Economia

Isso ainda vai dar
pano pra manga

TUGA MARTINS - 05/01/1999

Desde 18 de novembro representantes de montadoras, concessionárias, governo e trabalhadores dedicam horas às propostas de incremento do setor automotivo, em especial à de renovação da frota nacional de veículos combinada com reciclagem. O estrelato do assunto nesse período não ocorreu por acaso. Em agosto do ano passado, a Portaria 92 do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo estipulou prazo de 90 dias para que o governo federal montasse projeto envolvendo todos os segmentos para criar o Programa Brasileiro de Reciclagem, que inclui a veicular. De imediato, Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores) e AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva) uniram conhecimentos e interesses. "Pelo projeto, a indústria automotiva entraria com a identificação de produtos novos, ou seja, assumiria o compromisso de produzir carros 80% recicláveis até 2005, e a AEA seria responsável pela elaboração da parte técnica dos Centros de Desmontagem e Reciclagem, os CDRs" -- afirma Edmir Mesz, coordenador da subcomissão de Fontes Fixas da Anfavea. Legislação francesa similar impõe 2002 como data limite para que os veículos sejam 90% recicláveis.

Enquanto a proposta da Anfavea se atinha à produção de unidades novas cujos componentes seriam 80% recicláveis, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC apresentou idéia de tirar de circulação e enviar para reaproveitamento de veículos com mais de 15 anos. Isso significa cerca de 5,5 milhões de veículos, um terço dos 18 milhões que compõem a frota nacional. Não há como negar que houve impacto. Logo depois das primeiras discussões, o presidente da Anfavea, José Carlos Pinheiro Neto, já destinava às montadoras a responsabilidade sobre a reciclagem. Propôs bônus de troca do carro velho pelo novo e insistiu na tecla da renúncia fiscal dos governos estadual, com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), e federal, por meio do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado), como meio de viabilizar o programa. Pinheiro Neto estima que o custo dos centros de reciclagem seja de US$ 300 a US$ 600 por veículo. No mercado de sucata, a tonelada é comercializada em média por US$ 50.

A sugestão sindical chegou ao Palácio dos Bandeirantes escorada em estudo elaborado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) e em experiências semelhantes que tiveram sucesso em outros países, principalmente na Itália, onde, mesmo com redução tributária, o governo registrou alta de arrecadação. "Este assunto foi tratado pela primeira vez em 1993 na Câmara Setorial, mas não teve continuidade" -- lembra o presidente do sindicato, Luiz Marinho. 

Indagações -- Os números apresentados no estudo estão bem próximos dos obtidos pelo INST (Instituto Nacional de Segurança no Trânsito). Levantamento aponta que 90% da frota com idade acima de 15 anos seriam retirados de circulação quando reprovados pelo Programa de Inspeção de Segurança Veicular, instituído pela Resolução 809 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) e em vigor desde 1º de janeiro. Este índice representa cerca de 4,5 milhões de veículos cujos valores de mercado não justificariam gastos para se ajustar às normas. 

Restam algumas questões: em que parte do plano a livre iniciativa teria lucro? Que garantias de emprego teriam os trabalhadores? Onde seriam instalados os CDRs (Centros de Desmontagem e Reciclagem)? E quem vai absorver o material proveniente da desmontagem?

Até o apagar das luzes de 1998, estava pré-definido entre as partes apenas que o programa envolveria somente modelos nacionais com mais de 15 anos; que o desconto calculado para a troca do carro velho pelo zero quilômetro poderia chegar a R$ 1,7 mil, e que, desse montante, R$ 300 seriam bancados pela Anfavea, R$ 700 pelo governo federal e outros R$ 700 pelo estadual. A Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) não aceitou arcar com desconto de R$ 300 no preço final e deixou de participar das negociações. As discussões não trataram das garantias de empregabilidade sugeridas pelo sindicato da categoria e tampouco das linhas de financiamento.

É certo que existem conversas adiantadas, mas ainda confidenciais, com siderúrgicas e empresas recicladoras de plástico e vidro. A Gerdau abstém-se de comentários sobre o assunto, embora não esconda que fomenta rede de seis mil fornecedores de sucata, gerando 60 mil empregos. Com 10 unidades espalhadas pelo País, uma das quais em Santo André, a Gerdau chega a reciclar dois milhões de toneladas de sucata por ano. É a maior recicladora de ferrosos da América Latina. Possui equipamentos de ponta, como o Shreder, que tritura e limpa materiais metálicos aprontando para o reaproveitamento. "Usiminas e Cosipa também despontam como bons parceiros para reciclagem" -- destaca Luiz Marinho, que defende a construção dos CDRs por meio de pool das empresas.

Fiat na frente -- Mas ainda não há consenso suficiente entre Anfavea e Fenabrave e sequer entre as próprias montadoras. Tanto que a Fiat entregou proposta em separado ao governo federal. Como aos olhos das empresas qualquer iniciativa tem de dar lucro, a Fiat de Betim, Minas Gerais, organizou no pátio da indústria ilha ecológica onde mensalmente transforma a produção de 16 mil toneladas de resíduos em dinheiro. A montadora obtém receita de R$ 25 milhões por ano com a venda de madeira, chapas de aço, limalha de ferro, cavacos de ferro fundido, isopor, plástico e outros materiais que sobram da fabricação de 2,2 mil carros por mês. As cifras parecem nada diante dos US$ 7,4 bilhões faturados em 1997, mas estampam 16% do lucro de US$ 153 milhões no balanço daquele período.

A possibilidade de ter nova modalidade geradora de recursos e empregos tem assanhado prefeituras, que começam a expor esforços para atrair os CDRs para dentro dos limites municipais. Com esse ímpeto, o prefeito de São Bernardo, Maurício Soares, que acumula a função de presidente do Consórcio Intermunicipal e de coordenador da Câmara Regional, encaminhou ao governador Mário Covas carta de intenções na qual credencia o Grande ABC para abrigar o projeto pioneiro de CDR. "Estamos fazendo levantamento de áreas públicas e privadas que possam acolher o projeto" -- afirmou o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Fernando Longo.

Antes do burburinho em torno da reciclagem e renovação da frota, alguns atores interessados no processo de reciclagem veicular apontavam a Volkswagen de São Bernardo como endereço interessante para abrigar um CDR. Passado o processo de automação, a fábrica da Via Anchieta ficaria com áreas ociosas, porém cabíveis ao projeto de reciclagem. A empresa não se pronunciou a respeito.

Dinheiro verde -- Estudo norte-americano estima que 94% dos veículos que saem de circulação são absorvidos pela indústria de reciclagem nos Estados Unidos. Desse montante, 75% do material são reaproveitados e os 25% restantes acabam em aterros sanitários. Dados da Automotive Recyclers Association (Associação de Recicladores Automotivos) apontam que a indústria de reciclagem processa mais de 11 milhões de veículos por ano somente nos Estados Unidos, salva 85 milhões de barris de óleo para reuso, movimenta anualmente US$ 5 bilhões em vendas e emprega mais de 40 mil pessoas em mais de sete mil empresas.

Desemprego estrutural, queda no consumo -- as concessionárias registraram baixa de quase 11% nas vendas no ano passado -- e aumento dos impostos são mais que suficientes para consolidar a angústia de montadoras e trabalhadores do setor brasileiro que observa a boa desenvoltura do dinheiro verde. Todos os vetores têm pressa por alternativa que fomente a produção. Afinal, a indústria automobilística produziu em novembro passado pouco mais de 84 mil veículos, o pior resultado desde janeiro de 1993, quando 76,36 mil unidades saíram da linha de montagem. Pelos cálculos da Anfavea, 1998 fechou com produção de 1,6 milhão de veículos.

Outro número significativo é que pela primeira vez nos últimos 25 anos o total de empregos da indústria automotiva ficou abaixo dos 100 mil. Em 12 meses, as fábricas guilhotinaram cerca de 10 mil postos de trabalho. Em número de empregos, o setor voltou aos índices de 1973, quando as montadoras fabricavam 750 mil veículos e fecharam o ano com 96 mil funcionários. Em 1998, as empresas produziram mais que o dobro com quase o mesmo número de trabalhadores. A redução do número de empregados se deve ao aumento da produtividade garantido pelos novos processos de produção e automação das linhas de montagem. 



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