Economia

Sem Celso Daniel, região perde
espaço para a vizinha Barueri

DANIEL LIMA - 13/12/2018

O prefeito de Santo André e titular do Clube dos Prefeitos não estaria feliz se vivesse e olhasse para a vizinha Barueri, a Oeste da Região Metropolitana de São Paulo. O petista Celso Daniel sonhava com uma Santo André e uma região notabilizando-se pelo desenvolvimento tecnológico na área de serviços, que abrange quase uma centena de atividades. 

Numa entrevista especial que fiz com o prefeito em março de 2001, e publicada no mês seguinte na revista LivreMercado, ele expressou essa perspectiva. 

Quase duas décadas depois os sete municípios da região comem poeira de Barueri. Aparentemente é um caminho sem volta. Perdemos o bonde de uma alternativa econômica que substituiria gradualmente a asfixia da dependência exagerada da indústria de transformação, que bate em debandada a cada temporada. Entre 2011 e 2015 perdemos quase 40% do PIB Industrial. 

Perdemos, perdemos e perdemos porque não contamos com gestores públicos atualizados e atentos. 

Celso Daniel morreu 10 meses depois daquela entrevista e, desde então, a região jamais contou com um substituto à altura. Substituto à altura? Seria exigir demais. Não tivemos um prefeito sequer que ousasse se aproximar de Celso Daniel na capacidade de entender o presente e decifrar o futuro econômico da região. 

Menor e mais eficiente

Celso Daniel não criou à toa o Clube dos Prefeitos, a Agência de Desenvolvimento Econômico e a Câmara Regional do Grande ABC. Celso Daniel estava anos-luz à frente de antecessores e sucessores regionais.  

A síntese de uma tragédia anunciada pode ser explicitada com os seguintes números: o Grande ABC de 2,8 milhões de habitantes contava no ano passado com receitas provenientes do ISS (Imposto Sobre Serviços) de R$ 1.047.108 bilhão. Barueri de 280 mil habitantes (10 vezes menos, portanto), gerou em arrecadação do tributo um valor praticamente igual: R$ 1.029.664 bilhão. 

A corrida tecnológica fez Barueri moderna, que contrasta com o setor de indústria de transformação semelhante ao do Grande ABC. Grandes empresas de serviços com forte inserção tecnológica se instalaram na parte nobre de Barueri, o distrito planejado de Alphaville. Recorreu-se inicialmente à guerra fiscal, mas a consolidação da atividade veio ao longo dos anos. Barueri é uma ilha de prosperidade quando comparada com o Grande ABC. E está a poucos quilômetros daqui, do outro lado da Região Metropolitana. 

Mais precisamente à Oeste da Região Metropolitana. Forma com Guarulhos e Osasco o segundo maior PIB (Produto Interno Bruto) da metrópole mais importante do País. Entre outras razões porque o Rodoanel contribui de forma intensa. Diferentemente do que ocorre na região, portanto. Barueri, Osasco e Guarulhos ultrapassaram o PIB da região com certa folga nos últimos anos. E o setor de serviços auxiliou muito no processo. 

Prefeitos inertes 

Fossem mais atentos e mais bem assessorados, os prefeitos da região organizariam caravanas para aprender a lidar com uma alternativa viável ao esvaziamento industrial. Barueri está tão perto e aparentemente tão longe. A empáfia regional é muito maior que a sensatez. 

Vamos continuar a perder esse jogo de goleada. Os números são implacáveis. E veem de longe. Nos anos 1970 Barueri não era nada no mapa econômico do Estado de São Paulo. Hoje é um portento. No PIB Geral dos Municípios de 2015, o mais atualizado até agora pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ocupava o quarto lugar individual no G-22, o grupo dos 20 maiores municípios do Estado, exceto a Capital e com a inserção de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que completam a representação regional. 

Para somar receitas de ISS praticamente iguais às do Grande ABC, Barueri conta com contingente de 152.358 trabalhadores com carteira assinada. Os dados são do Ministério do Trabalho relativos a dezembro do ano passado. No Grande ABC eram 319.657 carteiras assinadas. Ou seja: a região registrava efetivo 52% maior de colaboradores. 

Fosse a atividade de serviços da região do mesmo nível da de Barueri, a diferença se consolidaria na massa salarial mensal em dezembro do ano passado. Não foi o que se deu: os sete municípios locais geraram salários de R$ 889.564.568 milhões. Com menos da metade de trabalhadores, Barueri gerou R$ 604.983.146 milhões. Uma diferença de 32%. Bem menos que os 52% de trabalhadores com carteira assinada de vantagem. 

O salário médio dos 152.358 trabalhadores de serviços de Barueri em dezembro do ano passado era de R$ 3.970,80, ante R$ 2.782,87 do Grande ABC. Uma diferença de 30%. A qualificação profissional e o perfil das tarefas executadas se distanciam com o agregado de valor do trabalho.

Dependência industrial 

A dependência do Grande ABC do setor industrial é alarmante na medida em que a atividade perde cada vez mais vitalidade e se descentraliza ao sabor do chamado Custo ABC e de novos pontos no mapa nacional. 

Em dezembro do ano passado havia 182.168 trabalhadores industriais na região. O maior salário em cada Município estava na indústria. 

Em Barueri a história é outra: o salário industrial perde para o dos comerciários, que estão em primeiro lugar, e não é muito diferente do de serviços. 

Há maior equilíbrio de rendimentos salariais entre setores econômicos mais importantes em Barueri. Sazonalidades industriais não afetam o conjunto de trabalhadores e da sociedade como um todo. No Grande ABC é outra história. Aqui a Doença Holandesa Automotiva causa transtornos imensos a partir de São Bernardo. Barueri resistiu bem à tormenta da recessão entre 2014 e 2016. O Grande ABC entrou em parafuso. 

Salários mais próximos 

Fosse Barueri predominantemente manufatureira, como é o Grande ABC, o posicionamento no ranking de salários e principalmente no PIB seria diferente. O salário médio industrial em Barueri é de R$ 4.260,92, sempre em dezembro do ano passado. Em São Bernardo chegou a R$ 5.830,72. O lobby e as ações sindicais no setor de montadoras e autopeças tornam os metalúrgicos classe especial. 

Comparar os dois municípios é pedagógico para mostrar a distinção entre o território regional envelhecido de guerra e Barueri de olhos no futuro. Com salário médio industrial maior que o de Barueri, a lógica do espalhamento de riqueza indicaria que São Bernardo também geraria mais progresso nos setores de comércio e de serviços. Mas não é bem assim.  

No comércio, o salário médio em São Bernardo era de R$ 2.272,13 em dezembro do ano passado. Nada menos que 61% abaixo do salário dos trabalhadores industriais. Em Barueri, o salário médio dos comerciários, de R$ 4.606,93, superava levemente o assalariamento industrial médio de R$ 4.260,92. Uma distância de apenas 7,51%. Praticamente nada. Não custa observar que há uma inversão interessante de valores: em Barueri os comerciários ganham mais que os industriários. Isso é impensável no Grande ABC. 

Confrontando salários 

Um confronto entre o salário médio industrial e o salário médio de serviços envolvendo São Bernardo e Barueri também é emblemático e confirmador do desequilíbrio de um e do equilíbrio de outro. 

Os trabalhadores de serviços em São Bernardo ganhavam em média em dezembro do ano passado R$ 2.851,85, enquanto em Barueri o valor correspondia a R$ 3.970,80. A distância do salário industrial de São Bernardo frente o salário de serviços era de 51,16%. Já em Barueri não passava de 6,8%. Quase nada, portanto. 

Como se observa, é praticamente milimétrica a distância média salarial entre trabalhadores de indústria, comércio e serviços em Barueri, enquanto em São Bernardo a indústria prevalece de forma contrastante. Nos demais municípios da região prevalece desequilíbrio semelhante. Apenas menos intenso, porque não há uma casta de metalúrgicos a se proteger mutuamente. 

Tanto é verdade que o salário médio industrial em Santo André em dezembro do ano passado era de R$ 4.154,23, ou seja, 29% abaixo da vizinha Capital Econômica da região. Em São Caetano o salário médio industrial sofreu dura queda nos últimos anos, por conta da recessão, e chegou a R$ 2.869,89. Menos da metade do valor médio de São Bernardo. O salário médio industrial em Diadema era de R$ 3.638,23. Em Mauá, influenciado pelo Polo Petroquímico, era de R$ 4.007,27, ante R$ 2.992,87 em Ribeirão Pires e R$ 2.665,69 em Rio Grande da Serra.

Entrevista especial 

Para completar, reproduzo uma parte da entrevista que fiz com Celso Daniel para a edição de abril de 2001 da revista LivreMercado. Tratamos de vários assuntos num encontro a bordo de um ônibus que nos levou a São Carlos, onde o Santo André jogou com a equipe local. Fui convidado não só para integrar grupo de torcedores Vips do Ramalhão como, principalmente, para ouvir Celso Daniel com exclusividade. É claro que levei o gravador. Foi a melhor entrevista de minha carreira. Celso Daniel era um monumento de inteligência. 

LivreMercado -- O senhor está assumindo a Prefeitura de Santo André pela terceira vez e depois de oito anos de mandatos não sequenciais: qual sua visão sobre a saúde econômica da cidade, levando-se em conta o esvaziamento industrial? Em função de circunstâncias macro e também microeconômicas, Santo André é hoje um produto difícil de ser vendido aos empreendedores, apesar das mudanças que seu governo empreendeu em questões como legislação de uso e ocupação do solo e também da Lei de Incentivos Fiscais? O senhor está frustrado com os resultados? 

Celso Daniel -- Absolutamente. Muito pelo contrário. Santo André tem situação peculiar na região porque sofreu pesado esvaziamento industrial. Isso não aconteceu como um todo na região, que se mantém dinâmica com parte de sua economia sustentada pela indústria, particularmente as grandes cadeias automotiva e petroquímica. Mantivemos algumas empresas extremamente importantes, de porte e modernas tecnologicamente, mas perdemos muito da potência que acumulamos ao longo de todo o século XX. A despeito disso, começaram a se desenvolver em Santo André atividades do setor terciário, particularmente comerciais. 

Por isso a imagem pública de Santo André, particularmente para os andreenses, é contraditória. Ao mesmo tempo em que percebem Santo André como cidade dinâmica, inclusive do ponto de vista econômico mesmo com perdas industriais, os andreenses captam que o fato de não haver mais emprego industrial significa perda em termos de cidadania, ou seja, de direito ao trabalho de qualidade. A percepção das pessoas é de que a cidade cresce, é dinâmica e é viável. Até agora, entretanto, esse dinamismo não teve a contrapartida da recriação de empregos de qualidade que foram perdidos com o êxodo industrial. 

Tenho percebido que Santo André tem potencial muito importante em relação ao desenvolvimento futuro. Entendo inclusive que Santo André tem uma vantagem que pode ser colhida a partir de sua desvantagem. Qual é a desvantagem de Santo André? O esvaziamento industrial muito maior do que o dos outros municípios. Mas isso pode se transformar em vantagem porque a percepção do problema antes que isso se consolide nos outros municípios pode nos levar a constituir outro perfil econômico, sintonizado com os tempos que estamos vivendo.   

LivreMercado -- Qual é esse perfil, prefeito, porque a dificuldade de encontrar essa espécie de nicho é que preocupa, não é verdade? 

Celso Daniel -- Não há dúvida nenhuma de que concretizar o novo perfil não é tarefa simples. Há duas razões fundamentais para essa dificuldade. Em primeiro lugar porque está claro que, apesar do esvaziamento industrial, parte importante daquilo que Santo André tem de apresentar do ponto de vista econômico ainda radica na indústria. Isso significa que podemos, devemos e vamos continuar apostando no setor industrial. O problema é se pensamos em outros segmentos além daqueles que temos implantado de grandes empresas. E se pensamos no pequeno empreendimento industrial, aí não é tão simples assim de trabalhar. Particularmente, pelo fato de que cada vez mais há ponte de contato entre o terciário avançado e a atividade industrial. 

Cada vez mais essas relações são híbridas, que transitam com muita facilidade de um lado para outro. Quando falamos de terciário avançado, estamos falando de um setor extremamente heterogêneo e a respeito do qual temos imensa ignorância. Com um agravante: não tem sido suficientemente enfatizado, salvo engano de minha parte, inclusive por LivreMercado. Esse elemento é o seguinte: a região é fortemente atrofiada do ponto de vista do setor terciário. Isso é menos verdadeiro hoje, quando se fala de atividades de lazer e entretenimento, mas é muito forte quando se fala de serviços de apoio à produção.   

LivreMercado -- O que quer dizer com atrofiada? 

Celso Daniel -- A região tem ausência desses serviços muito mais que proporcional ao parque industrial e ao restante do parque econômico que detém. Não conseguimos ao longo do século XX, e ainda não estamos conseguindo, internalizar no Grande ABC um conjunto de prestadores de serviços de apoio à produção para as atividades econômicas que já estão na região. A demanda está na região, mas a oferta é buscada fora, basicamente na Capital.  



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