Sete meses depois da reportagem de capa Quem salva os pequenos negócios, publicada na edição de LivreMercado de fevereiro deste ano, e na semana seguinte à distribuição da edição de agosto, que traz o artigo Quem olha para os pequenos na coluna Campo Aberto, finalmente uma voz do setor empresarial do Grande ABC decidiu alinhar-se pela reestruturação dos empreendedores de pequeno porte da região. Trata-se de Filipe dos Anjos Marques, ex-presidente e hoje membro do conselho superior da Acid (Associação Comercial e Industrial de Diadema), além de membro do Fórum da Cidadania. Filipe dos Anjos Marques anunciou proposta de Plano Diretor Regional para o Grande ABC. "Seu objetivo é criar condições para que o pequeno varejo da região concorra em pé de igualdade com as lojas de shoppings e as grandes redes" -- afirmou à reportagem do Diário do Grande ABC na edição de 9 de agosto.
O Plano Diretor sugerido pelo dirigente de Diadema consistiria de projeto para prover os centros dos Municípios da região com estrutura de equipamentos -- para segurança, conforto e facilidade de acesso --, de programas de marketing e de atrações culturais que atraiam consumidores às lojas de rua aos domingos.
A origem da iniciativa de Filipe dos Anjos Marques é a reportagem de fevereiro desta revista, assinada pelo jornalista Daniel Lima. "O império do salve-se quem puder domina os pequenos negócios do Grande ABC sem que autoridades públicas e lideranças da livre-iniciativa se movam de forma minimamente interessada. Cada novo grande empreendimento comercial ou na área de prestação de serviços que aporta na região, muitos dos quais em reformadas instalações de indústrias que debandaram, é recepcionado com entusiasmo e ufanismo só reservados aos heróis de guerra. É a indispensável modernidade que chega. As pompas variam, mas são geralmente pródigas do Poder Público, que concede facilidades de instalações de olho no bolo de receitas de impostos, muito mais concentrados e, portanto, mais fáceis de fiscalização" -- afirmou o jornalista na abertura da reportagem.
Alguns dos trechos da matéria que reforça a capacidade desta publicação de antecipar-se permanentemente na proposição de ações regionais:
"E os pequenos e tradicionais comerciantes de rua e prestadores de serviços, estimados em perto de 40 mil pontos de negócios? A cada nova inauguração de hipermercado, supermercado, grandes redes de autopeças, de móveis e de material de construção, o pequeno empreendedor amarga retração no caixa e engrossa a lista de mortalidade empresarial".
"Poucos detectaram os percalços entre pequenos varejistas dos centros comerciais históricos, dos corredores econômicos dos bairros e também, ou principalmente, das periferias".
"A legislação de uso e ocupação do solo é permissiva o suficiente para canibalizar os negócios não só diante da chegada de empreendimentos gigantes como também pela multiplicação desordenada, desorganizada e desesperada dos pequenos. A nordestinação dos negócios na região é realidade cada vez mais palpável. Entenda-se como nordestinação o fenômeno da abertura de pequenos empreendimentos principalmente por parte de desempregados da indústria. Garagens de veículos transformam-se em mercearias, bares, lanchonetes, pizzarias, locadoras de fitas de vídeo, açougues, cantinas".
"Só há um ano o Poder Público da região abriu espaço para secretarias voltadas à área econômica, as quais se têm dedicado a megatemas locais e regionais, não a especificidades do mercado comercial. As entidades de classe, às voltas com universo de prestação de serviços que possam mantê-las de pé, não reúnem forças, estratégia e nem ressonância para ações de integração de comerciantes e prestadores de serviços endemicamente individualistas, voltados para seus próprios umbigos, até porque a maioria desconhece ou negligencia instrumentos metodológicos frutíferos".
"Os pequenos negócios sofrem com o processo de seletividade dos consumidores, mas não se unem. E nem contam com o estímulo organizacional de autoridades públicas e entidades de classe, que se limitam a incursões óbvias, muitas vezes pirotécnicas".
"O Grande ABC sem porteiras legislativas para os mega-empreendimentos segue a trilha de descaso do próprio País, que não confere aos pequenos um mínimo de atenção que extrapole aspectos puramente econômicos. A sociologia da ocupação sem regras do comércio varejista e de prestadores de serviços é matéria-prima abundante para pesquisadores preocupados em diagnosticar desarranjos pessoais e familiares derivados de incursões nos negócios que não contam com a rede de proteção de informações amplas e de preparação plena. Algo que tanto os Executivos públicos locais como entidades empresariais poderiam realizar em conjunto".
"Entre as medidas emergenciais que poderiam ser tomadas -- e quem teria coragem para tanto, já que o imediatismo impera? -- estaria reservada legislação menos condescendente para com o grande comércio, que se instala em zonas privilegiadas arrebentando, em muitos casos, o já caótico sistema de trânsito".
"Quando se sabe que todos os prefeitos lutam na surdina para levar para seus Municípios novos e bem nutridos empreendedores, oferecendo-lhes facilidades burocráticas com as quais nem sonham os pequenos varejistas e prestadores de serviços, é acreditar em Papai Noel esperar qualquer iniciativa que estabeleça regras de convivência que não agravem a exclusão social de um País em que o Estado sempre enfiou os pés pelas mãos".
"A luta desigual entre pequenos negócios e grandes organizações é notória distorção do livre-mercado, o qual evidentemente prescinde de normatização mínima, voltada para aparar os abusos".
"Até quando autoridades públicas, dos Executivos e também dos Legislativos do Grande ABC, bem como lideranças de entidades comerciais, vão assistir a esse circo de horrores, cujos espetáculos de desagregação social e familiar são corriqueiros?
"Profissionais de pesquisa e de marketing varejista podem reforçar uma campanha conjunta de Prefeituras e entidades de classe para estabelecer metas de curto, médio e longo prazos que aplaquem o quadro de carnificina comercial por que passa a região, cujo círculo vicioso de quebras que dão lugar a novas quebras é agravado pela criminalidade crescente, notadamente na periferia".
Sete meses depois dessa reportagem, cujo texto completo está à disposição dos leitores por meio da Internet (livremercado@.com.br), a edição de LM distribuída na primeira semana de agosto último reunia artigo do colunista Daniel Lima retomando o tema sob o título Quem olha para os pequenos? Alguns trechos:
"Deslumbramos todos com os aportes de novos e luminosos investimentos em forma de shoppings, de grandes redes de supermercados e de franquias milionárias, mas deixamos escapulir pelo vão da prudência legislativa combinação de mecanismos que pudesse evitar que a região se tornasse sumidouro de projetos, dinheiro e ilusões. Principalmente de pequenos empreendedores".
"O Grande ABC já cristalizou processo de canibalismo empresarial no setor comercial e de serviços cujo desenlace não está distante da carnificina econômica e da brutalidade social".
"Até quando as autoridades públicas que tanto proclamam o inerente papel coordenador do Estado na economia assistirão de camarote a esse show macabro de orfandade explícita?".
"Os megainvestimentos que aportam na região poderiam ter sido monitorados por legislações de uso e ocupação do solo que não agredissem a capacidade de sobrevivência dos pequenos negócios. Também poderiam ter contrapartidas técnico-operacionais, reservando-se valores financeiros para financiamento de grupos de trabalho que tivessem como norte a capacitação dos empreendedores e o estímulo à formação de cooperativas de atividades assemelhadas, de forma a promover a inflexão estrutural desses negócios".
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