Economia

É impossível um cavalo de pau
na economia de São Bernardo

DANIEL LIMA - 09/02/2022

O prefeito Orlando Morando deverá se consagrar, como escrevi ontem, como o Celso Daniel da Infraestrutura Econômica do Grande ABC. Nenhum mandatário terá feito em proveito da logística econômica e urbana mais que Orlando Morando nos prováveis oito anos de dois mandatos. Morando seria o que foi Celso Daniel em matéria de Regionalidade. Não é pouca coisa, embora também não seja tudo.  

O outro lado da moeda é que podem tirar o cavalinho da chuva que não haverá condições de mudar o que está aí. E o que está aí vem do passado e o passado contaminou o presente que vai virar futuro. Resumo:  a Capital Econômica do Grande ABC não tem muito a oferecer para mudar o futuro próprio e da vizinhança. Somente um sortilégio do destino faria tudo se alterar. O Imponderável da Silva é cada vez mais raro.  

Trocando em miúdos e usando expressão que cabe como luvas à Capital Nacional de Veículos: não há a menor possibilidade de São Bernardo dar um cavalo de pau histórico no Desenvolvimento Econômico. O que o prefeito Orlando Morando pode fazer é dar um cavalo de pau precário, circunstancial, temporal. Que explico em seguida. 

AUTONOMIA RELATIVA  

Também já escrevi que a São Bernardo de Orlando Morando é a única cidade praticamente autônoma em Desenvolvimento Econômico no encalacrado Grande ABC.  

A geografia somada à logística e à infraestrutura possibilitam essa condição, restrita ao ambiente regional. Ser melhor internamente não significa que São Bernardo seja melhor na Grande São Paulo, por exemplo. Longe disso. Como mostraremos em seguida.  

A situação interna de São Bernardo é completamente diversa da antiga capital econômica da região, Santo André, que, desde que a Avenida dos Estados virou a barafunda que virou, e virou com a chegada da Anchieta pós-meados do século passado, perdeu o tônus, o rumo e o prumo. E não há inauguração de puxadinho de viaduto que vá resolver a situação.  

AS DUAS PIORES  

No ranking de baixa competitividade regional, considerando-se a logística interna e ramificações potenciais à extrapolação fronteiras vizinhas, Santo André e São Caetano são os piores endereços.  Aeroportos, portos e tudo são tão próximos na cartografia quanto irritantes na prática logística.  

Não pretendo invadir todos os vetores que tornam o cavalo de pau estrutural de São Bernardo inviável neste século que já invadiu a segunda década.  

Os danos do século passado e do início deste século (o socialista movimento sindical, a política nefasta de descentralização da economia paulista, a desindustrialização implacável, o governo Fernando Henrique Cardoso e o trecho Sul do Rodoanel, entre outros pontos) já foram suficientes para comprometer a vitalidade da economia de São Bernardo (e da região) por muito, mas muito tempo.  

Posto tudo isso, a ideia de que São Bernardo pode gerar em um ano (230 mil) empregos quase tanto quanto no acumulado de décadas (240 mil), como sugeriu a Fundação Getúlio Vargas para deleite da mídia acrítica, não passa de anedota de mau gosto porque interfere diretamente nas expectativas da sociedade. Que, claro, vai se frustrar mais uma vez. 

ENCAIXE NA MANDÍBULA  

Uma rápida olhada no ranking do comportamento do PIB (Produto Interno Bruto) de São Bernardo neste século é um encaixe na mandíbula dos triunfalistas a ponto de levar todos ao nocaute de sequer argumentar em contrário.  

Quando este século começou, e este século começou no ano 2000, São Bernardo ocupava a segunda posição no ranking do PIB entre as 20 maiores cidades do Estado de São Paulo, que integram o G-22. A Capital não entra na contabilidade porque é descomunalmente maior e por conta disso pode interferir demais no balanço do navio de dados. 

Aquele segundo lugar de São Bernardo (primeiro lugar disparado nos anos 1980, quando surgiu o movimento sindical) garantia praticamente o empate com a líder Guarulhos.  

Em valores nominais daquela temporada, Guarulhos contabilizava PIB de R$ 10.783,26 bilhões, ante R$ 10.463,85 bilhões de São Bernardo. Ou seja: o jogo estava praticamente empatado na arrancada de 2000. 

CAINDO NO PIB  

Os números do PIB dos Municípios Brasileiros de 2019 (os dados de 2020 só saem em dezembro deste ano) apontam que São Bernardo caiu para o quinto lugar no G-22, com R$ 51.066.93 bilhões. Bem abaixo de Guarulhos, que registrou R$ 65.165.262.  

Mas Guarulhos perdeu a liderança: caiu para o terceiro lugar no PIB Geral, atrás da primeira colocada Osasco (olha o Trecho Oeste do Rodoanel aí, gente!) e para Campinas, respectivamente com R$ 81.923.605 bilhões e R$ 65.874.93 bilhões).  

Ora, se São Bernardo ficou em quinto no PIB dos Municípios do G-22, ainda falta infiltrar no ranking a quarta colocada, no caso Barueri, com R$ 52.820.51 bilhões. 

O posicionamento decadente de São Bernardo (e do Grande ABC como um todo, porque os demais municípios locais também caíram pelas tabelas) não quer dizer tudo quando se pretende chegar a algo mais profundamente enraizado em termos de explicação. 

VELOCIDADE BAIXA  

Nesse ponto, nada melhor que medir a velocidade de crescimento nominal (sem considerar a inflação do período). São Bernardo sofreu uma lavada. Enquanto Osasco cresceu nos 20 anos deste século 1.450,74%, Campinas 567,23%, Guarulhos 595,32% e Barueri 787,55%, São Bernardo do quinto lugar na classificação geral avançou nominalmente apenas 388,03%. 

É isso mesmo o que você leu. Não há erro de digitação. O PIB de Osasco cresceu mais de três vezes o PIB de São Bernardo (olha o trecho Oeste do Rodoanel aí, gente!) e Campinas, mesmo sem Rodoanel e o escambau, mas com economia diversificada, ou seja, longe do monopolismo automotivo de São Bernardo, cresceu nominalmente 567,23%.  

Tudo fica ainda mais preocupante quando se toma o pulso da velocidade de São Bernardo no PIB Geral neste século e se compara com os demais municípios do G-22, já que perde feio para os quatro primeiros colocados.  

ENTRE REBAIXÁVEIS  

Os 388,03% de crescimento nominal no período só superam os 300,00% de Diadema, os 354,64% de São Caetano e os 346,16% de São José dos Campos. Ou seja: houvesse rebaixamento dos quatro últimos colocados que contam no ranking (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra são integrantes apenas formais), São Bernardo teria descido à Série B do Campeonato Paulista do PIB Geral juntamente com São Caetano, Diadema e São José dos Campos.  

Fosse eu prefeito de São Bernardo e reunisse uma equipe de marketing com responsabilidade social acima de veleidades, não teria dúvida de monitorar e desbravar o Município a partir da posse em primeiro de janeiro de 2017. Estabeleceria, portanto, um marcador especialmente voltado à gestão iniciada, com desafios a superar. 

É claro que o rebaixamento da economia de São Bernardo e de qualquer outro Município não é operação estanque, que tenha ponto de partida definido. A desgraceira vem de longe, ganhou tração e tem natureza própria. Esse é um contraponto importante à demarcação sugerida. Mas nada impede que se faça essa marca de corte porque, mesmo que aos trancos e barrancos da sequencialidade, haveria algo a ser mais cuidadosamente observado.  

MAIS INDICADORES  

Essa linha de corte temporal e estratégica poderia abarcar outros indicadores sob controle total ou parcial da administração municipal.  

O comportamento do mercado de trabalho é um insumo essencial à qualificação do Desenvolvimento Econômico em parceria com os dados do PIB Geral. Não faltam, portanto, quesitos que poderiam ser entrecruzados. Essa sugestão vale para todos os prefeitos em atividade no Grande ABC.  

Tanto vale que já a implantamos em algumas análises ao congelar o passado e considerar o presente de cada mandato um mapeamento específico. 

A Agência de Desenvolvimento Econômico, que não passa de quarto de despejo da regionalidade, agora aparece com alguma coisa relativa a investimentos previstos para o Grande ABC.  

COLAGEM INÓCUA  

É uma colagem que já fizeram no século passado e no começo deste século e cujo objetivo não é outro senão dourar a pílula com números que muitas vezes não passam de fantasias, porque os investimentos anunciados não se materializam. Mais que isso: são números vulneráveis porque não descem a fundo nas especificidades dos investimentos. 

Um exemplo? As riquezas que vão ser geradas por uma imensidão de galpões logísticos na Anchieta são quase nada perto do que se perdeu com a debandada da Ford, que ocupava aquele espaço.  

O cavalo de pau de São Bernardo sugerido pela Fundação Getúlio Vargas não tem sustentação porque o veículo em questão é uma São Bernardo que há muito pegou uma estrada vicinal repleta de buracos e com precipício dos dois lados.



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