Não se trata de texto-sentença, desses que vão constar de minha biografia de jornalista como enunciado final de um futuro certo. Primeiro porque não sou nem tenho pretensão a profeta. Apesar do nome de batismo. Não passo, convenhamos, de algo insignificante no Universo. Segundo porque tudo não passa de percepção somada a conhecimento, um dueto que não oferece qualquer garantia de que seria sucesso de público e crítica quando o futuro distante chegar. Mas não custa nada especular.
Afinal, como não sou de deixar para amanhã o que posso resolver hoje, eis que expresso minha preocupação com esta região imprimindo nova marca simbólica e também síntese de meus pensamentos. Os quatro Cavaleiros do Apocalipse da Província vão compor uma nova estrutura conceitual que os leitores terão a oportunidade de rever de agora em diante. Como Complexo de Gata Borralheira, Assalta Grande ABC, Defensa Grande ABC, Festeja Grande ABC, bandidos sociais, mandachuvas, mandachuvinhas e tantos outros verbetes e expressões.
Contamos com um quarteto outrora endeusado e já no presente dotado de configuração demoníaca, no sentido figurado do termo. Vou apresentar aos leitores, conforme o prometido ainda outro dia, o que chamo de Os quatro Cavaleiros do Apocalipse da Província. Sabem os leitores quais são os novos personagens desta Província? Ei-los:
Indústria Automotiva
Sindicalismo cutista
Divisionismo territorial
Gataborralheirismo cultural
Estão aí os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Vamos destrinchá-los, em seguida, de forma resumida. Poderia, sem falsa modéstia, escrever um livro de pelo menos 300 páginas sobre esse quarteto e suas mutações sociais, econômicas e políticas. Mas não pretendo passar de pouco mais de um mil caracteres.
Esse artigo deveria ser entendido muito mais que uma provocação aos agentes públicos e privados da região, além da própria sociedade. Deveria virar agenda a ser combatida a fim de -- maravilha das maravilhas -- desmoralizar este jornalista que teima em fazer do futuro um exercício de perscrutação infelizmente certeiro.
Indústria Automotiva – Já se foi o tempo em que ditávamos o ritmo da riqueza sobrerrodas no Brasil. Esse período ficou no passado tanto quanto a Kombi, que o prefeito e ex-sindicalista Luiz Marinho pateticamente tanto lutou para impedir o encerramento do ciclo de produção em São Bernardo. Somos cada vez menos importantes no mapa de fabricação de veículos leves e pesados do País. E vamos seguir nessa espécie de marcha de esvaziamento porque caímos do cavalo da centralização de produção que determinava o rumo dos investimentos no Brasil do passado. A dependência econômica da indústria automotiva já se tornou duro golpe. Nossa Doença Holandesa se manifesta no enxugamento do universo de produção, tanto em unidades de empresas quanto de trabalhadores, muitos dos quais, nestes tempos bravios, pendurados em programas seletivos de proteção ao emprego que, como almoço, não sai de graça. Os vícios do sanguessuguismo automotivo nos custam e nos custarão muito caro. Nossos homens públicos pautaram-se pela burrice de dispensar a diversidade de matrizes econômicas porque os recursos tributários dessa galinha de ovos de ouro sempre foram generosos e fáceis de colher.
Sindicalismo cutista – Sobretudo pelo viés de representação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de onde emergiram lideranças que passaram ou continuam no governo federal, os representantes dos trabalhadores empregados do setor industrial da região são contraditoriamente anticapitalistas. Imitadores mequetrefes de movimentos sindicais do Primeiro Mundo, os sindicalistas mais à esquerda do bom senso entravam o desenvolvimento econômico da região. Já o fizeram no passado, quando colocaram no mesmo saco de reivindicações pequenas, médias e grandes corporações. Contribuíram, juntamente com politicas econômicas de viés centralizador e estatizante, para aniquilar o empreendedorismo na região. Pequenas indústrias familiares desapareceram ou escafederam também sob o jugo sindical. E a situação não é diferente nestes tempos em que o Programa de Proteção ao Emprego, que favorece apenas as grandes companhias, reveste-se de novo golpe nas relações entre corporações de tamanhos distintos. O viés estatal do sindicalismo getulista incorporado pelos metalúrgicos de São Bernardo, principalmente, contamina o ambiente regional e afasta os investimentos, além de provocar fundas distorções nas relações entre capital e trabalho.
Divisionismo territorial – O que foi saudado em meados do século passado como uma jogada de mestre dos chamados autonomistas, com a fragmentação continuada de um território então de unicidade natural, se tornou de fato um bicho de sete cabeças. O retalhamento dos 825 quilômetros quadrados de área da Província do Grande ABC é a síntese da deseconomia de escala, de esquartejamento cultural, de tudo que possa ser entendido como antítese de unidade de objetivos e propostas. Os efeitos deletérios da divisão territorial da região são múltiplos. A organização político-institucional é uma ficção que o Clube dos Prefeitos pretende inocular em agentes despreparados ou ingênuos. Não existe no território regional algo que possa sequer ser catalogado como prova de eficiência integracionista. Vigora o municipalista mesquinho e encapsulado. As tênues divisórias físico- territoriais são, paradoxalmente, um convite à autonomia exclusivista, separatista, própria de quem quer marcar terreno. A ciumeira e o individualismo dos políticos e dos agentes privados em se pretenderem melhores em suas áreas geográficas os transformam em aprendizes de feiticeiros. Quem paga o preço de lambanças permanentes é a sociedade como um todo, também em larga escala ciosa de especificidades do espaço municipal ocupado.
Gataborralheirismo cultural – A contraditória proximidade com a reluzente Capital já me levou a escrever o livro “Complexo de Gata Borralheira”. Trata-se de um mal da alma regional que se espalha por todas as atividades. Entre sair às ruas da região e deslocar-se à Avenida Paulista para engrossar o coro antipetista nas manifestações de domingo passado, a segunda opção prevaleceu e prevalecerá sempre. Uma festa de formatura escolar também será mais lembrada no futuro se realizada num clube da Capital. Uma empresa de tecnologia ganhará força de marketing se carregar o endereço paulistano. Um profissional de comunicação mediano da Capital será visto como melhor que o melhor dos profissionais da Província. A falta de identidade regional acentua-se a cada novo movimento de amadurecimento tecnológico. No passado analógico e de mobilidade social ditada pela industrialização, a Província era mesmo Grande ABC. Contava com vida própria e fervilhava na cultura, no esporte, no jornalismo. A distância que a separava da Capital era menor cultural e fisicamente. Caímos pelas tabelas à medida que a Capital ficou mais próxima e as indústrias formadoras de novas classes média e rica fugiram para o Interior do Estado ou mesmo para o outro lado da Região Metropolitana de São Paulo. O Gataborralheirismo cultural faz da Província apenas um apêndice mal-iluminado da Capital com tudo de pecaminoso que se possa imaginar. Inclusive no campo institucional. A sem-vergonhice da corrupção faz da região campo experimental sem atropelos judiciais de monta. Modalidades inovadoras ou repetidores de roubalheiras só são descobertas tempos depois, quando, eventualmente, grupos a deslocam principalmente aos holofotes da Capital federal. Ou seja: nosso gataborralheirismo não existe no mundo criminal. Muito pelo contrário. Aqui somos cinderelescos, porque a ocasião da escuridão faz o ladrão da inovação.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!