Minha desconfiança não era infundada: São Caetano é o caso mais grave de vulnerabilidade do emprego industrial com carteira assinada entre os 20 maiores municípios do Estado de São Paulo que integram o G-22 (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra constam do agrupamento exclusivamente por pertencerem à região e a Capital Paulista é excluída da lista).
Quando arrisquei na última semana que São Caetano deveria ser recordista de fragilidade industrial não pensem que poderia quebrar a cara. Estava certo de que dificilmente outro endereço municipal de porte teria registrado 40% de demissões líquidas de trabalhadores do setor entre janeiro de 2015 e dezembro de 2017, os três anos mais terríveis da economia nacional em todos os tempos.
Fui à luta no feriado prolongado e constatei, ao mexer e ao remexer nos dados brutos do Ministério do Trabalho, que não há a menor sombra de dúvida: o prefeito José Auricchio Júnior não pode deixar passar em branco uma devassa completa nos dados que a Prefeitura detém para entender o que aconteceu (ou estaria acontecendo) com São Caetano. Uma enfermidade que levaria ao colapso, em alguns anos, todo o ecossistema de qualidade de vida gerada por recursos orçamentários.
Mesmo com uma tímida recuperação no efetivo de trabalhadores em geral, inclusive de trabalhadores industriais, nesta temporada, o que se passou com São Caetano foge completamente da normalidade. Daí a importância de entender o que é estrutural e o que é circunstancial.
Cadê o Clube dos Prefeitos?
É espantoso que (agora vamos regionalizar o assunto) o Clube dos Prefeitos não tenha tido sensibilidade para entender o que aconteceu nos três anos finais do governo petista e do governo tampão (que se completa este ano) do emedebista Michel Temer.
O que quero saber -- e todo mundo minimamente responsável pensa a mesma coisa -- é a identificação criteriosa de motivos que levaram São Caetano (de forma extraordinária) e a região (menos intensamente, mas também muito preocupante) a passar três temporadas seguidas de desastre no emprego industrial e não ter reagido institucionalmente.
Nesse período não faltaram análises deste jornalista, identificando e repetindo velhas questões que impactam em cheio a economia regional (e por extensão a sociedade desorganizada como um todo), mas o que assombra a mim e agora provavelmente a todos são os dados de São Caetano.
Perder um contingente de 40% dos trabalhadores industriais em três anos, muito, mas muito acima da média dos 20 maiores municípios do Estado, como mostramos na tabela abaixo, é demais. Demais, demais.
Não custa nada repetir (e vou cobrar medidas nesse sentido, mesmo que seja apenas e exclusivamente para encher o saco dos dirigentes de São Caetano, diante de eventual desinteresse em tomar pulso da situação) que o prefeito José Auricchio Júnior precisa convocar um grupo especial para se debruçar sobre os dados disponíveis e identificar todos os pontos dessa destruição em massa de empregos.
Hora da USCS trabalhar
Para que serviria o USCS (Universidade Municipal de São Caetano) com o recentemente anunciado grupo de acadêmicos que inauguraram um departamento de estudos e análises, produzindo textos variados, se não for para intervir em favor do Município?
Só o fato de os acadêmicos reunidos em torno desse departamento não terem observado o estrondo da quebra industrial de São Caetano já é suficiente para causar estupefação. O que estariam fazendo esses acadêmicos que não enxergam um elefante de complicações na sala-de-estar?
Vou insistir numa lógica que é irrebatível: a Secretaria que trata de finanças e planejamento de São Caetano pode enxergar com clareza o movimento de impostos recolhidos em vários setores de atividades e verificar sem margem de erro as oscilações mais gravemente agudas que ajudariam a explicar por que houve tamanha quebra de empregos.
Já revelamos em matérias passadas que São Caetano e a região como um todo perderam parte substantiva do PIB Industrial durante as últimas décadas. E inclusive durante os últimos anos. Trata-se de uma constatação macroeconômica, por dizer assim. Mas há condições (em todos os municípios) de acompanhar atentamente as mudanças de rota a cada temporada.
Realidade nua e crua
Não desaparecem quase 11 mil empregos industriais com carteira assinada em apenas 36 meses porque supostamente um dragão pré-histórico invadiu São Caetano e escolheu justamente os trabalhadores da indústria de transformação como vítimas. A realidade nua e crua é latente: o Município mais rico da região está numa encruzilhada da qual precisa desvencilhar-se, ou mitigá-la, desde que vá à luta e entenda que não se trata de um bicho-papão ficcional a atormentá-la.
Não sei até que ponto estou malhando em ferro frio, porque quando a temática é economia as prefeituras da região são uma lástima de inoperância estratégica que se estende ao Clube dos Prefeitos.
Mas, porque é um Executivo que já demonstrou responsabilidade com o futuro da cidade, quem sabe José Auricchio Júnior decida atender ao reclamo informativo deste jornalista. Ou seria uma questão ultrassecreta cuja quebra de sigilo incorreria supostamente em desencanto geral com efeitos danosos?
As quatro divisões
Dividi os 20 municípios do G-22 (repito que Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires entram apenas para completar o time da região, porque não têm individualmente condições de competir com os demais e estariam muito além do centésimo lugar numa classificação econômica estadual) e cheguei à conclusão (a tabela será revelada logo abaixo), que São Caetano é o caso mais dramático dos três anos de recessão genuinamente petista à frente do governo federal. São Caetano é extraclasse no ranking de vulnerabilidade do emprego industrial. Ocupa a liderança de forma avassaladora.
O segundo grupo de vulnerabilidade é composto por municípios entre 20% e 30% de vulnerabilidade. Um grupo formado em ordem de fragilidade por Santos, Osasco, Santo André, Diadema, Sorocaba, São Bernardo e Campinas. Notem a presença de três municípios da região entre os sete da lista.
No agrupamento em que a vulnerabilidade se situa entre 10% e 20% de perda de emprego industrial no período estão Jundiaí, Taubaté, Guarulhos, Barueri, Ribeirão Pires, São José do Rio Preto, Mauá, São José dos Campos, Mogi das Cruzes e Ribeirão Preto.
Na quarta divisão, de vulnerabilidade abaixo de 10% de destruição de empregos industriais entre janeiro de 2015 e dezembro de 2017 estão Piracicaba, Rio Grande da Serra e Sumaré. Paulínia, na região de Campinas, é um caso à parte: é o único Município do G-22 que chegou a dezembro de 2017 com mais trabalhadores industriais do que três anos atrás.
Não custa lembrar que São Caetano é o quadro mais dramático do G-22 não só porque perdeu 40% dos trabalhadores industriais no período, mas também porque teve a média salarial do setor rebaixada em 26,84%, mesmo sem considerar a inflação do período, de 19,62% pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Santos se junta a São Caetano na perda de assalariamento médio no setor.
Veja o quadro completo do comportamento do emprego industrial com carteira assinada do G-22 no período analisado.
1. São Caetano perdeu 40,00% -- eram 26.410 em dezembro de 2014 contra 15.844 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 3.922,66 para R$ 2.869,89, com queda de 26,84.
2. Santos perdeu 28,60% -- eram 7.410 em dezembro de 2014 e passou para 5.291 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 3.976,41 para R$ 2.630,46, com queda de 33,85%.
3. Osasco perdeu 27,45% -- eram 21.120 em dezembro de 2014 e passou a 15.321 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 3.585,25 para R$ 3.903,38, com aumento de 8,87%.
4. Santo André perdeu 26,85% -- eram 33.439 em dezembro de 2014 e passou para 24.460 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 3.662,41 para R$ 4.154,23, com aumento de 13,43%.
5. Diadema perdeu 24,87% -- eram 53.028 em dezembro de 2014 e passou para 39.838 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 3.084,26 para R$ 3.638,23, com aumento de 17,96%.
6. Sorocaba perdeu 23,59% -- eram 65.011 em dezembro de 2014 e passou para 49.673 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 3.519,83 para R$ 4.281,53, com aumento de 21,64%.
7. São Bernardo perdeu 20,55% -- eram 92.211 em dezembro de 2014 e passou para 73.259 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 4.799,10 para R$ 5.839,72, com aumento de 21,68%.
8. Campinas perdeu 20,43% -- eram 64.127 em dezembro de 2014 e passou para 51.023 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 3.661,82 para R$ 4.223,61, com aumento de 15,34%.
9. Jundiaí perdeu 18,24 – eram 49.916 em dezembro de 2014 e passou para 40.810 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 3.585,93 para R$ 4.337,90, com aumento de 20,97%.
10. Taubaté perdeu 18,09% -- eram 23.392 e passou para 19.161. Salário médio nominal passou de R$ 4.021,79 para R$ 5.172,32, como aumento de 28,60%.
11. Guarulhos perdeu 17,20% -- eram 102.996 em dezembro de 2014 e passou para 85.272 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 3.293,17 para R$ 3.910,19, com aumento de 18,74%.
12. Barueri perdeu 16,39% -- eram 32.495 em dezembro de 2014 e passou para 27.170 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 3.517,78 para R$ 4.260,92, com aumento de 21,12%.
13. Ribeirão Pires perdeu 16,21% -- eram 7.968 em dezembro de 2014 e passou para 6.676 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 2.617,12 para R$ 2.992,87, com aumento de 14,35%.
14. São José do Rio Preto perdeu 14,93% -- eram 22.655 em dezembro de 2014 e passou para 19.272 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 1.998,46 para R$ 2.405,19, com aumento de 20,35%.
15. Mauá perdeu 14,48% -- em 24.099 em dezembro de 2014 e passou para 20.610 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 3.410,71 para R$ 4.007,27, com aumento de 17,49%.
16. São José dos Campos perdeu 12,50% -- eram 42.485 em dezembro de 2014 e passou para 37.175 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 5.813,36 para R$ 6.476,88, com aumento de 11,41%.
17. Mogi das Cruzes perdeu 12,40% -- eram 17.949 em dezembro de 2014 e passou a 15.723 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 3.002,86 para R$ 3.321,29, com aumento de 10,60%.
18. Ribeirão Preto perdeu 12,25% -- eram 24.775 em dezembro de 2014 e passou para 21.739 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 2.739,02 para R$ 2.786,10 com aumento de 1,72%.
19. Piracicaba perdeu 8,18% -- eram 41.132 em dezembro de 2014 e passou para 37.767 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 3.300,85 para R$4.012,08, com aumento de 21,55%.
20. Rio Grande da Serra perdeu 5,49% -- eram 1.567 em dezembro de 2014 e passou para 1.481 em dezembro de 2017. Salário médio passou de R$ 2.505,51 para R$ 2.665,69, com aumento de 6,39%.
21. Sumaré perdeu 2,04% -- eram 18.792 em dezembro de 2014 e passou para 18.408 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 5.457,74 para R$ 5.859,49, com aumento de 7,36%.
22. Paulínia ganhou 4,78% -- eram 10.655 em dezembro de 2014 e passou para 11.190 em dezembro de 2017. Salário médio nominal passou de R$ 5.090,41 para R$ 6.961,62, com aumento de 36,76%.
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