Martinha era (e segue sendo) o apelido do então (e ainda hoje) presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Em junho de 1999, o Grande ABC sofria com a recessão econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. Os trabalhadores acusavam as dores do parto pós-Plano Real. A estabilização econômica cumpria um papel transformar. Dolorosamente. Indispensável.
Veja o que Cicero Martinha da Silva disse numa reportagem à revista LivreMercado há mais de 20 anos.
Esta é a octogésima-quarta matéria da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma combinação de LivreMercado e CapitalSocial.
Mais serviço e
menos ideologia
DA REDAÇÃO - 05/07/1999
Acabou o sonho do ideal marxista, de a classe operária instalar o socialismo e transformar o mundo. A globalização atropelou a ideologia e passou uma borracha nos velhos anseios. Quem outrora deflagrou greves e radicalizou para conquistar aumentos salariais e benefícios extras como plano de saúde, alimentação e vale-transporte, hoje corre avidamente atrás de capacitação profissional para não perder emprego. Se é que já não perdeu.
É nesse cenário tumultuado pela necessidade de novas atitudes que o paulista Cícero Firmino Dias, o Martinha, nascido em Pompéia, na região de Marília, comandará pelos próximos três anos o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, filiado à Força Sindical. Eleito em abril passado, Cícero Martinha Dias quer atividade sindical com mais prestação de serviço e menos política. "O sectarismo de esquerda perdeu espaço. Hoje temos de ser propositivos. Precisamos estar próximos do trabalhador não apenas nas fábricas" -- afirma.
O líder sindical tem dois projetos para serem executados a toque de caixa. O primeiro é ampla pesquisa sobre o perfil do trabalhador metalúrgico da base do sindicato que está na ativa. Cícero Dias diz que precisa conhecer em profundidade a categoria que lidera. "Já fomos 60 mil e hoje somos apenas 15 mil" -- lamenta, referindo-se ao número de filiados ao sindicato. "Na época da ditadura militar, o trabalhador não podia se manifestar politicamente, mas encontrou força para enfrentar o regime e estabelecer conquistas trabalhistas. O jovem nascido nos anos 80 não tem esse problema. Mas está acuado na fábrica, ameaçado pelo desemprego. Precisamos saber o que ele pensa, quais as suas expectativas, o que faz para se requalificar".
O segundo projeto é introduzir no Grande ABC espécie de sindicalismo de resultados financeiros. Explica-se: com baixa arrecadação e expressivo patrimônio para cuidar -- além da sede, em Santo André, uma colônia de férias na Praia Grande e um clube no Distrito de Riacho Grande, em São Bernardo --, o sindicato comandado por Cícero Dias vai abrir portas para outras categorias. "Estamos criando a figura do sócio usuário. Ele pagará taxa mensal de R$ 10 e poderá usufruir, como qualquer metalúrgico, do clube, da colônia de férias e de descontos proporcionados por farmácia, barbearia e cursos mantidos pela entidade" -- anuncia.
Nos bairros
O Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra arrecada mensalmente em torno de R$ 80 mil. Só com a colônia de férias na Praia Grande despende quase R$ 10 mil por mês. Como não há tendência de aumento do número de trabalhadores sindicalizados porque o desemprego reduz cada vez mais a base metalúrgica na região, Cícero Dias vê na captação de sócios usuários alternativa de capitalizar a entidade para futuros empreendimentos em serviços. Já são 257 sócios usuários. Até o fim da gestão o líder sindical pretende que sejam o suficiente para elevar a arrecadação em 50%.
À medida que estiver com o resultado da pesquisa sobre o perfil do trabalhador da base, e simultaneamente aumentar a arrecadação do sindicato, Cícero Dias pretende deslanchar um plano ambicioso. "Queremos desenvolver atividades para o trabalhador no bairro em que ele mora. Para isso, precisamos saber que igreja ele frequenta, o que assiste na TV, o que costuma fazer nas horas de folga. Vamos oferecer cursos, lazer e serviços por intermédio de centros comunitários em parceria com associações de bairros. Essa será nossa ação política, até mesmo para questionar em períodos eleitorais quais os candidatos que mais nos favorecem" -- diz.
O que acontece, na verdade, é uma reviravolta no ambiente sindical. Antes o trabalhador corria atrás do sindicato, para pousar a cabeça no ombro do pai protetor. Agora é o sindicato que vai atrás da base e tenta reorganizá-la.
A nova cena trabalhista, causada pelo desemprego recorde e a necessidade de as empresas serem competitivas, mudou o perfil das negociações. Uma elite entre o operariado nacional, o metalúrgico da região não reivindica mais benefícios; apenas tenta manter as conquistas.
Cícero Dias tem os pés no chão. "A tendência é que as empresas deixem de conceder ou reduzam drasticamente benefícios como vale-transporte, alimentação e plano de saúde. Precisamos lutar muito para que as companhias continuem investindo em cursos de requalificação e na concessão da participação nos lucros e resultados" -- conclui.
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