Diante da falta de responsabilidade social das entidades que se autodenominam representantes do mercado imobiliário — e não se deve esperar que o comportamento de avestruz se altere, porque é a essência dos especuladores que as dirigem — noticiário pinçado aqui e ali dá conta de que não está fora de cogitação uma trombose na atividade.
Provavelmente não será nada semelhante ao que se traduziu em crise financeira internacional a partir do último trimestre de 2008, mas também estaria muito longe do desdém com que é tratado o assunto por especialistas e especuladores travestidos de torcida organizada.
Há perigo sim de bolha imobiliária no Brasil, garantem especialistas. Não há risco nenhum, asseguram outros. Quem está com a razão? Só o tempo dirá, evidentemente. Mas como prevenir é melhor que remediar, nada mais interessante que tomar certos cuidados. E não cair na conversa fiada de gente irresponsável do setor. Principalmente os falastrões que ocupam cargos de comando em entidades empresariais que cuidam mesmo é de interesses individuais. A classe empresarial e a sociedade que se virem.
Professor de finanças da Brazilian Business School e colaborador do jornal Valor Econômico, Ricardo Torres escreveu ainda recentemente preocupado com a demanda imobiliária. “Os preços subiram muito, para patamares que chamam a atenção e nos alertam sobre uma possível criação de uma bolha especulativa no setor”.
Trinta dias depois eis que o noticiário do mesmo Valor Econômico dá conta de que a expectativa de elevação da massa de renda da população acompanhando o ritmo dos preços dos imóveis no País afasta o mercado imobiliário das características clássicas de formação de bolha. A projeção foi feita pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, em estudo encomendado pela Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança).
Com quem prefere ficar o leitor: com o pé atrás de Ricardo Torres ou com um estudo feito por encomenda?
Veja os pontos de Ricardo Torres para dar sustentação à alta expressiva de preços dos imóveis no Brasil:
1. Abundância de recursos recebidos pelas cadernetas de poupança, resultado do período em que a Selic estava a 8,75% ao ano. As cadernetas de poupança têm obrigação de aplicar no mínimo 60% dos recursos disponíveis em operações de financiamento imobiliário, tendo gerado uma grande avalanche de recursos disponibilizados para esse tipo de operação.
2. Extensão nos preços para pagamento (de até 30 anos).
3. Redução e flexibilização dos pré-requisitos para aprovação de crédito.
4. Programa Minha Casa Minha Vida promovido pelo governo federal.
5. Medo proveniente da crise financeira internacional, motivando as pessoas a buscarem investimentos em ativos reais, em detrimento dos ativos financeiros.
6. Maior busca de imóveis por investidores estrangeiros em algumas cidades brasileiras.
7. Crença que comprar imóveis na planta, qualquer imóvel, gerará lucros rápidos. Ou ainda, terrenos em condomínios de luxo, gerando uma espiral de alta nos preços que indicam um princípio de pirâmide.
8. Elitização de alguns bairros, com preços subindo desproporcionalmente.
O especialista em finanças afirma que alguns itens justificam fundamentalmente uma alta nos preços, mas o movimento também estaria indicando excessos praticados ao não mais diferenciar valores específicos inerentes à avaliação de imóveis. “Os preços por metro quadrado variam muito pouco entre as diversas localizações e condições dos imóveis” — escreveu. E foi mais longe: “Essa explosão de demanda não é fundamentada no repentino crescimento populacional, que é inexistente. Tampouco é fundamentada em aumento acelerado na renda das pessoas. Não houve uma alta considerável no nível de emprego para justificar a demanda. E, ainda, não tivemos nos últimos 25 anos um evento baby-boomer que justifique um crescimento no número de pessoas que estariam em ocasião de se casar e comprar um imóvel. Ao contrário, os jovens brasileiros estão demorando cada vez mais para deixar a casa dos pais” — escreveu Ricardo Torres.
Para completar a convocatória que fiz ao especialista em finanças e atento observador do mercado imobiliário, mais alguns elementos à sensibilização dos exageradamente otimistas: “Houve um crescimento nos recursos financeiros já existentes no mercado, que migraram de operações tradicionais de investimentos, como bolsa de valores, fundos e títulos financeiros, para a especulação em imóveis, explicando esta alta demasiada para uma situação de alerta de anormalidade e de bolha especulativa nos preços. (…). Os preços não sobem indefinidamente sem base em fatos reais. As taxas de juros no Brasil estão subindo e ainda não vimos uma alta expressiva no nível de emprego nem na renda das pessoas. Esses fatores, aliados ao crescimento do crédito pessoal, empréstimos consignados, financiamento de veículos e com cartões de crédito indicam que o comprometimento da renda das pessoas é muito elevado”.
Exatamente um mês após a publicação do artigo de Ricardo Torres apareceu no Valor Econômico a posição de José Roberto Mendonça de Barros sob encomenda para a Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário. Mendonça de Barros argumenta que, comparando o cenário doméstico com a bolha hipotecária vista em 2008 nos Estados Unidos, em que o preço das casas crescia num ritmo muito mais rápido que o da renda dos americanos, o Brasil está longe de uma crise dessa magnitude. “Não temos dúvidas de que não há bolha e de que provavelmente não teremos uma bolha no futuro” — disse o economista.
O estudo da consultoria diz que o crescimento médio anual da massa de renda real dos brasileiros foi de 8% no período de 2002 a 2008, e a expectativa é de expansão para os próximos anos, de forma que não haveria sinal de desaquecimento da demanda. “Até 2016, a nova Classe C terá uma demanda potencial por quase 1,5 milhão de imóveis”.
Também economista da MB Associados, Sérgio Vale afirmou que o dinamismo da economia brasileira nos próximos anos será diferente do predominante no Nordeste, onde a transferência de renda para as famílias se destaca. Ele acredita que o crescimento nos próximos anos será liderado pelo Sudeste, com investimentos advindos da Copa do Mundo, Olimpíada e Pré-Sal. “Desta forma, não há perspectiva também para desaceleração dos preços de imóveis, que, segundo Mendonça de Barros, são considerados adequados para o setor”.
Em linhas gerais, apontar o contraste de pontos de vista sobre o equilíbrio do mercado imobiliário é no mínimo obrigação de quem tem a missão de informar com ponderação. É claro que no rol de responsabilidade social que a análise do mercado imobiliário recomenda não constam entidades do setor, principalmente no Grande ABC onde a atuação classista se restringe à propagação de um lobby abjeto que não respeita inclusive os pequenos e médios empresários do próprio setor imobiliário.
São propagandistas que industrializam numeralhas sem contextos críticos que coloquem o mercado regional no devido lugar. Sempre com as bênçãos de boa parte da mídia, beneficiária temporária, sempre temporária, do jogo de cena que, como em outros casos, custam caro quando cai a máscara.
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