Economia

FALTA UMA DIADEMA
DE ICMS PÓS-DILMA

DANIEL LIMA - 13/01/2025

A conta do prejuízo provocado pela maior recessão da história do Grande ABC está longe de ser zerada e tampouco pode ter autoria transferida a terceiros inocentes. O total de repasse de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), um dos sensibilizadores do ambiente econômico mais próximos da realidade dos fatos, não deixa pedra sobre pedra.

Ao se completar a primeira década pós-derrocada regional nas temporadas de 2015 e 2016, o valor de R$ 342 milhões de defasagem corresponde a todo o ICMS que Diadema recebeu de repasse do governo do Estado  no ano passado. Mesmo com a recuperação dos últimos anos, a queda ainda é pronunciada: são 11,92% abaixo de 2014. Quem for pelo percentual de rebaixamento não tem a dimensão da tragédia.

Corrigido pela inflação do período (74,90% pelo IPCA) o repasse do governo do Estado às prefeituras do Grande ABC deveria somar R$ 3.219.792.374 bilhões. O valor original, não corrigido pela inflação do período, alcançou R$ 1.840.933.319 bilhões. Quando corrigido, chega a R$ 2.876.922.524 bilhões. Só não leva em conta a recuperação monetária no período quem acha que é possível comprar ao preço de 10 anos atrás um veículo novo em 2024. A correção, portanto, é indispensável para avaliar  estragos ou melhorias no orçamento municipal.

BURACO NEGATIVO

O buraco negativo de R$ 342.869.850 bilhões no ano passado é levemente inferior ao repasse destinado a Diadema, de R$ 359.197.715 milhões. E importante levar em conta para qualquer tipo de contabilização de prejuízos o acumulado ano a ano em relação ao ICMS repassado ao Grande ABC em 2014.  O resultado seria estratosférico e  explicaria as razões que colocaram o Grande ABC a nocaute.

Considerando-se apenas e exclusivamente a perda do ano passado, o valor corresponderia a mil apartamentos de 50 metros quadrados num bairro de classe média de São Bernardo. Ou à perda por habitante de mais de R$ 100,00.

A situação do Grande  ABC é específica em debilidade na arrecadação do ICMS. O  indicador é predominantemente influenciado pelo Valor Adicionado, com peso de 76% na distribuição do imposto arrecadado pelo Estado. As prefeituras ficam com 25% do montante total. Não à toa São Bernardo e Diadema, entre os cinco municípios que registraram prejuízos na ponta desse período de 10 anos, mais sofreram os efeitos da recessão. São Bernardo perdeu, sozinha, R$ 373 milhões.  

Enquanto como um todo o Grande ABC perdeu 11,92% de arrecadação no confronto entre a base de 2014 e 2024, São Bernardo perdeu 36,80% e Diadema 19,41%. São Caetano sofreu queda de 8,60% e a diminuta Rio Grande da Serra de 37,36%. Santo André, Mauá e Ribeirão Pires registraram saldo positivo. Santo André 6,31%, Mauá 22,05% e Ribeirão Pires 18,87%.

O contraste entre São Bernardo e Diadema, principalmente, ante o desempenho de Santo André e Mauá é facilmente explicado e é tema recorrente de CapitalSocial como alerta a quem inadvertidamente coloca os sete municípios da região no mesmo cesto. São Bernardo e Diadema (além de São Caetano, também no prejuízo) sofrem duramente da Doença Holandesa Automotiva, enquanto Santo André e Mauá são beneficiados pela Doença Holandesa Petroquímica.

A dependência ainda exagerada de São Bernardo e  Diadema da cadeia automotiva, atividade econômica listada entre as mais competitivas do mundo, coloca o Grande ABC na corda bamba. Os resultados influenciam diretamente ou indiretamente os demais municípios. No caso de Santo André e Mauá, beneficiárias do setor petroquímico, há maior previsibilidade de desempenho, mas a atividade gera pouco emprego formal. Situação mascarada porque também gera muita arrecadação.

MUITO ABAIXO DO ESTADO

Embora a queda de repasse de ICMS ao Grande ABC tenha chegado próximo a 12% nos 10 anos iniciados em 2015, os estragos são maiores quando comparados à média dos quase 600 municípios paulistas. A participação relativa dos repasses ao Grande ABC em 2014 registrava 7,65%  no Estado de São Paulo, enquanto na ponta, em 2024, passou para 6,53%.

Tudo isso porque o resultado médio dos municípios paulistas foi melhor que o resultado médio do Grande ABC. Enquanto o Grande ABC perdia entre as duas pontas 11,92% de arrecadação efetiva, a média estadual registrava saldo positivo de 4,68%. Quando se juntam as duas contas, a perda efetiva de repasse do Grande ABC, caso seguisse o ritmo da média paulista, alcança 17,15%.

O ICMS repassado aos municípios paulistas em 2014 correspondia a R$ 24.054.498.453 bilhões em valores nominais. Quando transposto a 2024 com correção monetária pelo IPCA, alcançaria R$ 42.071.317.942 bilhões. Entretanto, na vida real, o repasse geral aos municípios alcançou R$ 44.040.998.180 bilhões.  Daí o crescimento de 4,68% no período.

RESULTADOS POR MUNICÍPIO

Santo André contou com repasse de R$ 278.433.410,43 milhões em 2014 e no ano passado registrou R$ 517.730.994,37 em valores nominais, sem considerar os efeitos inflacionários.  Em termos reais, descontada inflação do período, Santo André teve saldo positivo de  6,31%. Participação regional de 17,99% e participação estadual de 1,175%.

São Bernardo contou com repasse de 793.186.256 milhões em 2014 e no ano passado registrou R$ 1.013.998.630 bilhão, em valores nominais, sem considerar os efeitos inflacionários. Desconta a inflação, São Bernardo teve saldo negativo de 36,80. Participação regional de 35,24% e participação estadual de 2,34%.

São Caetano contou com repasse de R$ 275.112.499 milhões em 2014 e no ano passado registrou R$ 443.060.354 milhões, em valores nominas. Descontada a inflação, São Caetano teve saldo negativo de 8,60%. Participação regional de 15,40% e participação estadual de 1,006%

Diadema contou com repasse de 245.247.016 milhões em 2014 e no ano passado registrou R$ R$ 359.197.715 milhões em valores nominais. Descontada a inflação, Diadema teve saldo negativo de  19,41%. Participação regional de 12,49% e participação estadual de 0,815%.

Mauá contou com repasse de R$ 201.284.558 milhões em 2014 e no passado registrou R$ 451.660.874 milhões em valores nominais. Descontada a inflação, Mauá registrou crescimento de 22,05%. Participação regional de 15,70% e participação estadual de 1,025%.

Ribeirão Pires contou com repasse de 37.893.870 milhões em 2014 e no ano passado registrou 78.785.593 milhões em valores nominais. Descontada a inflação, Ribeirão Pires registrou crescimento de 18,87%. Participação regional de 2,738% e participação estadual de 0,179%.

Rio Grande da Serra contou com repasse de R$ 9.815.710 milhões em 2014 e no ano passado registrou R$ 12.498.364 milhões em valores nominais. Descontada a inflação, Rio Grande da Serra registrou queda de 37,36%. Participação regional de 0,043% e participação estadual de 0,0043. 

RECUPERANDO A HISTÓRIA

CapitalSocial, desdobramento editorial da revista de papel LivreMercado, sempre sob o controle editorial deste jornalista, tem tradição na abordagem da economia do Grande ABC em conexão com o Estado de São Paulo e o País. A análise que segue abaixo é prova disso. Basta verificar a data. São informações que se somam às atuais como continuado estado de fragilização do Grande ABC. Eventuais avanços, inclusive nos repasses de ICMS, não passam de reações episódicas, sobre perdas anteriores. Logo em seguida, e isso tem-se consumado ao longo de décadas, surgem novas quedas. Tanto no ICMS quanto em outros indicadores econômicos e sociais.   

 

Receita com ICMS desaba

37% per capita em 16 anos

 DANIEL LIMA - 05/06/1997

Apesar de ter havido nos últimos anos espécie de boom de arrecadação de impostos em quase todos os municípios por causa dos efeitos do Plano Real, da explosão do setor de veículos e da lubrificação dos dispositivos da fiscalização estadual e federal que apertam o cerco nos grandes centros econômicos, novo estudo reforça antiga constatação das perdas econômicas regionais, as quais poderão servir de subsídios para os integrantes da Câmara Regional, que está debatendo os problemas locais em busca do Acordo do Grande ABC.

Uma comparação ponta a ponta entre o repasse de arrecadação da quota-parte do ICMS, Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, entre os anos de 1982 e 1997, com dados oficiais da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, revela que a região perdeu 10% de receita.

Esse número, que já merece reflexão, é agravado pela indispensável acoplagem da taxa de crescimento cumulativo da população no período, conforme censo do IBGE, que registra 27%. Ou seja: o Grande ABC de 1997, conforme o índice de participação do ICMS já definido pela Secretaria da Fazenda, recebe por habitante exatamente 37% menos do que em 1982. Considerando-se que o ICMS é a principal fonte de recursos municipais, não é difícil entender o quanto esse duplo fosso de mais população-menos participação relativa sugere de inquietação social. 

MUITO MAIS PERDAS

Embora preocupante, o resultado da comparação ponta a ponta ainda não espelha de forma absolutamente consistente a realidade de perdas do Grande ABC. Se a comparação for encadeada ano após ano no período, os números serão ainda piores. Tudo porque, o total da participação regional no repasse do ICMS é declinante ano a ano em quase todo o período.

Em apenas cinco dos 16 anos pesquisados o índice regional supera o do período imediatamente anterior, sem considerar nesse breve intervalo o aumento da população. O índice de repasse do ICMS guarda estreita relação com a capacidade arrecadadora do imposto, que, por sua vez, está ancorada no nível de atividade econômica.

No ano passado, segundo dados publicados pelo Diário Oficial do Estado de São Paulo, o Grande ABC recebeu de repasse do ICMS total de R$ 616.895.553,00. Considerando-se que a participação da região no índice estadual desse imposto atingiu 11,0313% em 1996 e que a população alcançou 2,250 milhões de habitantes, a perda ponta a ponta em relação a 1982 chegou a 37%. Isto é, os 12% do declínio do índice de repasse do ICMS somados aos 25% de taxa cumulativa de aumento da população.

PERDA POR HABITANTE

Uma simples conta dá a dimensão da perda financeira da região: basta multiplicar o total de repasse pelos 37% de perdas por habitante e se chega a R$ 227 milhões. Trocando em miúdos: se a região tivesse mantido no ano passado o índice global de participação de 1982 na redistribuição do ICMS, o volume total não seria de R$ 616.895.553,00, mas sim desse valor acrescido de 37%, o que significa R$ 845.146.900,00. A diferença corresponde em valores absolutos à previsão orçamentária da Prefeitura de Santo André para este ano.

O conjunto de municípios do Grande ABC apresentava em 1982, quando a população atingia 1,8 milhão de habitantes, participação de 12,3522% no bolo de repasse estadual do ICMS. Já para este ano, quando a população regional atingirá 2,3 milhões de pessoas, o índice previsto pela Secretaria da Fazenda do Estado é de 11,2491%, levemente superior aos 11,0313% de 1996 e bem acima dos 9,8783% de 1995. 

SANTO ANDRÉ PIOR

Os principais municípios da região perderam participação relativa no repasse de ICMS numa comparação ponta a ponta entre 1982 e 1997. Santo André foi a que mais sentiu, pois perdeu 41,44% ao cair de 3,1540% para 1,8470%; São Bernardo foi rebaixada de 4,9163% para 4,8171% e São Caetano de 1,5441% para 1,4248%. Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra apresentaram discreto crescimento. Os números: Diadema de 1,2125% para 1,3364%; Mauá de 1,2870% para 1,5082%; Ribeirão Pires de 0,2047% para 0,2773% e Rio Grande da Serra de 0,0317% para 0,0387%.

A situação de Santo André é a mais grave na região. Como no período de comparação o índice relativo de participação caiu 41,44% e a população saltou de 533.072 habitantes para os atuais 624.866, isto é, crescimento de 17%, a conclusão é de que efetivamente a distribuição do imposto por habitante do Município caiu 58,44% em relação aos números de 1982.

NÚMEROS EXPLICAM

Para o consultor e tributarista Ary Silveira, diretor da Assercon, empresa com sede em Santo André, os resultados desses novos estudos devem realçar a preocupação dos administradores públicos, sobretudo de Santo André, que mais perdeu com a redistribuição do ICMS. “Esses números, que são absolutamente frios, justificam plenamente as dificuldades atuais da região, que sente na pele a queda da qualidade de vida derivada da quebra do poder aquisitivo com a proliferação de contingentes populacionais na periferia” — afirma o consultor.



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