Imprensa

Inacreditável: Diário esqueceu
as manifestações de domingo

DANIEL LIMA - 14/03/2016

Não pretendia voltar a escrever como ombudsman não autorizado dos veículos de comunicação da região, mas o Diário do Grande ABC de domingo se excedeu a ponto de me levar à reação que se segue: o único jornal impresso diário-diário da região esqueceu que a edição de domingo necessariamente teria como manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) as manifestações programadas para o Brasil que pretende ver o governo federal mudar de rumo.

O Diário do Grande ABC não pisou na bola apenas porque não transformou o assunto em tema principal da edição. Mais que isso, não deu uma linha sequer na primeira página e tampouco nas páginas internas, em forma de pré-cobertura.

O Diário do Grande ABC sofreu uma trombose editorial na edição de domingo. Será que existe alguma explicação à escorregadela?

Não encontro uma resposta suficientemente convencedora. Uma coisa dessas ninguém esquece, ou não deveria esquecer. Quanto mais uma Redação inteira. Ou uma Redação inteira fica apenas na retórica, porque o afunilamento de funções levaria a uma concentração desmedida de poderes a ponto de fragilizar o conjunto da obra?

Juro por todos os juros que não esperava por isso, após o furo nágua do Diário do Grande ABC nas últimas eleições de outubro. Todos foram às urnas eletrônicas para eleger o presidente da República e o governador do Estado, além de deputados estaduais e federais, mas o jornal deu de manchetíssima uma homenagem ao Dia da Habitação. Não esperava que equívoco semelhante se repetisse. Subestimei o bloqueio mental da Redação.

Não pensem os leitores que faço esse reparo com satisfação. Passei recentemente quase sete meses naquela publicação e dali saí sem nenhuma rusga. Muito pelo contrário: deixei um punhado de camaradas com os quais convivi harmoniosamente nas poucas vezes em que nos reunimos fisicamente. E olhem que a função que exerci, de consultor e ombudsman, principalmente de ombudsman, é desgastante e idiossincrática.

Só faço reparo sobre a omissão do jornal na edição de domingo porque sou assinante. Tenho todo o direito de apontar um dos maiores buracos editoriais da história da publicação.

Como se explica?

O que me assola mesmo, e insisto na questão, é a curiosidade de tentar entender como se chega a tamanho despropósito. Como é possível que alguém não tenha tido o cuidado de, ao selecionar as principais pautas da edição de domingo, não relacionasse as manifestações no topo óbvio da lista?

Uma matéria de apresentação da expectativa das manifestações na região, ouvindo uma dezena de fontes, daria peso extraordinário à edição, que se completaria com a cobertura desta segunda-feira. Mas o jornal não deu bola para um dos fatos que já se prenunciava mais extraordinários da história político-social desde a queda da ditatura militar. A edição desta segunda-feira não repetiu a gravidade daquela lacuna e nem ficou no trivial das manifestações anteriores, no ano passado. Mas não seria um acerto óbvio que reduziria o drama do erro clamoroso da edição anterior. A edição de domingo vai ficar para os anais da publicação como algo a ser esquecido. É um sete a um clamoroso.

Embora tenha deixado o Diário do Grande ABC de certa forma decepcionado com a velocidade de mudanças para que o conjunto de medidas editoriais anunciada em abril do ano passado virasse realidade para valer, jamais poderia imaginar que algo semelhante ao buraco negro editorial deste domingo sequer pudesse ser cogitado, quanto mais consumado.

Nada, absolutamente nada, serve de justificativa à barbeiragem. Basta ver o que os demais jornais de pequeno, médio e grande porte do País produziram domingo para entender o tamanho da encrenca em que o Diário do Grande ABC se meteu. Pior que isso, ou semelhantemente tão sofrível quanto isso, é se o caro leitor assinante do Diário do Grande ABC não se deu conta do furo nágua. Leitor que entende um mínimo de sociedade, mesmo que não entenda de jornalismo, provavelmente ficou estupefato. Quem é do riscado, como este jornalista, caiu da cadeira.

Recordar é entender

A linha de produção do Diário do Grande ABC precisa passar por severa inspeção. Quem está do outro lado do balcão de informações – no caso, os leitores – não encontra justificativa a tão impressionante derrapagem.

Para completar, não resisto em considerar que o presente do Diário do Grande ABC é uma sequência de descuidos que apontei oficialmente há 12 anos, quando elaborei o que chamei de planejamento editorial estratégico e o executei durante menos de um ano à frente da publicação. Vejam alguns trechos sobre o que escrevi abaixo do tópico “regionalidade”: 

 É preciso compreender o sentido de regionalidade que aplicaremos na linha editorial do jornal para que não se caia na armadilha do reducionismo simplificador. Regionalidade não tem nada a ver com provincianismo. Não faremos do jornal uma repetição diária dos veículos semanários que vivem e sobrevivem de releases dos governos municipais e de empresas privadas que contam com assessoria de imprensa. O conceito de regionalismo contemporâneo prende-se ao desafio de vasculhar cada centímetro quadrado do território dos sete municípios do Grande ABC sem perder de vista o encaixe metropolitano. Também não poderemos desprezar aspectos nacionais e internacionais. Traduzindo a equação: nosso regionalismo jamais se desgrudaria do ambiente metropolitano e muito menos dos sacolejos globalizantes, mas não cometeria a insanidade de, literalmente, tentar agarrar o mundo, enquanto a essencialidade de sua própria gênese territorial escapa entre os dedos da dispersão. 

 Teremos, em função das circunstâncias econômicas e financeiras, de promover uma espécie de escolha de Sofia; ou seja, definir um padrão de cobertura predominantemente regional mesmo que isso custe redução do espaço nacional e internacional. Precisamos ganhar o jogo em nosso quintal de forma massacrante, da mesma forma que perdemos quando partimos para a luta em campo adversário. Queira-se ou não, jogar o jogo do noticiário nacional e internacional com os grandes conglomerados de comunicação é uma batalha inglória. O que não significa que devemos abandonar o barco. É evidente que não, até porque a medida contraria o conceito de regionalidade contemporânea. O que temos de executar — e esse é um caso de decantação — é a busca de novas vertentes de cobertura nacional e internacional que fujam da dependência do noticiário das agências. Apresentaremos um projeto específico sobre isso, mas não numa primeira etapa. 

 O grande mote que pretendemos apresentar é a captura de um regionalismo moderno, instigante e evolucionista. Algo jamais mostrado na história dos jornais metropolitanos presos a pautas federalizadas com soluços, apenas soluços, locais. Faremos um Diário do Grande ABC Metropolitano, ou seja, estaremos conectados permanentemente a tudo que nos rodeia, sobremodo nos campos que mais de perto atingem nossos leitores. Não podemos minimizar o fato de que estamos incrustados numa região metropolitana de 39 municípios e 18 milhões de habitantes, que representam quase metade do PIB estadual e cerca de 20% do PIB nacional. Nosso território preferencial é o Grande ABC. Nosso território complementar é a Grande São Paulo. Somos — a Grande São Paulo — um Estado de Minas Gerais em população e muito mais em economia. Somos quase o dobro dos 420 municípios do Rio Grande do Sul. A Grande São Paulo é um País tratado sem zelo pelos meios de comunicação. O Grande ABC está no interior desse gigantesco painel humano e precisa ser devassado para ser entendido.

 Tudo o que estiver ocorrendo na Região Metropolitana de São Paulo deverá nos interessar detidamente. Nossos indicadores sociais e econômicos não podem se circunscrever à geografia do Grande ABC. Temos de correlacioná-los, sempre que possível, com os espaços que nos rodeiam. A influência do Rodoanel Oeste, que contemplou a chamada Grande Osasco, nos abalou fortemente como espaço socioeconômico, conforme mostramos em matéria baseada em dados estatísticos do Instituto de Estudos Metropolitanos. Não podemos ficar desatentos a isso. As autoridades públicas, privadas e sociais precisam reagir ao quadro. Não devemos cair na tentação de nos lambuzarmos com estatísticas domésticas, puramente regionais, quando o mundo que nos envolve proximamente ou não, reage de forma mais incisiva. 

 (...) Portanto, regionalidade não pode ser confundida com encarceramento territorial. Devemos estar ligadíssimos aos eventos que nos rodeiam, à medida que se operam em áreas mais próximas ou não. Como se explica que Guarulhos está anunciando 13 novas indústrias que no ano passado se beneficiaram de um regime fiscal que abate os custos do IPTU e mesmo do ISS de construção, enquanto nós, depois de quatro anos da instauração de guerra fiscal semelhante no Grande ABC, só enlaçamos uma única indústria, em Ribeirão Pires? 

 (...) Somos cidadãos metropolitanos em intensidade quase semelhante à de cidadãos do Grande ABC. As fronteiras locais são mais tênues que as demarcações metropolitanas. A migração diária de trabalhadores que se deslocam internamente entre os sete municípios é mais intensa que a observada em relação a movimentações em direção a outros territórios da metrópole, mas tem-se acentuado o universo de translados menos convencionais. Isso eleva a responsabilidade editorial de transmitir informações mais elásticas sem perder as raízes regionais. É preciso situar o morador do Grande ABC no contexto metropolitano. Explicar-lhe, por exemplo, a vantagem de uma mega-obra viária anunciada por São Bernardo. Ou a construção da Avenida Jacu-Pêssego. O que tanto uma quanto outra vão representar de alternativas de locomoção e também de geração de riquezas. 

 (...) O conceito de regionalidade não pode perder de vista uma lógica operacional muitas vezes esquecida e que precisa ser reiterada para que determine o fim de ilusões e desperdícios: temos de extrair de nossos profissionais de comunicação o máximo de informação do território sobre o qual se debruçam cotidianamente. Pretender competir com os grandes jornais da Capital no noticiário nacional e internacional sem contar com a equivalência de recursos humanos e materiais disponíveis é dar um tiro no pé. Afinal, deixamos de explorar as peculiaridades de nosso território, onde vivem nossos leitores e assinantes ávidos por informações regionais qualificadas, e nos perdemos no tiroteio de uma competição desigual. 

 (...) Não podemos mais ver nossos patrimônios pessoais morrerem — como têm morrido porque ainda não inventaram a fórmula da eternidade física — e simplesmente os ignorarmos por falta de conhecimento regional. Em contrapartida, ativos pessoais nacionais e internacionais acabam por ocupar o derramamento de nossos espaços editoriais. Entregamo-nos a uma globalização de mão única — onde o que vale é a globalização excludente do regionalismo contemporâneo. Os personagens que ajudam a construir de fato a história econômica, social, cultural e política do Grande ABC precisam ser valorizados em suas variadas dimensões. Reconhecer-lhes os méritos tem o significado de erguer espelhos que poderão se multiplicar em defesa da regionalidade.



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