Uma das matérias da edição de dezembro de 1999 (portanto, há exatos 20 anos) da revista LivreMercado dava sequência histórica ao comportamento da economia do Grande ABC. Pegamos o touro a unha em múltiplos indicadores, especialmente econômicos. Economia é a base de tudo. A análise tratava da quebra do dinamismo regional sob o aspecto de repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), um derivativo, por assim dizer, do PIB (Produto Interno Bruto).
ICMS é uma bússola a ser observada sob vários aspectos, um dos quais, elementar, para medir antecipadamente o que vem apenas tempos depois em forma de geração de riqueza. Já estávamos mal das pernas e só pioramos.
Acabo de fazer um balanço geral tendo como ponto de partida o ano de 1995, temporada imediatamente após à implantação do Plano Real. Todos sabem ou deveriam saber que, por mais defeitos que tenha tido, o Plano Real eliminou a dor mais dolorida de uma sociedade – o processo inflacionário infame que, juntamente com privilégios corporativistas explicam as desigualdades sociais do País.
Destrinchando a história
Antes de revelar os números a que cheguei em termos de Grande ABC (e de dois blocos geoeconômicos que concorrem conosco por investimentos), vou reproduzir alguns trechos daquela matéria de LivreMercado de 20 anos atrás. Matéria feita por mim, sob o título “Aonde a vaca vai, a região vai atrás”. Leiam:
O Grande ABC continua a toada de queda de arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), tributo cujo comportamento é espécie de eletrocardiograma da saúde econômica dos municípios por ter estreita semelhança com a metodologia que afere o PIB (Produto Interno Bruto). (...) . Numa comparação ponta-a-ponta do Índice de Participação dos Municípios no ICMS entre 1982 e 1999, chega-se à perda absoluta de 23,58% e à derrocada per capita de 37%. A tradução dessa equação para linguagem mais simples é a seguinte: para cada R$ 100 que a região recebia por morador do governo do Estado no pacote de redistribuição do ICMS paulista, sobraram apenas R$ 63. O rebaixamento decorre basicamente da evasão industrial e os reflexos são preocupantes porque os governos municipais veem estreitar-se cada vez mais o já apertado corredor de receitas derivadas do setor industrial e em muitos casos apelam para alternativas de aumento de impostos próprios. Recorrem até mesmo à indústria das multas de trânsito, cujos valores são antecipadamente lançados como recursos orçamentários.
Premissas atualizadíssimas
Nada escrito há 20 anos está defasado. O conceito prevalece. Apenas os números se agravaram. Deixo de lado o Índice de Participação no ICMS, bastante utilizado neste espaço, e faço abordagem levando em conta os valores monetários entre janeiro de 1996 e dezembro de 2018; portanto, um período de 23 anos.
Nesse tempo todo o ICMS repassado pelo governo do Estado ao Grande ABC partiu de R$ 465.606.418 milhões em valores nominais (sem considerar a inflação) e chegou a R$ 1.800.410.242 bilhão. Uma evolução nominal de 286,68%. Uma referência para entender o fracasso? Durante esse período a inflação chegou a 309,95%, medida pela IPCA do IBGE.
Se querem mais a detalhes, então façamos as contas: os R$ 465.606.418 milhões do ano-base de 1995 passariam a ser, em 2018, com a aplicação da inflação, exatamente R$ 1.908.753.510510 bilhão. Entretanto, como o valor real, repassado pelo governo do Estado, chegou a R$ 1.800.410.242 bilhão, a perda da temporada, em relação a 1994, chega a R$ 108.343.268 milhões. Imagine o tamanho do rombo se forem somados os valores anuais de quebra de repasse tendo sempre 1995 como ponto de comparação? E o estrago seria ainda maior caso se comparasse o ICMS por habitante. Faremos isso outro dia.
No ritmo automotivo
De novo peço licença aos leitores para voltar ao texto que escrevi para a edição de dezembro de 1999. Essa contraposição é relevante porque pode-se aferir com mais dados a toada da economia regional e, por isso mesmo, compreender porque tanto cobro ações e não fantasias de prefeitos que não honram o cargo se a premissa de honrar o cargo é pensar nas próximas gerações. Leiam mais um trecho do texto de 20 anos atrás:
A dependência do setor automotivo, formado por montadoras de veículos e extensa rede de autopeças, continua a determinar o desempenho da economia regional. Sem exagero, a situação do Grande ABC se adapta perfeitamente à antiga canção popular -- Aonde a vaca vai, o boi vai atrás... -- interpretada de forma jocosa. Nada pior do que a asfixia institucional que inibe estratégias de formulação de novas matrizes produtivas. Afinal, os últimos dados oficiais do Índice de Participação dos Municípios da região no ICMS referem-se ao comportamento da economia no ano passado, quando o setor automotivo só sentiu os efeitos do desencadeamento da crise cambial asiática no último trimestre. Tanto que a produção de 1,6 milhão de veículos em 1998, contra 2,2 milhões de 1997, não foi tão prejudicada. Já neste 1999, depois do turbilhão provocado pela desvalorização do real, a previsão é de que não mais que 1,1 milhão de veículos sejam produzidos no País, perto de 45% no Grande ABC. Esse novo mergulho dos indicadores do setor carro-chefe da economia da região só estará refletido no índice do ICMS que será anunciado no próximo ano.
Derrotas sobre derrotas
De volta à realidade destes dias, o desempenho do ICMS que acabo de medir tendo 1996-2018 como insumos, com base os números de 1995, mostra-se manquitola diante de seis municípios que integram dois grupos regionais que há muito superaram o PIB do Grande ABC, embora um e outro mal-informados insistam em publicar que somos o quarto maior reduto de geração de riqueza do País.
O primeiro grupo regional é formado pelo que chamo de G-3M, integrado por Osasco, Barueri e Guarulhos, grandes forças econômicas da Região Metropolitana de São Paulo, além da Capital e do Grande ABC.
Enquanto o ICMS do Grande ABC avançou míseros 286,68% no período analisado (contra inflação de 309,95%), o G-3M cresceu 540,00% --sempre em termos nominais. Ninguém poderá argumentar que a distância entre os dois territórios é desprezível. Distante disso: 540,00% ante 286,68% é uma baita vantagem.
Se seguisse a inflação do período, Guarulhos, Osasco e Barueri teriam recebido de repasse de ICMS em 2018 o total de R$ 1.182.494.707 bilhão. Como receberam R$ 1.881.994.790 bilhão, ou seja, R$ 699,500 milhões a mais, dá para projetar o quanto houve de dinamismo econômico no período em relação ao Grande ABC, que regrediu no quesito.
Desastre de Santo André
Antes de dar os números do outro bloco econômico que separamos (G-3I de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos), volto a mais alguns trechos da análise que fiz há 20 anos para a revista LivreMercado e que consta desta revista digital:
No conjunto, o Grande ABC passou a deter 9,4397% do ICMS paulista, 2,48% menos que o registrado em 1998, quando alcançou 9,680%. Em 1997, o índice também sofreu baixa em relação ao ano anterior: 9,680% contra 10,168%, isto é, menos 4,8%. No ano anterior (1996) a queda já havia sido de 9,68%, resultado de 11,2099% de 1995 contra 10,168%. Os números explicam por que o prefeito Celso Daniel enviou no mês passado projeto de lei à Câmara de Vereadores para reformular completamente a legislação de uso e ocupação do solo, aprovada em 1976, oferecendo maior liberdade à instalação do setor industrial e de seus fornecedores. Comparando os índices de participação dos dois períodos -- 1982 e 1999 --, Santo André acumula perdas de 49,21%, seguida de São Caetano, com queda de 27,8%. Mauá (-19,5%) e São Bernardo (-15%) apresentaram refluxo menos dramático. Ribeirão Pires permaneceu quase estável no ranking, com redução de 6,9%. Diadema e Rio Grande da Serra salvaram-se: o primeiro com crescimento de 8,26% e o segundo com 24,9%. A situação de Santo André é mais grave se o confronto entre os números recuar até 1976, quando o Município contabilizou índice de participação estadual no ICMS de 4,7146%.
Árvores de Natal
De volta à realidade, e para completar, vejam que se perdemos de goleada em mais de duas décadas para o trio formado por Guarulhos, Osasco e Barueri não foi diferente em relação à soma de Campinas. Sorocaba e São José dos Campos. A curva de receitas desses municípios com repasses do ICMS chegou a 511,34%. Eram R$ 307.844.689 milhões originais em 1995 e viraram R$ 1.881.994.790 em 2018.
Estamos sendo surrados em todos os indicadores econômicos, mas não faltam peças publicitárias de marqueteiros a anunciar rankings municipais mais que duvidosos e, pior que isso, com carregamento estatístico do passado que relativiza os fogos de artifício do presente.
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