Economia

Todas as honras
vão para o Paraná

DA REDAÇÃO - 05/02/1999

O tom da reportagem do Jornal Nacional da TV Globo repetiu-se com abrandamento na forma impressa do material de divulgação da Volkswagen/Audi, fábrica inaugurada em 18 de janeiro último em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba. Resumidamente, tanto a TV Globo quanto a assessoria da nova montadora de veículos transmitiram a mesma mensagem: o novo pólo automotivo do Paraná é um divisor de águas na história da indústria automobilística brasileira: será mais competitivo que o do Grande ABC por adotar as melhores tecnologias mundiais em seus produtos e processos de produção. Além disso, a fabricação de carros médios, em falta no mercado brasileiro, e as possibilidades de exportação vão contribuir para o êxito das montadoras locais. 


O desenho desse cenário nada cor-de-rosa para o Grande ABC não é novidade para quem acompanha LivreMercado. Há muito tempo esta publicação alerta autoridades públicas, lideranças políticas, sociais, empresariais e sindicais sobre o aprofundamento do esvaziamento econômico que atinge a região, historicamente na dependência da indústria automotiva. Exatamente num momento em que se cristalizam mobilizações para recuperar a imagem local, criando-se inclusive a Agência de Desenvolvimento Econômico, espécie de braço estratégico e de marketing da Câmara do Grande ABC, dissemina-se numa mídia de alcance nacional, como o jornal das 20h da Globo, uma realidade que esta publicação propaga há pelo menos seis anos na tentativa de despertar reações. 


Por enquanto, entretanto, como prova e comprova o relacionamento entre capital e trabalho nas montadoras instaladas na região, objetivamente nada se fez para tentar minimizar os efeitos da inescapável quebra do quadro de trabalhadores que atuam não só nas empresas que produzem veículos, mas também nas autopeças e em toda a vasta cadeia indiretamente alimentada pelo setor. 


Recentemente, acabou frustrada uma tentativa de acertar ponteiros atrasados desde que o chamado novo sindicalismo imprimiu outros rumos nas relações entre empresas e empregados na região. O Grupo Automotivo da Câmara do Grande ABC não passou de um sopro de esperança de que finalmente seria dado tratamento de choque ao Custo ABC gerado pelas chamadas conquistas históricas dos trabalhadores metalúrgicos. Um elenco de privilégios, exposto em Reportagem de Capa de LivreMercado (Quem vai Desativar a Bomba Sindical?), continua a predominar. O sindicalismo não abre mão de vantagens que outras categorias jamais sonharam conquistar e as empresas, cada uma a seu modo, vão se moldando ao desequilíbrio entre o custo da mão-de-obra na região e em outras localidades do País enxugando gradativamente o quadro de trabalhadores. Cada vez mais, com isso, a legião de desempregados inchará o mundo dos excluídos. 


Sucesso paranaense -- Para o professor da Fundação Getúlio Vargas José Roberto Ferro, especialista em indústria automobilística e coordenador do estudo Paraná Automotivo -- Progressos em 1998, citado pela Assessoria de Imprensa da Volkswagen/Audi como analista do quadro de confronto entre o novo pólo e o Grande ABC, as montadoras paranaenses tendem ao sucesso por dois motivos: vão fabricar modelos bem-sucedidos no Exterior (o Golf, por exemplo, é o carro mais vendido na Europa há mais de 15 anos) e atingir índices de qualidade e produtividade por serem mais modernas. "Além disso -- explica Ferro -- a instalação de fabricantes de autopeças em torno das montadoras, fornecendo produtos sob o conceito de módulos, contribuirá positivamente para o novo pólo automotivo". Atualmente, 29 empresas de autopeças estão se instalando no Paraná. 


Para José Roberto Ferro, a fábrica Volkswagen/Audi será vital para a marca. "A nova unidade será um ponto de referência na história da empresa. Com a unidade, a marca poderá dar salto tecnológico, aumentar a capacidade competitiva e enfrentar os desafios de um mercado em declínio" -- disse. Com investimentos de US$ 750 milhões, a fábrica produzirá 550 carros por dia, com previsão de 150 mil a 160 mil veículos/ano após 2001. 


São José dos Pinhais é um dos maiores Municípios do Paraná, com 200 mil habitantes. Está a 14 quilômetros de Curitiba e a 75 do Porto de Paranaguá. Servido por duas rodovias federais e pelo Aeroporto Internacional Afonso Pena, sua localização é ponto de atração para a expansão das indústrias da região. O parque industrial tem nove mil empresas, que transformaram o Município em grande canteiro de obras. A Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, inaugurou um campus no Município. 


Desde o início de 1996, três montadoras iniciaram a construção de unidades no Paraná, investindo perto de US$ 3,5 bilhões. Dentro de 30 meses, quando todas essas fábricas estiverem em plena operação, 300 mil veículos, ou cerca de 20% da produção nacional de 1998, sairão da Região Metropolitana de Curitiba. Estão na Grande Curitiba, além da Volks/Audi, a Chrysler e a Renault. Mas tudo começou em 1977, quando a Volvo instalou em Curitiba uma fábrica de caminhões. Dezenove anos depois chegou a Renault com o Mégane Scenic e o Clio. Em seguida veio a Chrysler com a picape Dodge Dakota. 


Desde o início das operações, a fábrica da Volks/Audi já criou cerca de mil empregos. Até 2000, deverão ser gerados três mil novos postos de trabalho que serão ocupados principalmente por moradores da Região Metropolitana de Curitiba. A Volkswagen e a Audi firmaram convênio para capacitação de mão-de-obra com o governo do Paraná, Fiesp (Federação das Indústrias do Estado do Paraná) e Senai, criando o Centro Automotivo para treinar empregados. Mais de 30% dos funcionários contratados para a manufatura receberam treinamento nas fábricas da Audi e da Volkswagen na Alemanha. De volta ao Brasil, eles deram início à produção dos primeiros pré-série nacionais do Audi A3 e do novo Golf por meio de regime CKD (desmontados), com peças importadas. Nos 11 primeiros meses de 1998, foram gastos US$ 4,5 milhões em treinamento. 


Interação total -- Todo o processo de produção da fábrica de São José dos Pinhais está orientado para garantir o padrão internacional de qualidade do novo Golf e do Audi A3. Esse objetivo seria alcançado pela total interação entre as áreas, participação do pessoal de qualidade em todo o processo, medição de qualidade do início da montagem aos testes finais dos veículos e permanente treinamento dos operadores. O processo produtivo também foi concebido para que as tarefas sejam realizadas corretamente na primeira vez. Em completa interação com manufatura, planejamento e logística, a área da qualidade deverá ter 200 profissionais até 2000, dos quais 30% serão engenheiros de processo, responsáveis pela prevenção de problemas. 


Para permitir a integração das áreas básicas da linha de montagem, a fábrica tem layout também inédito na indústria automobilística: armação, pintura e montagem final convergem para um prédio de forma triangular, o Centro de Comunicação. 


No Centro de Comunicação, profissionais de qualidade trabalharão com equipes de outras áreas, responsáveis pelo planejamento de produção, processo logístico, processo de compras e processo financeiro. A idéia é que todos trabalhem interagindo entre si. Cada time terá membros fixos trabalhando juntos, para discutir e resolver questões relativas ao processo produtivo imediatamente. 


Além de integrarem as equipes do Centro de Comunicação, os empregados da área de qualidade atuarão diretamente nas linhas de armação e de pintura e no Ponto 8 (final da linha, onde os carros são liberados). No Centro de Comunicação também se localizam os laboratórios e salas de medidas, bem como os audits de armação, pintura e veículo final. 


Partindo do princípio de que a qualidade do produto é obtida pela estabilidade do processo, haverá medições constantes ao longo da linha de montagem para evitar desvios. Na montagem final, a linha foi projetada para o trabalho em times, com grupos de oito a 12 pessoas respondendo por diferentes partes do processo. Ao contrário das linhas convencionais, onde o montador tem pouca ou nenhuma visão da totalidade do processo, o sistema de times de trabalho aumentará o senso de responsabilidade dos operadores em relação à qualidade final do produto. 


Cliente manda -- Um processo transparente, ágil e enxuto, implantado pela logística, dará flexibilidade à produção, apesar do nível de complexidade dos automóveis fabricados na planta. O sistema permitirá que cada carro seja produzido de acordo com o pedido do cliente. Dentro do conceito de estoque zero, só entra na fábrica o material programado para a montagem de determinado veículo. A estabilidade do fluxo de material será garantida por um banco de encomendas e por sistemas informatizados de controle ao longo do processo de manufatura. Conectados a esses sistemas, os fornecedores recebem os pedidos, assegurando as entregas das peças no momento exato em que são necessárias na linha de montagem. 


Outra medida adotada pela VW/Audi para simplificar a cadeia logística foi a adoção de parcerias. Uma empresa especializada será a operadora logística, monitorando o processo de transporte das peças importadas, enquanto outra será o parceiro transportador, responsável pela logística de materiais nacionais. Esses componentes serão recolhidos diretamente nas fábricas, ou reunidos num Centro de Consolidação, em São Paulo, e transportados para a fábrica.


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