Economia

Cooperação, senha
para sobreviver

DA REDAÇÃO - 05/07/1998

No começo de junho último, 14 empresários portugueses da região do Porto visitaram várias fábricas de autopeças do Brasil, entre as quais Uliana de Rio Grande da Serra, Barile de São Caetano e Metalúrgica Irene de Diadema, além das plantas da Ford, Volkswagen, Mercedes-Benz e General Motors no Grande ABC. Também estiveram no Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e conheceram números sobre o País e suas autopeças. Seria mais uma visita oficial de rotina, dessas em que se trocam gentilezas entre nações-irmãs ou amigas, se por trás não houvesse o empenho obstinado do empresário Paulo Butori, tripresidente do Sindipeças, em transformar em parceria toda e qualquer aproximação sinalizada de fora. 


Já são sete entidades congêneres, de várias partes do mundo, que aceitaram fazer dobradinha com o Brasil sob a forma de cooperação, todas focando objetivo comum: auxiliar as empresas -- sobretudo pequenas -- na dura sobrevivência sob a lei da competitividade imposta pela globalização. Os Sindicatos empresariais se propõem a promover e estimular organizações desses países que queiram fazer negócios na forma de jointventures, fusões e aquisições, três modalidades que têm dado o tom da reestruturação empresarial em todo o mundo. Paulo Butori não sabe avaliar quantas das associações e compras de fabricantes brasileiras de componentes, nos últimos anos, são fruto da aproximação promovida pelo Sindipeças. Mas tem claro o diagnóstico de que, sem parceria internacional, não há como tornar globais as pequenas autopeças nacionais: "Há vantagens para os dois lados, já que conhecemos profundamente nosso mercado e quem vem de fora geralmente domina mais tecnologia" -- diz. 


Já foram fechados acordos com a americana Mema (Motor & Equipment Manufactures Association), a japonesa Japia (Japan Autoparts Industries Association), a canadense APMA (Automotive Parts Manufacturers Association), a francesa Fiev (Federation des Industries des Equipements pour Vehicules), a alemã VDA (Verband Der Automobilindustrie) e a portuguesa Afia (Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel). Em maio último a Espanha reforçou o time, por meio da Sernauto (Asociasión Española de Fabricantes de Equipos y Componentes para Automoción). 


As ações têm sido incansáveis. Em junho, enquanto a missão de portugueses conhecia detalhes sobre as autopeças brasileiras, o Sindipeças fazia caminho inverso e enviava seu assessor para contatos internacionais, José Carlos Coimbra, até Portugal para fazer o mesmo, acompanhado de diretores da Afia. Na mesma época, Paulo Butori esteve em Detroit, nos Estados Unidos, falando à Câmara Regional de Negócios daquela região, que representa 11 mil empresas. Pouco antes, em abril, Butori foi ao Canadá participar da Annual Conference and Exhibition da APMA, em Ontário, onde estavam 110 fabricantes locais de autopeças.


Pode parecer ultrapassado, mas a máxima de que a união faz a força veste roupa nova no caso do Sindipeças. Butori lembra que a APMA representa 400 empresas canadenses e a espanhola Sernauto é porta-voz da terceira indústria de componentes automotivos da Europa. As autopeças da Espanha movimentam US$ 18 bilhões em produção por ano, 50% dos quais exportados. "Temos experiência de muitas décadas no processo de globalização" -- diz o presidente da Sernauto, José Antonio Saceda, referindo-se à troca de conhecimentos que os espanhóis podem oferecer, já que há 10 anos viveram igual processo de fusões e aquisições pelo qual passa o Brasil.


Desnacionaliza -- Há pelo menos oito anos, desde que a abertura comercial do ex-presidente Fernando Collor começou a varrer vários setores nacionais, Paulo Butori se empenha em forrar caminhos para tratados comerciais que amenizem a força da globalização econômica sobre a atividade que representa, até então densamente ocupada por pequenas empresas genuinamente brasileiras. O esforço do Sindipeças não tem poupado o setor de sacrifícios como fechamento de fábricas e desnacionalização. Eram cerca de 1,3 mil autopeças no início da década, mil há dois anos e menos de 600 hoje. Eram 288,3 mil empregos há 10 anos; são 181 mil hoje. Da base fabril, 16,9% estão no Grande ABC.


Gigantes como Metal Leve, Cofap, Freios Varga e mais recentemente Stevaux e Nakata sucumbiram diante do poder de fogo dos grupos estrangeiros em recursos financeiros e domínio de tecnologias mais avançadas. Estudo concluído ao final do ano passado pelo Sindipeças mostra que o capital estrangeiro passou a dominar as autopeças no Brasil, com 60,1% de participação, contra 48,1% em 1994. Com o alarme tocando alto a partir da abertura comercial, Paulo Butori vislumbrou que, sozinhas, os horizontes ficariam limitados às autopeças brasileiras, daí ter partido para a busca de parcerias entre entidades classistas de todos os países que, direta ou indiretamente, participam da arena globalizante. Sua luta é tentar romper no Brasil uma tendência que desembarcou com força: a prioridade de grupos estrangeiros à importação, em lugar de investimentos em produtos e novas tecnologias nacionais. "As fusões e aquisições, até agora, não foram para as empresas se complementarem, já que muitos itens brasileiros desapareceram" -- lamenta. É que fatalmente as fusões acabam em incorporações; ou seja, a grande absorve a pequena e não preserva marca nem linhas de peças, como constatam consultores especializados.


A grande questão é que as montadoras de veículos ditam as regras da internacionalização econômica, comprando de onde for mais barato. Com a inovação dos consórcios modulares -- em que os próprios fornecedores de peças, chamados sistemistas, montam conjuntos inteiros de veículos dentro da própria automobilística --, estão cada vez mais estreitos os atalhos para pequenos fabricantes nacionais. A consultoria KPMG calcula que, em âmbito mundial, não mais que 20 sistemistas globais estarão atendendo diretamente às montadoras. Butori acrescenta que, no Brasil, apenas 40 dos cerca de 500 fabricantes de autopeças terão esse status, concentrando 80% do faturamento do setor na virada do século. 


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