com atraso, já começaram a mostrar essas transformações demográficas. Outros sintomas são visíveis. No Grande ABC, São Caetano apresentou decréscimo populacional. Na Capital e em outras cidades da Região Metropolitana já é significativa a superoferta de imóveis residenciais, com baixa média de 35% nos valores de locações.
E não se pode esquecer a economia informal, que não entra nos cálculos do IBGE. Sabe-se que representa pelo menos 25% do PIB oficial. Há muitos economistas que estimam 30%. E tem empregados também informais. No Brasil, empregado é o de carteira de trabalho assinada por um empregador, deve contribuir para o INSS e declarar rendimentos ao Imposto de Renda. O pesquisador do IBGE vai aos domicílios sorteados na amostragem, exibe credencial que obriga o cidadão a atendê-lo, apanha minucioso questionário e, por cerca de 50 minutos, o preenche com infinidade de perguntas. O informante dirá que é ambulante, sua mulher costura em casa, o pai é cambista do jogo do bicho, um dos filhos é traficante de drogas e outro limpa pára-brisas num semáforo da cidade? Qual seria o resultado da pesquisa se fosse feita nos locais de trabalho?
Quais as soluções para o desemprego? Certamente, a primeira será apurar o verdadeiro índice. Porém, além de consertar o termômetro, será preciso examinar o paciente e verificar seu estado geral de saúde. As novas tecnologias, os sistemas e processos de manufatura, a informatização e automação no comércio e serviços exigem qualificações diferentes da mão-de-obra. Num País carente no aspecto educacional, certamente há desempregados que não estão habilitados para as funções requeridas: ou não as receberam na escola ou nos empregos anteriores. Então, será preciso reciclá-los, complementar a educação, além de reformular e adequar os currículos escolares. Número expressivo de empresas não mais admite empregados sem o Primeiro Grau completo. Para muitas funções é exigido curso superior, quando antes bastava o Segundo Grau. A defasagem na educação, em todos os níveis, num País com 20% de analfabetos, precisa ser superada prioritariamente.
A teoria econômica ensina que a propensão ao pleno emprego aumenta quando os salários baixam. Ora, os salários reais pagos aos trabalhadores têm decrescido, tomando-se como base o salário mínimo. De outra parte, é comum os desempregados se reempregarem por salário menor. Como, então, o emprego não aumenta? Acontece que a legislação paternalista da Era Vargas, a demagogia eleitoreira e o movimento sempre reivindicatório dos sindicatos operários causaram inchaço dos custos não salariais da mão-de-obra. Para R$ 1 pago de salário por hora efetivamente trabalhada, R$ 1,20 são gastos com encargos trabalhistas, previdenciários e contribuições parafiscais -- ou 120%. É muito: nos Estados Unidos é de 38%, no Japão 27%, na Europa varia de 35% a 65%, na Coréia e outros Tigres Asiáticos é quase inexpressiva tal incidência.
Serão mesmo benefícios sociais? Não, com certeza, se causam retração no nível de emprego. Isto é parte do Custo Brasil detectado pelo ministro Pedro Malan. São necessárias reformas constitucionais e legislativas, as quais não se obtêm por conflitos entre os poderes Executivo e Legislativo e, agora também, com discordâncias do Judiciário.
A falta de realismo cambial, mantendo artificialmente valorizado o Real, inibe as exportações, reduzindo o emprego nas indústrias exportadoras. E, por sua vez, favorece as importações, exportando empregos. Não é o caso de refrear as importações, sobretaxando produtos estrangeiros. Isto sempre provoca retaliações, em que só perdemos. Décima economia do planeta, o Brasil participa com menos de 1% do comércio internacional. Faltam-nos maior agressividade nas negociações de troca, realismo cambial e uma política de estímulo aos setores exportadores daquilo em que somos realmente competitivos.
Os passos do governo central no estímulo e defesa de nossos mercados de exportação são tímidos e erráticos. O Mercosul favorece mais nossos parceiros. As exportações argentinas para o Brasil superam as que o país vizinho faz para o enorme mercado norte-americano. E estes parceiros estão sempre a exigir mais, oferecendo menos. Não temos quem nos ajude nas exportações, nem nos defenda dos entraves, sobretaxas, cotas e retaliações. Para isto, os Estados Unidos possuem, em mais de 100 órgãos ligados às exportações, mais de 50 mil funcionários de impecável preparo, sem contar o pessoal de suas empresas multinacionais.
A mesma teoria econômica prescreve que o investimento produtivo é inibido com taxas de juros altas. As nossas, embora algo reduzidas este ano, situam-se ainda em níveis absurdos. É outra parte importante do Custo Brasil, porém não reconhecida pelo governo como fator de recessão e redutora do nível de emprego. Será mesmo que o Plano Real não se sustenta com taxas de juros mais baixas? Se são mantidas altas para não expandir o consumo, elevando os preços e a inflação, o aumento da demanda de bens e serviços não estimularia o investimento produtivo, aumentando a oferta e equilibrando os preços? Ou novos empregos gerariam renda que consumiria toda a produção adicional? Não confere!
Os condutores da política econômica é claro que entendem de economia. O que não dizem é o verdadeiro motivo das taxas de juros serem mantidas altas: a dívida interna, sempre crescente, e que precisa ser rolada mensalmente à custa de empréstimos (e confiscos) do setor privado. Falta o resto do Plano Real: reduzir o tamanho do Estado, acelerar as privatizações, reduzir o quadro, adequar salários e benefícios do funcionalismo público, sanear o déficit das contas, traçar e cumprir uma política de estabilização monetária com crescimento, e não com estagnação.
Nada disso foi especificamente tratado na reunião ministerial convocada pelo presidente em março, alarmado com o índice de desemprego e certamente preocupado com sua reeleição. Dos itens listados, quase todos tratam de medidas e programas já estabelecidos e que ou não funcionaram, ou sequer foram implementados. O resto é verdadeira perfumaria, como a determinação para o IBGE estender pesquisas de desemprego a mais regiões do País.
Há estimativas de que o investimento necessário para criar cada novo emprego industrial é de US$ 50 mil. Pode ser, em algum caso de indústria bastante intensiva de capital. Mas não é o que se observa nas médias, pequenas e microempresas. A revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios publica mensalmente apanhado de 15 negócios, indústrias, comércio e serviços. Pois a relação média entre investimento (máquinas, equipamentos, veículos, capital de giro) e empregados necessários é de US$ 5 mil. Empresas deste porte empregam cerca de 60% de toda mão-de-obra. O Banco do Brasil fez programa de demissões voluntárias e parte dos demitidos aplicou o dinheiro da indenização em negócios próprios. O índice de investimento por emprego gerado foi o mesmo e também os ex-bancários continuaram empregados, agora deles próprios.
Há programas de financiamentos governamentais para pequenas e microempresas fomentando a geração de emprego. Quem conseguiu obter tais empréstimos? Para garantir R$ 24 mil, foi exigida de um microempresário hipoteca de imóvel com valor 10 vezes superior. Quanto o Governo Federal enterrou no Proer e com quais garantias de retomar aquele dinheiro? Uma indústria do Grande ABC tenta há mais de ano obter recursos de financiamento do BNDES para expansão (com geração de mais empregos e impostos). Pois seu projeto está aprovado, mas o contrato não pode ser assinado porque o INSS não lhe concede certidão negativa de débitos. Um fiscal deste Instituto fez autuação totalmente descabida, da qual a empresa teve de recorrer ao próprio órgão, cuja burocracia não se move. E os bilhões de reais devidos e não recolhidos ao INSS por grandes e poderosas empresas, muitas ainda inadimplentes com financiamentos oficiais? Não é injusto exigir tanto de quem está disposto a investir e gerar empregos?
Há mais reformas em pauta e necessárias, como a tributária, que precisam ser feitas sem mais delongas. O Brasil é hoje, dos países emergentes, o que mais motiva o interesse do capital estrangeiro em aqui investir. E na produção de riquezas, não na especulação financeira. Temos todas as condições de atrair esse capital e fixá-lo. Faltam apenas as reformas constitucionais e legislação complementar que nos livrem das amarras do passado e nos lancem na verdadeira economia deste final de século. Com investimentos nacional e estrangeiro, os empregos que faltam virão na medida suficiente e para isto precisamos preparar devidamente a mão-de-obra. E estará afastado de vez o fantasma do desemprego, nem sequer sendo necessária sua medição!
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?