Aviso aos navegantes da Província do Grande ABC: não caiam na besteira de acreditar que o que se passa nestes tempos no País, com a Operação Lava Jato, poderia ter versão regional de ressurreição da cidadania. É praticamente impossível que a densa nuvem de gafanhotos sociais será dedetizada a ponto de reduzir a esculhambação e a impunidade. A tendência é de que o manto de providencial insurgência coletiva nacional acoberte individualidades potencialmente ainda mais corruptas, porque supostamente salvadoras da pátria regional.
A demonização unilateral do PT nestes tempos bravios é um prato cheio a oportunistas de plantão na região. Vi algumas fotos da pobre manifestação do final de semana em Santo André e quase morri de desgosto. Ali há algumas figurinhas carimbadas de malandragens institucionalizadas que fariam corar de vergonha os mais escolados transgressores petistas hoje na ribalta da desclassificação moral e ética.
A situação da Província do Grande ABC, portanto, é muito mais grave, guardadas as devidas proporções, que a situação do Brasil como um todo. O que a Operação Lava Jato empreende é o sonho de consumo de quem mora e tem responsabilidade social na Província. Mas também é sinalização dramática de que por aqui tudo vai continuar como antes, se não piorar. A Lava Jato pode destilar a ideia de que o País como um todo entrou nos eixos -- e sabemos que aqui, na Província, o lamaçal é denso em todas as esferas de poder.
Festa de arromba
Nem mesmo a possibilidade de a Operação Lava Jato pegar meliantes locais deve embalar a expectativa de que ações assemelhadas, mas em nível estritamente regional, serão deflagradas. Não percam tempo ao imaginar recorte diferente do que temos hoje e há muito tempo: as instituições regionais não funcionam porque há cambalacho generalizado a unir, informalmente, agrupamentos que denomino de Assalta Grande ABC e Festeja Grande ABC. Os integrantes desses grupos são mandachuvas e mandachuvinhas que não arredam pé de conluios.
Quem mais corre risco de virar estatística criminal nesta Província é jornalista independente que bota o dedo na ferida. Os bandidos sociais da região contam com amplo suporte logístico-marquetológico de parte da mídia, quer por conveniência, quer por negligência, quer por incapacidade investigativa. Há surtos denunciatórios em forma de reportagens, é verdade, mas não passam mesmo de espirros de liberdade em meio a uma epidemia de constrangedor silêncio.
São inúmeras as situações criminais pendentes e desdenhadas na região, sobre as quais há envergonhado silêncio da mídia, com exceções que confirmam a regra. Casos escandalosos, com provas documentais inquestionáveis como o assalto perpetrado pela MBigucci no caso do empreendimento Marco Zero, fruto de arrebatamento de uma área pública em ação delituosa, são apadrinhados pelo Ministério Público.
Sim, apadrinhados, porque a apuração que se levou adiante é mistureba de incompetência avaliativa e descaso. Se não for nem uma coisa nem outra, nem tampouco apadrinhamento no sentido figurado do termo, então o que seria? Que o Corregedor-Geral do MP no Estado de São Paulo, a quem recorri em busca de proteção à verdade dos fatos, se manifeste.
Perseguição antiga
Talvez o Corregedor-Geral do MP e outras autoridades legais desse organismo devessem dar mostra de preocupação com o esgarçamento do tecido de legalidade na Província do Grande ABC cansativamente registrado nestas páginas. Retirem do horizonte a névoa de perseguição a este profissional de comunicação por ter se oposto às investigações sobre o caso Celso Daniel perpetradas pela força-tarefa do Ministério Público que atuou em Santo André. Até quando este jornalista será penalizado pelo MP por não ter se alinhado à frouxidão investigatória que redundou em enredo fantasmagórico que, mais de uma década depois, o escândalo da Petrobras desclassifica de vez?
A Província do Grande ABC precisa de uma força-tarefa do Ministério Público, da Policia Federal e da Receita Federal com alma regional. É gratificante acompanhar o desenrolar da força-tarefa de Sérgio Moro e demais estrelas da Lava Jato, embora a bem da verdade e do equilíbrio denunciatório ainda faltem muitos personagens partidários a contemplar. Tudo isso é ótimo, mas não podemos perder de vista que temos uma região extremamente delinquente a vasculhar. Um caudal de roubalheiras que as instâncias de poder não estão dando o devido valor ou se confessam implicitamente despreparadas em recursos humanos e materiais para levar as tarefas adiante.
Vida boa demais
A impunidade é longa para os corruptos que atuam nas esferas do poder público e no ambiente econômico privado da região, geralmente em ações interdependentes. A operação com base em Curitiba lava a alma dos brasileiros em geral, é verdade, mas ainda está longe de sugerir a abertura de torneiras específicas na região.
Por enquanto, o sabonete da cidadania que caiu no chão continua no chão porque a sociedade como um todo não tem coragem de apanhá-lo, ao reconhecer que o vizinho ao lado, sempre impune, está pronto para um golpe de esperteza. O ambiente de inércia institucional que impera na região é fruto da incompatibilidade de organismos do Estado com os pressupostos que a Operação Lava Jato está consagrando no ambiente nacional.
Até quanto vamos seguir essa vida de voyeurismo político-social? Até quando vamos ter de suportar a ideia de que a Operação Lava Jato está, paradoxalmente, incentivando a fertilização regional de novos agentes públicos e privados despudoramente oportunistas, prontos para realimentar processo de infiltração e controle de instâncias públicas com o aperfeiçoamento de modelos de picaretagens desbaratadas pela força-tarefa de Curitiba?
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!