Economia

Precisamos de um
Anhembi. Urgente!

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/09/1998

Com setor industrial debilitado por motivos que vão da evasão de muitos anos à mais recente descentralização produtiva da indústria automobilística, que opta por instalar novas plantas em regiões onde os custos de produção são mais baixos e que apresentam melhor qualidade de vida e infra-estrutura, o  Grande ABC precisa acordar se não quiser continuar à margem de um mercado rico, promissor, e que representa a musculatura mais forte do setor de serviços nos países mais avançados do mundo: o chamado turismo de eventos, braço da indústria de entretenimento, formado pelo incremento econômico que gravita ao redor de feiras, congressos, convenções e exposições.


Pesquisa divulgada recentemente pela Association Meetings mostra que o turismo de eventos movimenta anualmente cerca de US$ 430 bilhões nos Estados Unidos, dos quais US$ 83 bilhões em feiras, exposições, congressos e convenções. Ou seja, os reflexos diretos e indiretos na economia americana atingem metade do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. No Brasil, os números são mais modestos, mas não menos instigantes. Direta e indiretamente, o turismo de eventos fatura anualmente em São Paulo o equivalente a US$ 2,8 bilhões e é responsável pelo recolhimento de US$ 110 milhões em impostos, de acordo com estudos da Fipe/USP. 


O Grande ABC, dono do terceiro mercado potencial de consumo do Brasil e responsável por respeitável parte da arrecadação nacional de impostos, participa pouquíssimo dos dividendos movimentados pelo mercado de turismo de eventos. Não é necessário grande esforço imaginativo para descobrir o porquê. A região simplesmente não dispõe de espaço adequado para acolher feiras de médio porte, muito menos eventos de grandes proporções como uma Fenit ou uma Fenasoft, cujos reflexos em toda a cadeia produtiva são ainda mais positivos. Triste ironia, até o pouco que existia foi cortado. O Pavilhão Vera Cruz, muito distante do ideal mas comumente utilizado na falta de alternativa melhor, está voltando às origens cinematográficas da década de 50 e já não serve para feiras. Moral da história: inerte diante da necessidade de criar um centro de exposições e convenções nos moldes dos melhores do Brasil, que seja amplo, bem iluminado e ventilado, com vasto estacionamento, restaurante e outros complementos de bem-estar que agradam e cativam o público ao mesmo tempo em que acenam como alternativa para grandes promotores internacionais, o Grande ABC fecha os olhos para um dos setores mais pujantes do mundo civilizado.


Globalização -- O Grande ABC já está perdendo, mas vai perder muito mais se continuar negligenciando a necessidade urgente de construir espaço que lhe permita ingressar na rota das feiras de grande e médio portes. Quem duvidar disso só precisa acompanhar um pouco do que está acontecendo no setor. O turismo de eventos é verdadeiro caldeirão em ebulição no Brasil. A globalização econômica  que mudou a feição das companhias nacionais de autopeças, têxteis, calçados, bancos e outros matizes produtivos atinge em cheio também o mercado das promotoras de feiras, congressos e atividades afins.


Desde o ano passado, gigantes internacionais têm invadido o mercado brasileiro de feiras e congressos, seja incorporando empresas líderes como a Miller Freeman fez com a Lemos Brito, seja associando-se, como ocorreu entre a Messe Frankfurt e a Guazzelli, ou tornando-se parceiras em determinados eventos, como a Reed fez com a Cipa e a Alcântara Machado com os promotores da Cosmoprof para realização da tradicional Cosmética. Assim, o mercado brasileiro está recebendo empresas que promovem sozinhas, mundo afora, a quantidade de feiras que o Brasil inteiro sedia por ano. A exemplo do que aconteceu na indústria automobilística, que saltou de produção inferior a um milhão de veículos no início dos anos 90 para dois milhões no ano passado, o bolo do mercado de feiras e eventos também fermenta ao ritmo de novos investimentos. Já são realizadas cerca de 400 feiras de médio e grande portes por ano no Brasil e esse número significa apenas sombra do que virá a ser, segundo especialistas. Portanto, o ditado popular Antes tarde do que nunca cai como terno feito por alfaiate à realidade regional. 


O argumento de que a proximidade geográfica com a Capital paulista poderia inviabilizar o sucesso e o retorno financeiro do investimento em um centro de exposições na região, e de que não seria recomendável concorrer com centros tradicionais instalados em São Paulo, não passa de falácia. É justamente por estar relativamente próximo de pavilhões como Anhembi, Bienal e Center Norte, entre outros, que o Grande ABC tem probabilidade de emplacar como berço de grandes feiras. Esses centros vivem com programação lotada. Grandes promotores se engalfinham por encaixe na agenda, de modo que um espaço alternativo, desde que bem estruturado, seria beneficiado por demanda natural. "A quantidade de locais para feiras, congressos e convenções duplicou em São Paulo nos últimos 10 anos, incluindo os espaços que foram criados na rede hoteleira para eventos menores. Um sinal de que há espaço para outros grandes centros é que vivem sempre cheios" -- afirma Armando Arruda Pereira, assessor da diretoria da Ubraf (União Brasileira de Promotores de Feiras). Com sede em São Paulo, a Ubraf representa 32 empresas em todo o País. 


Na frente -- Razão adicional que impele à criação de área planejada para feiras e convenções é que outras regiões estão se antecipando. Curitiba inaugura em outubro o Expo Trade, anunciado como o mais moderno e um dos maiores centros de convenções, feiras e exposições do Brasil. Instalado em 268 mil metros quadrados de área total, o Expo Trade é um empreendimento da Royal Paraná, braço do Grupo Atacadão, especializado em distribuição de alimentos, que vislumbrou bom negócio em transformar o antigo Shopping dos Pinhais em palco para feiras e convenções nacionais e internacionais. 


O material de divulgação do Expo Trade dá o tom do senso de oportunidade. "Num momento em que o eixo Rio/São Paulo encontra-se congestionado, com estruturas de eventos com calendários tomados até o ano 2005, com hotéis lotados e tráfego e acesso aéreo congestionados, a Royal Paraná, prevendo as oportunidades de novos negócios que surgirão com a descentralização rumo ao Sul do País, verdadeiro epicentro do Mercosul, inaugura em outubro próximo o Expo Trade objetivando atender ao desenvolvimento de um mercado de R$ 100 milhões de consumidores que responde por movimento de perto de R$ 1 trilhão(...)".  O Expo Trade será inaugurado com show e já tem a primeira feira confirmada, entre outras em negociação: será em setembro de 1999 com o setor madeireiro e promovida pela Miller Freeman. 


Situado a oito quilômetros do aeroporto e a nove do centro de Curitiba, o Expo Trade tem configuração modular que lhe permite sediar exposições de tamanhos variados. O pavilhão A tem 8.208 metros quadrados, o B tem 6.180 e o C mede 12.240 metros. Os três podem ser utilizados em conjunto ou separadamente, totalizando área total coberta de 28.960 metros quadrados. Há ainda um centro de convenções com capacidade para 1,9 mil participantes, área pavimentada para estacionamento  com 46.268 metros quadrados, além de infra-estrutura que abrange gerador próprio, cabines telefônicas, posto médico, sistema de som ambiente, áreas para instalação de restaurantes, lanchonetes e cafés, uma plataforma para carga e descarga com capacidade para até 22 caminhões simultâneos e, na entrada, um hall de 864 metros com bilheterias e recepção dos eventos. As linhas condutoras de eletricidade, telefonia e abastecimento de água para os estandes foram projetadas e assentadas em canaletas aéreas dispostas sobre a laje do forro para garantir flexibilidade no layout dos expositores. Nem detalhes como demarcação específica para carros, ônibus e caminhões no estacionamento foram relegados. Ultrapassado na estrada econômica do setor automobilístico por uma região que já conta com Volvo, Renault, Chrysler, BMW e Audi/Volkswagen, e que dividirá com o Estado de São Paulo a posição de maior produtora de automóveis até o ano 2000, como prevêem os especialistas, o Grande ABC é visto pelo retrovisor de Curitiba no segmento de turismo de eventos. 


Efeito dominó -- Trafegar em marcha lenta na direção do turismo de eventos é descuido que leva a perdas econômicas em efeito dominó. De acordo com a Organização Mundial de Turismo, o turismo de eventos beneficia, além do filão representado pelos próprios expositores, outros mais de 50 setores da economia. É um genuíno importador de divisas. Os motoristas de táxi transportam mais passageiros, os restaurantes e lanchonetes intensificam o preparo de pratos para os turistas, as reservas nos hotéis aumentam, o fluxo nas lojas engrossa; enfim, até as vendas de pipoca e cachorro-quente crescem nos carrinhos da esquina. O turismo de negócios representa uma das melhores soluções dentro do setor de serviços para contrabalancear a natural diminuição da importância das indústrias como empregadoras nas sociedades mais avançadas. 


De quebra, um centro de exposições na região fomentaria a realização planejada e sistemática de feiras menores protagonizadas por expositores regionais. A Infotec 98, feira de informática e tecnologia sob responsabilidade da Diferencial Comunicação e Eventos, será realizada em outubro num galpão improvisado da Vila Pires, em Santo André, no lugar de um desativado kartódromo. A diretora Rosângela Oliveira acaba de  transferir a empresa de São Paulo para Santo André e se espanta com as dificuldades de uma região que ainda não tem intimidade com a promoção de feiras e convenções. "É tudo muito difícil, desde a instalação temporária de linhas telefônicas até a contratação de empresas especializadas em montagem de estandes, que não existem por aqui" -- desabafa. Rosângela trabalhou numa multinacional do setor durante três anos, antes de criar sua própria empresa, há dois anos.


A 55ª Feira do Sindicato das Indústria de Móveis de São Bernardo, que reuniu 48 expositores e milhares de visitantes de 20 a 30 de agosto, também é emblemática da ausência de infra-estrutura. A bem da verdade, os pavilhões da antiga tecelagem Elni e Agesbec  estão muito aquém do potencial e da relevância nacional do evento. Ainda que o presidente Hermes Soncini seja grato à Prefeitura de São Bernardo pela oportunidade de utilizar o espaço na impossibilidade de ocupar o Pavilhão Vera Cruz. Se foi sucesso em condições adversas, imagine se realizada num local à altura?


Outro evento genuinamente regional e que só não ganha mais altitude devido à ausência de um verdadeiro centro de exposições é a feira de informática promovida pela Welcome de São Bernardo. A quinta edição que acontece de 14 a 22 de novembro no estacionamento do Shopping ABC, com o título Informática e Telecomunicações 98, só não vai renuir mais do que 60 expositores por absoluta falta de espaço físico, desabafa o diretor Walter Moura Júnior. "A segunda e a terceira edições, realizadas na Vera Cruz, tiveram respectivamente 100 e 120 expositores. O número caiu para 80 na quarta e 60 na atual porque não foi possível utilizar o local" -- comenta. Como o evento organizado pela Welcome, outros poderiam brilhar mais se contassem com palco adequado, como as Feiras do Circuito das Malhas e das Águas, recentemente improvisadas nos corredores do Best Shopping, e a Feira da Mamãe e do Bebê, no Golden Shopping.


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