Sociedade

República do ABC perde feio
para República de Curitiba

DANIEL LIMA - 18/03/2016

Nestes tempos de Operação Lava Jato, a República do ABC que somos perde feio para a República de Curitiba que eles são. O temor do ex-presidente Lula da Silva com o rumo das ações da força-tarefa que tem o juiz Sérgio Moro como símbolo maior, temor expresso numa das gravações que invadiram as redes sociais, diz bem em que estágio institucional nos encontramos.

Somos aquilo que os acadêmicos mais sofisticados chamariam de resultado final do processo fisiológico da alimentação do cavalo do bandido. Poderia convocar Lula da Silva para gloriosamente resumir a frase de compreensão aparentemente hermética. Ele usaria um verbete com o qual costuma estabelecer juízo de valor das mais importantes instituições do País.

Lula da Silva simboliza como ninguém esta Província; Sérgio Moro aquela Capital. Já imaginaram a precificação dessa diferença em termos de investimentos, de imagem, de tudo que se imagina como agregado de valor dos respectivos territórios?  Se nem no passado recente de glória de Lula da Silva não usufruímos de sua origem sindical e política, o que seria destes tempos de tempestades?

Mais que o momento dramático atual, quando um desfile de sofismas de quem não tem respostas subestima a inteligência de brasileiros menos encabrestados, o que me preocupa é o futuro próximo desta Província -- como se o passado recente e também o passado remoto não fossem suficientes para me deixar azedo.

Cuidado com oportunistas

O que será desta Província nos próximos tempos? Eis uma pergunta que me faço. Entendam-se próximos tempos como, de imediato, um cronograma que não ultrapassaria o final deste ano. O ambiente macroeconômico e macropolítico vai influenciar de tal maneira o movimento das pedras na região que não está fora de cogitação uma situação pior do que a atual.

Sem uma Operação Lava Jato genuinamente local, poderemos ter a ascensão de agentes privados e públicos que ainda não emergiram em falcatruas porque muitos dos atuais tomaram conta do pedaço.

A diferença entre vários daqueles que poderão ser apeados de cargos públicos importantes e os que eventualmente os substituiriam é que os primeiros poderão ser deixados à beira da estrada com a pecha de prevaricadores e incompetentes, enquanto os ascendentes surgiriam num palco iluminado de transformações extraterritoriais sem que reúnam atributos republicanos que justificariam o trombetear da felicidade. Muito pelo contrário. A profilaxia de determinadas porções do território regional seria apenas uma conspiração de marketing. A emenda soaria pior que o soneto.

Duvido que o ambiente político, econômico e institucional em Curitiba, megacentro das investigações, não seja o oposto da prostração generalizada que regula a vida na Província do Grande ABC. Por mais que a força-tarefa possa ser avaliada como exceção à regra da institucionalidade interesseira de um País que só é camarada na visão de ignorantes culturais, Curitiba certamente tem orgulho do que está a produzir. Enquanto isso, a Província do Grande ABC vive de cabeça baixa, sem autoestima, ferida de morte.

Imagens comprometedoras

A associação da Província como berço politico do PT desqualifica nesta quadra de demonização da agremiação todo o território regional. Não bastasse essa compulsória correlação ditada por fatores históricos, as imagens que a todo instante aparecem na TV com enfoque na torre residencial do presidente Lula da Silva, em São Bernardo, colocam a região no centro do escândalo. O prédio da Polícia Federal em Curitiba é o contraponto da moradia de Lula da Silva na Província do Grande ABC. Estamos perdendo de goleada em matéria de credibilidade e idoneidade nesse momento de varredura nacional. Brasília, agora tomada pelos oposicionistas que cercam o Palácio do Planalto, já nos repassou o título de Geni Nacional.

A Província do Grande ABC não conta com autoridade moral para questionar a imagem que o Brasil inteiro lhe atribui nesses tempos de caça às bruxas petistas. Somente uma reação da coletividade, principalmente de instituições sociais, poderia aplicar contragolpe que amenizasse os estragos. Mas quem disse que temos algum movimento sólido, liderado por gente do bem e não por oportunistas, a ponto de impactar a mídia com medidas que convergissem à maioria do povo brasileiro?

Chegamos ao fundo do poço institucional e dificilmente nos livraremos da pecha de território a ser evitado em investimentos e também em qualquer referencial de moralidade pública. Somos uma Sodoma e Gomorra ante olhos mais críticos.

Ação de profissionais

Tudo isso não é nada surpreendente, convenhamos. A liquidação ética e moral da região não é obra de amadores e tampouco exclusividade de estratos petistas e sindicalistas. Antes do PT, mas acentuadamente após o PT passar a ter o controle politico e econômico da maioria dos municípios locais, já cumpríamos rigoroso plano pró-esculhambação.

As roubalheiras na região, com série de escândalos irresponsavelmente não apurados, quando não mal-apurados, vêm do passado em que a transparência pública era protegida também pela debilidade tecnológica.

Entre a República de Curitiba, assim pejorativamente mencionada por Lula da Silva numa das gravações, e a República do ABC, triunfalmente devotada quando do surgimento do movimento sindical liderado pelo mesmo Lula da Silva, o tempo tratou de colocar as pedras nos devidos lugares.

A inversão do sentido de cada marca, algo que qualquer sondagem cientifica constataria sem contestação, deveria ser motivo suficiente para a mobilização das forças vivas da Província do Grande ABC. Só assim teríamos a retomada de valores práticos e imaginários que restavam de prestígio territorial. Mas quem disse que temos em forma de ação coletiva forças vivas na região?

Quando tentei criar o Defenda Grande ABC com um punhado de corajosos, poucos resistiram às pressões do ecossistema regional. A experiência foi ótima no sentido de que meu instinto de sobrevivência não foi ludibriado. No fundo, no fundo, sabia que poucos sobrariam para contar a história.

Estamos pagando um preço elevadíssimo por isso. E a fatura pode aumentar ainda mais. O ambiente petista-cutista que impera na região há muito tempo poderá dar lugar a falsos salvadores da pátria, muitos dos quais sem espaço de manobras diante de adversários políticos que usaram e abusaram do direito de extrapolar. O perigo espreita a Província do Grande ABC.



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