O leitor talvez nem imagina o quanto sofri ao dedilhar a manchetíssima de hoje, aí em cima. Escrever “São Bernardo não precisa do Grande ABC para crescer” seria, teoricamente, a implosão do regionalismo que mora em meu peito e na minha alma, mas é a pura verdade.
Uma verdade que me saltou à vista nesta manhã e que precisa ser exposta. Economicamente, São Bernardo dispensaria o Grande ABC para viver melhor. Sobretudo porque o Clube dos Prefeitos, que seria o amálgama das relações do setor, é uma fraude. Virou um gueto político-partidário comandado pelo prefeito de Santo André, Paulinho Serra.
A bem da verdade, diferente das verdades seletivas que campeiam no País, Paulinho Serra não é o único responsável pelo fracasso da instituição. Mas é o mais enganador, porque faz do marketing político-administrativo a base de ações dispensáveis, inócuas e procrastinadoras.
Feira-livre
O Clube dos Prefeitos virou uma grande feira livre temática. Cabe tudo, desde que atenda aos desejos eleitorais ou do politicamente correto.
Trata-se de formulação medíocre, caricatura dos legados de Celso Daniel, criador da instância no começo dos anos 1990.
Quanto tudo é prioridade, o conceito de prioridade se esfarela. Esse é o Clube dos Prefeitos bajulado por alguns que, ignorantes ou interesseiros, não se opõem às barbaridades programáticas.
Não é pecado algum admitir publicamente que existe uma fissura, mais que uma fissura, uma enorme cratera que dá sustentação ao juízo de valor da manchetíssima de hoje. Pecado mesmo é bater sempre na mesma tecla de um regionalismo a qualquer custo sendo que o custo maior é a imobilidade geral porque as peças desse tabuleiro não se ajustam. Mais que isso, na maioria dos casos se rejeitam diplomaticamente.
Oitava cadeira
Agora inventaram o que chamam de uma oitava cadeira no Clube dos Prefeitos, que seria ocupada pelo prefeito da Capital. Nem uma coisa nem outra. A oitava cadeira é uma fantasia, porque raramente será ocupada. E se ocupada com alguma frequência não terá peso decisivo nenhum, apesar da grandiosidade da Capital. Não bastasse isso, se for considerada a presença física e portanto emblemática do prefeito da Capital, o que teremos então será uma oitava cadeira falsamente ocupada. Mas tem gente que gosta de ser ludibriada e, pior que isso, de ludibriar o distinto público.
Isto posto, que o prefeito Orlando Morando, da cidade que representa diretamente quase a metade do PIB (Produto Interno Bruto) do Grande ABC, se lance à empreitada.
Ganhos indiretos
Já que aos poucos Orlando Morando vai dando condições de infraestrutura física à Capital Econômica do Grande ABC, com obras relevantes, não custa nada ir além: que promova um grande avanço institucional próprio, individual e necessário, para dar mais poderio industrial e de serviços a São Bernardo.
Se Orlando Morando seguir essa recomendação que está longe de ser onírica (posso detalhar tudo em próximos textos), tenham os leitores a certeza de que a pressuposta derrocada regional que a iniciativa proporcionaria será completamente neutralizada em termos práticos. O que isso significa?
Ora, dada a influência estrutural da economia de São Bernardo no conjunto dos municípios do Grande ABC, é evidente que um cavalo de pau bem planejado de individualização de políticas de Desenvolvimento Econômico, significará ganhos indiretos a Santo André, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Força irradiadora
Para deixar a coisa mais bem posta ainda: São Bernardo das montadoras e das autopeças têm tanta influência que é impossível efetivar cálculos precisos sobre a exata importância das ramificações produtivas no entorno regional, que se espalham e se espalham muito.
São Bernardo é o motor da regionalidade participando coletivamente da regionalidade que jamais vai adiante ou individualizando medidas que repercutiriam nas demais cidades. É essa a premissa básica da proposta que faço. Creio que não é preciso desenhar.
É complexa a costura desenvolvimentista de São Bernardo, mas se fosse fácil não valeria a pena contar com uma secretaria do setor, cujo desempenho está aquém das demandas potenciais.
Crise e oportunidade
Há várias iniciativas que podem ser lançadas, mas todas giram em torno do parque automotivo. A Doença Holandesa de São Bernardo, que é a dependência excessiva de uma atividade ultracompetitiva no mundo inteiro, precisa ser enfrentada e minimizada.
E a oportunidade para uma reação se apresenta agora, mais do que nunca, quando o mundo inteiro automotivo que se entregou principalmente aos asiáticos de mão de obra farta e salários aviltados, repensa a terceirização de fornecedores além-fronteiras nacionais.
A crise no setor automotivo é generalizada porque faltam semicondutores, a alma das fábricas. O fluxo de suprimento virou um caos na pandemia. A distância entre fornecedores e fábricas atropelou a eficiência produtiva. Os sistemas de transporte entraram em convulsão. Faltam veículos novos em todos os quadrantes porque peças demoraram a chegar. Temos no campo automotivo o fracasso internacional na distribuição de vacinas contra a pandemia do vírus chinês.
Infraestrutura pesa
Não é esse o único vértice de um desenho de múltiplas faces positivas que podem levar São Bernardo (e o Grande ABC a reboque) a reorganizar-se economicamente, depois de passar por catástrofe neste século, em consequência, claro, dos desarranjos das duas últimas décadas do ano passado.
O prefeito Orlando Morando, único titular de paços municipais neste século que enxergou e efetivou um plano de reforma da infraestrutura, tem série de medidas a levar adiante nos mais de três anos de mandato que lhe resta.
Orlando Morando poderá ser um Celso Daniel às avessas, mas, por incrível que possa parecer, capaz de ficar para a história: trocaria o regionalismo convencional pelo municipalismo reformista de modo que o primeiro historicamente relegado às traças ganharia musculatura para, também, reinventar-se.
Melhor logística
O que pesa consideravelmente a favor de Orlando Morando à frente de São Bernardo como agente descentralizador de atenções a um regionalismo fajuto do Clube dos Prefeitos e potencializador à frente da Capital Econômica do Grande ABC é que do ponto de vista de logística São Bernardo é o único Município com maior movimento de independência.
O enclausuramento logístico do Grande ABC é uma calamidade, uma armadilha jamais enfrentada por qualquer prefeito nas últimas cinco décadas. Dormimos tendo como companhia o sucesso do passado. Santo André e São Caetano, particularmente, ficaram a ver navios. A Avenida do Estado virou uma tormenta em mobilidade. Pouco se fez para atenuar ônus cumulativos.
Um puxadinho aqui, como o de outro dia inaugurado pelo ingênuo prefeito Paulinho Serra, não significa quase cada. A centralidade econômica da região há muito se deslocou para São Bernardo da Via Anchieta, da Imigrantes e do Rodoanel.
Voltaremos ao assunto. São Bernardo pode contribuir muito com o Grande ABC e, paradoxalmente, com o Clube dos Prefeitos, ao lançar mão de um individualismo econômico sem remorso.
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