Parece trecho do Samba do Criolo Doido, composto pelo imortal Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta). Em São Bernardo, enquanto a indústria corre contra o tempo para se salvar da defasagem tecnológica, a Administração Pública realiza programas de qualidade que a situam cada vez mais próxima da excelência. Em Campinas, onde se estão instalando indústrias de informática e telecomunicações que são ilhas de excelência em tecnologia de ponta -- e a corrida é para se antecipar ao futuro --, a Prefeitura está tão atrasada no tempo que parece ser operada por computador a lenha acionado a manivela.
A exposição dos paradoxos e discrepâncias entre iniciativas públicas e privadas faz sentido. São Bernardo e Campinas estão inscritas no PNAFM (Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e Fiscal dos Municípios Brasileiros), financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) com apoio do governo federal. O programa prepara municípios para modernizar e racionalizar procedimentos de atendimento e arrecadação para que passem a dispor de mais recursos para investimentos. O conceito é transformar a Administração Pública em eficiente prestadora de serviços, reconhecendo no contribuinte que paga impostos um usuário com direito de ser bem atendido.
Por estarem no mesmo barco, as administrações das duas cidades resolveram estabelecer ponte para trocar experiências. Campinas está na frente de São Bernardo na captação dos recursos do programa porque é um dos três municípios paulistas especialmente convidados pelo BID -- os outros são Santos e Limeira, que desistiu. É bastante provável que as duas cidades recebam verbas simultaneamente até o fim do ano. São Bernardo foi ágil em detectar a oportunidade e se inscreveu rapidamente no programa do BID, por intermédio do Ministério da Fazenda. Campinas já confirmou que receberá R$ 22 milhões. Quantia idêntica ou aproximada deve ser destinada ao Município do Grande ABC.
O ágil e o lento -- São mais do que óbvios os motivos que geraram discrepâncias administrativas e tecnológicas nas administrações públicas de São Bernardo e Campinas. Assustada com o envelhecimento do parque industrial, a Prefeitura de São Bernardo percebeu a importância de ser ágil na busca de soluções. Afinal, é preciso investir em qualidade para mudar cultura ultrapassada, abrir frentes de arrecadação e preparar-se para avanços prometidos para o próximo século. A Prefeitura de Campinas corre contra o tempo porque acomodou-se na riqueza tecnológica que o Município começou a gerar nos anos 90. Em síntese: esqueceu de transferir para a gestão pública o modelo de modernidade das empresas privadas.
São Bernardo e Campinas aguardam os recursos do BID com expectativas diferentes. A cidade do Grande ABC desenvolve há 14 meses programa de qualidade para se ajustar à norma internacional de serviços ISO 9002. Ações elementares acabaram com filas nos balcões públicos, como ajuste do horário das agências do Banespa e da Nossa Caixa que funcionam no Paço ao expediente da Prefeitura e fim da burocracia. Munícipes com impostos atrasados, que no passado desistiam de regularizar a situação após horas de infortúnio nas filas, agora são atendidos com rapidez, com consequente aumento da arrecadação municipal. "Mau atendimento é problema crônico na Administração Pública. Balcão sempre foi uma barreira para o munícipe. Acabamos com o balcão" -- diz o secretário de Administração de São Bernardo, Lázaro Roberto Leão.
Com 650 mil habitantes, São Bernardo prepara outra boa novidade para contribuintes ávidos por bom atendimento: será a primeira cidade do Estado de São Paulo a incorporar serviços municipais ao Poupatempo -- escritório criado pelo governo para concentrar originalmente toda a prestação de serviços estaduais, como emissão de documentos e regularização fiscal. A administração de São Bernardo está avançada na área de informática e isso significa que todos os setores da Prefeitura fazem da troca de informações expediente para agilizar a qualidade e obter resultados.
Quando estiver de posse dos recursos do PNAFM repassados pelo BID, São Bernardo vai investir mais em reformas de instalações para aumentar a qualidade dos serviços, da consolidação do Código Tributário Municipal e a atualização dos cadastros mobiliário e imobiliário -- leia-se ISS (Imposto sobre Serviços) e IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). O Código Tributário, criado em 1982, recebeu tantas emendas que acabou se transformando numa colcha de retalhos que precisa ser racionalizada.
Sem comunicação -- A Prefeitura de Campinas vive situação caótica há mais de um ano, com greves e protestos de servidores públicos que estão com salários atrasados. Walter Kufel Jr., secretário municipal de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, reconhece que é delicada a situação do Município de quase um milhão de habitantes. "Todo o dinheiro que entra no caixa é destinado imediatamente ao pagamento de servidores. Mais de dois terços do orçamento da cidade (em torno de R$ 650 milhões, o mesmo de São Bernardo) estão comprometidos com salários do funcionalismo. A Prefeitura está simplesmente sem dinheiro para investir. O pouco que sobra dá para, no máximo, manter o patrimônio e pagar contas básicas" -- diz o secretário. São Bernardo, que paga melhores salários que Campinas, compromete 44% da receita com folha de pagamento.
É certo que o caos circunstancial complica as atividades da Prefeitura de Campinas. Mas somente a crônica falta de visão da classe política pode justificar o fato de a Administração Pública da cidade que possui a segunda maior e melhor universidade do País (Unicamp) apresentar décadas de defasagem tecnológica. Ao contrário de São Bernardo, que concentra mais de 60% da matriz do orçamento no repasse de impostos -- principalmente ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) --, Campinas depende em 70% da arrecadação municipal com IPTU e ISS. A maior cidade do Interior de São Paulo teria de contar, obrigatoriamente, com administração mais moderna que a de São Bernardo para engordar os cofres públicos. Mas os computadores de secretarias e órgãos instalados no histórico e imponente Palácio dos Jequitibás, sede do governo campineiro, não se conversam.
Enquanto São Bernardo perde arrecadação em períodos de recessão econômica, quando diminui o repasse de impostos, Campinas deixa de arrecadar por ineficiência. A inadimplência nos pagamentos de IPTU chega a 50% na maior cidade do Interior paulista, afirma o secretário Kufel Jr. "Parte do calote pode ser atribuída à crise e ao desemprego, mas a maior parcela é da ineficiência da máquina arrecadadora. Campinas está na Idade da Pedra em informática e esse é um problema seríssimo" -- enfatiza o secretário municipal.
O problema é tão sério que os cadastros mobiliário e imobiliário de Campinas são operados manualmente. O último levantamento aerofotogramétrico realizado no Município data de 1984, quando a ocupação urbana era muito menor que a atual. Já São Bernardo realizou recentemente levantamento fotográfico aéreo de toda a extensão territorial. O procedimento é base de dados fundamental para o cadastro municipal. "Além de desatualizados, os dados de Campinas não são adequadamente controlados por causa da falta de informatização. Estamos perdendo R$ 30 milhões por ano" -- diz Kufel Jr. "Há casos em que o contribuinte interessado em saldar a dívida aguarda até seis meses pelos cálculos da Prefeitura".
O executivo público diz que mais da metade dos R$ 22 milhões do PNAFM serão aplicados em minucioso levantamento aerofotogramétrico de Campinas. "Vamos abrir concorrência internacional" -- informa. O restante dos recursos será utilizado em programas de informatização e redesenho da Prefeitura. "É preciso acabar com a estrutura atual, que tem elevado grau de vícios, está deformada e cristalizada. A Administração Pública de Campinas precisa ser toda remontada e isso precisa ser feito urgentemente" -- acentua Kufel Jr.
O BID assina neste mês convênio com o governo federal para iniciar os repasses do PNAFM, que devem somar US$ 1,1 bilhão. Na primeira fase serão contemplados 70 municípios brasileiros, mas o Ministério da Fazenda já anunciou disposição de estender o programa para mais 1,1 mil cidades. O PNAFM foi criado depois que BID e governo federal constataram a dificuldade de os municípios criarem novas formas de gestão de recursos públicos sem cenário inflacionário. Antes do Real, em 1994, parte substantiva das receitas municipais era constituída de aplicações no mercado financeiro.
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