Economia

Como humanizar
as estatísticas

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/08/2003

O que a reluzente ONU (Organização das Nações Unidas), a veterana Prefeitura de Santo André e o recém-lançado IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) têm em comum? Distintas na abrangência e no leque de propósitos, as três organizações assemelham-se na busca de referenciais socioeconômicos transparentes e fundamentados, que sirvam de plataforma para vôos analíticos sérios.


 


Pouco depois do lançamento do IEME pelo jornalista Daniel Lima e pelo pesquisador Marcos Pazzini, da Target Marketing e Pesquisas, a Secretaria de Desenvolvimento e Ação Regional de Santo André reuniu Imprensa e representantes da sociedade para apresentar o  boletim trimestral Observatório Econômico, concebido com suporte técnico do Centro Universitário Fundação Santo André. Na mesma linha conceitual do IEME, que traçou a radiografia socioeconômica dos 55 principais municípios paulistas e agora se dedica à exumação das finanças públicas por meio do Índice de Eficiência Municipal, a missão do Observatório Econômico é fornecer conteúdos de desempenho social e econômico para avaliação da realidade do Grande ABC e de Santo André no contexto do Estado de São Paulo.


 


A preocupação em lidar com estatísticas confiáveis baliza as duas iniciativas. O Índice de Desenvolvimento Econômico Equilibrado do IEME é definido com base em dados oficiais para eliminar resquícios de subjetividade. Os idealizadores do Observatório Econômico garantem que a publicação vai se ater exclusivamente a fontes insuspeitas e -- o que é ainda mais importante -- a sociedade regional terá vez e voz na elaboração de análises publicadas com base nas informações coletadas. "Um produto como esse não se faz dentro de quatro paredes, mas ao lado de empresas, sindicatos e demais representantes da sociedade organizada" -- descreve o secretário Jeroen Klink.


 


A ponderação do executivo público corresponde à antítese da linha seguida pelo pesquisador João Batista Pamplona quando estava à frente das atividades estatísticas da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Sem exercitar a saudável interface com a sociedade, Pamplona produzia alquimias numéricas que contrastavam com a realidade caótica de uma região que perdeu 39% de Valor Adicionado nos oito anos de governo FHC, além de 140 mil empregos industriais com carteira assinada desde 1985. A farra de números e interpretações caolhas foi duramente combatida por LivreMercado. A inflexibilidade do pesquisador para o diálogo terminou com sua demissão.


 


Não é por acaso que a iniciativa inovadora no universo municipal regional e brasileiro parte da pasta coordenada por Jeroen Klink, professor do Imes (Centro Universitário de São Caetano) e membro do quadro de conselheiros do IEME. Herança de competência de Celso Daniel, o holandês naturalizado Jeroen Klink roda o mundo em busca de novos referenciais de competitividade regional, além de participar ativamente das discussões sobre o Grande ABC. Foi em uma dessas viagens, à Nairóbi, no Quênia, em novembro de 2002, que conheceu de perto os esforços das Nações Unidas para formatar o Índice de Governança Urbana (Urban Governance Index), de cujo ranking internacional Santo André participou em uma experiência piloto.


 


As metodologias do brasileiro Índice de Desenvolvimento Econômico Equilibrado e do internacional Índice de Governança Urbana são parecidas, com atribuição de pesos ponderados a variáveis de análise. A diferença está na precisão e na simplicidade do exemplar nacional em comparação à complexidade do estrangeiro. No caso do IDEE, os 55 melhores municípios paulistas são interpretados com base em dados per capita de Potencial de Consumo, que responde por 35% do indicador, Valor Adicionado (com peso de 25%), Inclusão Digital (com 15%), IPVA (responsável por 15%) e ISS com 10%. Já no UGI, na sigla em inglês, cada uma das cinco variáveis é formada por vários componentes que recebem pesos-ponderados proporcionais ao grau de importância.


 


Na variável Efetividade, são levados em conta componentes como receitas públicas per capita, alocação de recursos para serviços básicos e nível de transferências governamentais. Na Equidade, os componentes são contingente de chefes de família abaixo da linha da pobreza, acesso à água, acesso à rede de esgoto e presença de conselhos públicos dedicados à mulher. Em Participação entram vetores como compreensão de textos, quantidade de associações civis a cada 10 mil habitantes e participação da população em projetos públicos. Em Accontability, termo que pode ser traduzido como a capacidade da gestão pública de prestar contas com transparência a qualquer momento, analisam-se fatores como o grau de independência do Município em relação a instâncias governamentais superiores e a existência ou não de publicações formais sobre contratos, orçamentos e contas públicas.


 


Na variável Segurança, o índice da ONU leva em conta mortalidade infantil, planos ambientais, políticas de controle criminal, inacessibilidade de áreas pela polícia, políticas de violência doméstica e vítimas de violência em geral. A quantidade de componentes e a generalidade de muitos aspectos de análise levaram conselheiros da ONU a apontar reparos necessários no índice. No sumário executivo da última reunião, realizada em maio deste ano, lê-se como sugestão de melhoria a redução no número de indicadores, entre outras. Evitar o embaralhamento de informações não articuladas foi a preocupação inicial dos idealizadores do IEME, que guardaram munição para novos indicadores em vez de concentrar tudo no índice inicial do Desenvolvimento Econômico Equilibrado.


 


Em sintonia -- Indicadores publicados na primeira edição do Observatório Econômico reforçam posicionamentos e análises concebidas por LivreMercado e a newsletter Capital Social. A constatação de que a participação do setor metal-mecânico regional na geração de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) caiu quase cinco pontos percentuais no curtíssimo período entre 2001 e 2002 endossa a urgência em se desenvolver matriz econômica alternativa.


 


O segmento metal-mecânico foi responsável por 32,14% do ICMS regional em 2001, participação que caiu para 27,63% em 2002. O patamar ainda é quase três vezes maior que a média do Estado, de 10,32% em 2002, mas não recomenda comodismo porque a queda regional tem sido vertiginosa a bordo da evasão industrial e da descentralização dos investimentos automotivos. Com a retirada de empresas principalmente rumo ao Interior do Estado e o deslocamento de plantas automotivas em regiões tão longínquas quanto Bahia e Rio Grande do Sul, tornou-se urgente planejar o desenvolvimento regional em novas bases. O duplo desafio é estancar a hemorragia de recursos públicos e garantir opções de reinserção profissional ao exército de desempregados.


 


Na mesma listagem de distribuição de ICMS, o boletim Observatório Econômico aponta que a participação do complexo químico foi de 39,34% em 2002, pouco menor que os 40,14% de 2001. A relativa estabilização do setor responsável por fatia expressiva da economia regional é mais um argumento em favor do conceito Nosso Futuro É de Plástico, lançado por LivreMercado.


 


Previsivelmente para a região que passou por lipoaspiração industrial na década de 1990, o Observatório mostra que o setor terciário é responsável pela maior parte dos empregos formais no Grande ABC. Comércio e serviços somaram 52,64% dos empregos com carteira assinada em 2001, de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). A indústria foi responsável por 37,96%, percentual aparentemente satisfatório mas que perde brilho diante da realidade prática do mercado de trabalho brasileiro.


 


A informalidade responsável por parcela significativa das ocupações no País é muito mais representativa no terciário que na indústria. Isso significa que um levantamento que levasse em conta empregos formais e informais retrataria participação industrial muito mais diluída no bolo total. Além disso, a concentração de trabalhadores no comércio e na indústria não é fenômeno digno de ser comemorado. Como se sabe, o Grande ABC está longe de um necessário terciário de alto valor agregado. Pelo contrário, o que se viu por aqui foi verdadeira carnificina de pequenos negócios empinados por desempregados industriais espremidos por grandes redes comerciais magnetizadas por riqueza acumulada em décadas de vacas gordas que não voltam mais.


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