Está difícil abrir um atalho para criação de empregos com a maioria das empresas brasileiras em chamas e a economia mundial refém dos apostadores financeiros globais. Manter empregos, ao que parece, é o máximo que a situação permite, mesmo assim por meio de receitas diferentes. Enquanto representantes trabalhistas insistem em reduzir jornadas sem mexer em salários e benefícios agregados como caminho mais curto para não adensar o exército de desempregados, executivos de empresas acham que a fórmula está em trabalhadores mais produtivos e corte de custos onde for necessário. "É claro que ninguém advoga redução de salários. Aumentá-los, entretanto, não é mais possível como antes" -- sublinha Walter Trigo, gerente de Relações Trabalhistas da Ford Brasil e um dos debatedores reunidos no mês passado pelo Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior), de São Caetano, para falar sobre Novos Paradigmas nas Relações Trabalhistas.
O cenário é particularmente problemático para o Grande ABC, onde as montadoras, que dão o tom da economia local, têm baixa automação e folhas de pagamentos avantajadas em relação aos Estados onde novas automobilísticas estão se instalando, mais enxutas na estrutura e no contingente trabalhista, cita Trigo. Enquanto um trabalhador custa às fábricas da Ford em São Paulo (Capital, São Bernardo e Taubaté) R$ 33 mil em média por ano, um funcionário exige da Fiat mineira R$ 19 mil no período, exemplificou. Cada veículo Ford traz embutidos no preço final R$ 1.496 de salário, enquanto um carro Fiat tem R$ 754 de folha de pagamento. Em São Bernardo, onde há 129 robôs, um carro é montado em 46 horas e cada trabalhador produz 38 unidades/ano. Na Espanha, onde também são montados o Fiesta e o Ka e a fábrica possui 538 robôs, um carro é acabado em 21 horas e a produtividade de cada funcionário é de 57 veículos/ano.
"Se os trabalhadores não ajudarem a Ford Brasil com mais competitividade, melhor qualidade e custos menores, a fábrica perde negócios e deixa de empregar" -- falou Trigo. Apesar da eloquência dos números, o executivo da Ford foi comedido na exposição, já que a linha síndico-trabalhista predominou entre os sete debatedores, casos do deputado Jair Meneguelli (PT), do tesoureiro nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Remígio Todeschini, do consultor de empresas Ademar Ceiteiro e do professor da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), Mário Sérgio Salerno.
Quando mencionou a necessidade de menores custos, Walter Trigo dividiu o peso dos salários com os encargos pendurados na forma de 13º, FGTS, INSS, férias e sistema S, além de benefícios com saúde, educação e transporte subsidiados ao trabalhador. "Como a fábrica da Ford na região é antiga e a rotatividade é baixa, a maioria dos trabalhadores está no topo salarial, o que mantém a folha alta" - afirmou. Também citou a infra-estrutura viária problemática da região e o ainda pouco competitivo Porto de Santos como outros fatores que incham o Custo ABC. E disse que a Ford não relutaria em não pagar 13º e participação nos lucros, como chegou a cogitar a Volkswagen, caso isso salvasse empregos. "Trata-se de suspender temporariamente alguns direitos, não de eliminá-los definitivamente" -- arrematou.
O que mais preocupa o executivo da Ford é a invasão de novas marcas no Brasil, de olho no Mercosul. Serão 16 produtores para um mercado potencial de apenas três milhões de veículos/ano da América do Sul, o que daria 176 mil veículos para cada montadora. Na América do Norte, comparou Trigo, há 20 fábricas para um potencial de 15 milhões de veículos/ano, o que confere escala de 700 mil unidades para cada montadora. "Não sei quem vai comer quem, mas a questão custo vai pegar" -- sublinhou.
Com ele concordou o diretor de Recursos Humanos da Philip Morris, Sérgio Piza. Entre as alternativas para reduzir o impacto da queda da rentabilidade das empresas está, a seu ver, o aumento da produtividade dos funcionários, investimentos em novas tecnologias e negociações dentro do maior espaço aberto para flexibilizar contratos de trabalho. A Philip Morris, dona da RJ Reynolds Tabaco, Q-Refresco e Lacta e que se inclui na queda de 5% nas receitas que o setor de bens de consumo não-duráveis deve ter este ano, tem buscado amortizações em expedientes como contratações por períodos sazonais, disse Piza.
Fim do TRT -- Remígio Todeschini e Jair Meneguelli acham que não é possível passar a limpo a relação capital-trabalho sem que as negociações diretas ganhem preferência sobre a envelhecida CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e a Justiça do Trabalho perca seu poder de baixar normas, impedindo o que chamam de esgotamento do diálogo entre as partes. Também acreditam que não se enfrentam períodos de borrasca no emprego com flexibilização da lei. "O contrato temporário de trabalho não criou um único emprego até agora, já que as empresas não são loucas de ter trabalhadores diferenciados nos quadros. A nova Medida Provisória que suspende o emprego é, na verdade, uma demissão temporária. O salário não pago durante cinco meses rende nos bancos e, ao final do período, cobre a indenização com as demissões" -- falou Meneguelli. Sua proposta de não-interferência dos poderes Executivo e Judiciário nas negociações empregado-empregador inclui projeto de lei que extinguiria os tribunais do Trabalho no País.
O diretor da consultoria Relacional, Ademar Ceiteiro, acha não ser preciso tanto. Ele manteria a CLT, com a ressalva de que negociações diretas e convenções tenham primazia. "É só criar lei dizendo: vale a CLT, salvo acordo". E limitaria a Justiça do Trabalho a seu verdadeiro papel, que é julgar, não criar leis determinando o que deve prevalecer entre empresas e trabalhadores. Ceiteiro fez apologia de sindicatos fortes. "Não podemos temer conflitos. Diferenças são importantes para fazer crescer estruturas econômicas e sociais".
Remígio Todeschini, da CUT, disse temer que a flexibilização dos contratos trabalhistas precarizem a situação do emprego. Citou que a explosão do setor de serviços criou trabalhos 24 horas, como em supermercados, cartões de crédito e teleatendimentos 0800, o que, a seu ver, remete o trabalhador ao século passado, de jornadas de 12 a 16 horas sem direitos como repouso semanal e lazer. A onda de fusões e aquisições incentivada pela economia global, segundo Todeschini, agrava a tendência de rebaixamento dos direitos trabalhistas e de cortes de empregos, na medida em que concentra negócios e renda.
"O único bloco econômico no mundo que coloca o emprego no centro das preocupações é a Europa Ocidental da social-democracia. É preciso criar mecanismos que incentivem empregos mesmo com o sacrifício da política econômica, com estão fazendo os europeus" -- afirmou, citando o acordo da Europa unificada para implantação de 35 horas semanais e a decisão da França pelas 32 horas a partir de 2002. Segundo a CUT, no Brasil, se a jornada semanal baixasse de 44 para 40 horas semanais, emergiriam 3,5 milhões de novos empregos formais. A CUT quer uma reflexão principalmente sobre incentivos à produção. "É engano achar que a tecnologia que desemprega na indústria é amortecida pelas vagas nos serviços. Enquanto a General Motors ocupa 700 mil pessoas no mundo, a Microsoft dá emprego a apenas 14 mil".
Nem mesmo a modernização de métodos de gestão e processos tem sido aliada do emprego. Francisco Marcondes, gerente de Marketing da Sandvik do Brasil, disse que o fim do velho formato de chefia, em que as regras eram impostas unilateralmente, abriu perspectivas para modelo mais participativo dos funcionários. Mas estreitou as oportunidades no mercado, já que se acabaram as vagas para gerentes, encarregados e chefes.
Marcondes tocou no papel da educação e capacitação como ferramentas indispensáveis àqueles que querem estar bem colocados no mercado. Fez ressalvas, porém, à carga técnica da maioria dos cursos, que não oferecem visão mais abrangente ao profissional. "Falta visão humana nos estudos. Todo mundo sai perito das escolas, mas sem saber como usar o homem para ser mais competitivo" -- ensina.
Para Mário Salerno, professor da USP, algumas inovações chegam a comprometer a qualidade do emprego. Empresas que adotaram o modelo taylorista reciclado, como ele chamou, padronizaram tudo: método de trabalho, tempo de atendimento e modo de o funcionário se comportar. "O empregado é avaliado se estourou ou não o tempo de atendimento ao cliente, não se atendeu bem" -- ilustrou. No modelo do trabalho grupal, em que são prescritas regras e metas coletivas de produção, qualidade e acertos por setores ou grupos, há relaxamento da pressão individual. Mas há exageros, a seu ver, quando se chega ao ponto de o grupo ter de decidir quem vai demitir quem ou punir quem por não se atingir os objetivos.
O terceiro modelo em voga, de níveis hierárquicos extremamente reduzidos, segundo o professor da USP trouxe como contrapartida a multiplicação de exigências nem sempre correspondidas. "Este grupo tem bastante autonomia para gerar orçamento, atender clientes e recusar mercadorias. Só que está submetido à lei: assumam riscos, tenham flexibilidade, mas se responsabilizem pelas consequências" -- diz.
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