Sociedade

Verdade incômoda: entidades
locais ignoram crise política

DANIEL LIMA - 29/03/2016

Quem cair na conversa mole de alguns representantes de entidades de classe que supostamente estariam alinhadas à derrubada da presidente Dilma Rousseff corre o risco de dar corda a encenações. Exceto a representação de Santo André do Ciesp (Centro das Indústrias de São Paulo), que foi às ruas não propriamente pela derrubada da presidente, mas por mudanças na política econômica, nenhuma organização social, empresarial, sindical e de classe tem moral para brandir a espada de transformações de verdade. O que temos na praça regional é uma mistura de oportunismo e constrangimento porque alguns dirigentes foram obrigados a deixar o muro de conveniências.

De maneira geral, todas essas organizações, que não passam de guetos sem representatividade ou de representatividade aquém do potencial, gostariam mesmo é de seguirem em silêncio porque assim não teriam de prestar contas à sociedade e principalmente aos petistas, aos quais estão vinculadas de uma maneira ou de outra.

Não sei se a intenção do Diário do Grande ABC na edição de hoje foi criar um ambiente regional de combate ao governo Dilma Rousseff. Seria um direito inalienável da publicação geralmente em cima do muro no tratamento editorial em situações análogas na região. Não sei o que pretende o Diário do Grande ABC, repito, mas a manchetíssima (manchete das manchetes da primeira página) de hoje não corresponde à reportagem da página interna. O ambiente de indignação que se extrai da manchetíssima (“Entidades do ABC fazem manifestos por saída de Dilma”) é uma senhora forçada de barra porque não tem o respaldo dos entrevistados. Muito pelo contrário. Em alguns casos, as declarações são um convite a Freud.

Análise da reportagem

Para que não fique dúvida sobre a conclusão a que cheguei, vou analisar brevemente todos os trechos que compõem a matéria, cujo título da página interna é “Entidades da região apoiam impeachment de Dilma Rousseff”.  Vamos aos primeiros trechos: 

 Entidades do Grande ABC demonstraram ontem, pela primeira vez, publicamente, postura de adesão à queda da presidente da República, Dilma Rousseff (PT), à frente do Planalto há cinco anos, mas apenas um ano e três meses na condução do segundo mandato. Seguindo as direções nacional e estaduais, as subsecções da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) da região protocolaram, nas respectivas Câmaras Municipais, moção de apoio à solicitação de abertura do processo de impeachment. Dirigentes de associação comercial também manifestaram-se favoráveis ao afastamento da petista – embora em posições ainda individuais, não institucional – por considerar a situação insustentável.

Linha oposta

Para fazer jus à realidade dos fatos, a manchetíssima de hoje do Diário do Grande ABC e a manchete de página interna deveriam seguir linha oposta à enunciada. Substituiriam-se os títulos já mencionados por algo na seguinte linha: “OAB da região vai a reboque de decisão nacional e associações comerciais se calam”.

Mais alguns trechos da reportagem do Diário do Grande ABC: 

 O presidente da OAB de São Bernardo, Luís Ricardo Davanzo (PRB), alegou que – lembrando texto apresentado pela entidade – é neste momento postura institucional da OAB, tanto no conselho federal quanto nos estaduais, no sentido de propor pedido de impeachment. “É determinação da entidade. No entanto, não é pré-julgamento. Nós estamos contando (no documento formal) que existem denúncias e que têm de ser apuradas. E assim ser respeitado o processo legal, o direito de ampla defesa”.

Drible da vaca

Cotadíssimo a ocupar a vaga de vice-prefeito da chapa petista em São Bernardo, o presidente da OAB local tentou dar o drible da vaca na resolução nacional da OAB, a qual contou com o suporte de todas as secções estaduais. A sequência da matéria do Diário do Grande ABC, produzida burocraticamente, sem opor resistência factual às declarações do presidente da OAB local, não deixa dúvidas sobre a tentativa da organização de São Bernardo atenuar a situação da presidente da República entre outras razões porque as relações de Davanzo com os petistas locais é de muita proximidade e compromisso. Mais reportagem do Diário do Grande ABC: 

 A nacional da OAB entrou oficialmente ontem, sob tumulto, com pedido na Câmara Federal. Material se soma a mais 11 pedidos pendentes de análise. A definição da entidade possui por base o aval, no dia 19, de relatório que aponta crime de responsabilidade pela petista no exercício do atual mandato. O documento cita tentativa de interferência nas investigações da Operação Lava Jato, inclusive na nomeação do ex-presidente Lula (PT), que é investigado, como ministro-chefe da Casa Civil (...) – publicou o jornal.

Divórcio escancarado

Vamos dar sequência à reportagem do Diário do Grande ABC, sempre reforçando a premissa de que há completo divórcio entre o enunciado da manchetíssima e da manchete em relação ao texto: 

 Dirigente da OAB de Santo André, Roberto Gonçalves, confirmou que a entidade local também formulou documento e formalizou no Legislativo, que agora passará por votação em plenário. O requerimento pede que as apreciações sejam encaminhadas à Brasília. “Veio orientação da direção central. Estamos seguindo a ética institucional”, disse, ao acrescentar que não entraria no mérito da questão do eventual crime praticado por Dilma Rousseff, conforme citado no relatório. “A certeza é que o governo precisa ser revisto”, justificou. Adilson Paulo Dias, presidente da OAB de São Caetano, disse que a aprovação se deu por unanimidade, bem como ocorreu em Diadema. Em Ribeirão Pires, a moção foi lida ontem na Câmara, sem votação do texto. Houve clima de tensão.

Escondendo relações

As declarações do presidente da OAB de Santo André são estarrecedoras e estão na linha de incongruências do presidente anterior, Fábio Picarelli, que fez da entidade plataforma política para candidatar-se preliminarmente à Prefeitura de Santo André com um discurso de higienização ética que não combina com as práticas à frente daquela entidade. O novo presidente da OAB de Santo André simplesmente passou por cima das decisões do Conselho Federal da OAB porque, certamente, tem relações locais que o colocam de saia justa como seu antecessor. Nesse ponto, não faço qualquer juízo de valor sobre as deliberações da OAB Nacional que visam o impedimento de Dilma Rousseff. Apenas exponho o incômodo de dirigentes locais da OAB diante da necessidade de retirarem as máscaras de inapetência às causas públicas que caracteriza quase que generalizadamente a entidade no território regional.

Dou sequência à reportagem do Diário do Grande ABC: 

 Comandante da Acisbec (Associação Comercial e Industrial de São Bernardo), Valter Moura citou que diante de Dilma descartar a renúncia, a entidade vai marcar posição ainda no decorrer da semana em favor do impeachment. “Não é pela pessoa ou questões partidárias, simplesmente porque o País não tem mais condições de ficar nesta letargia. Ficou ingovernável, perdeu sua credibilidade. A economia ficou paralisada e precisamos urgentemente gerar emprego”. A Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) colocou faixa no prédio pelo fim da corrupção. O presidente Evenson Dotto falou que a atitude é para expor posicionamento sem questões partidárias. “A diretoria em sua grande maioria é favorável pelo afastamento rápido da presidente”, disse, assinalando que não há postura oficial da entidade sobre o impeachment – escreveu o Diário do Grande ABC.

Ações e omissões

As associações comerciais da região perderam completamente a autoridade moral de representatividade de classe a partir do momento em que por ação ou por omissão se lançaram nas águas petistas, como o fizeram anteriormente em larga escala nas águas dos conservadores. A Acisa negociou o cargo de vice-prefeita com Carlos Grana, em Santo André, sem produzir e tornar público um documento sequer que vinculasse a iniciativa a profundas mudanças nos setores de serviços e comércio de Santo André. Já a Acisbec, que correu em direção ao colo do prefeito Luiz Marinho, aderindo acriticamente ao então novo titular do Paço Municipal, não tem feito outra coisa ao longo dos anos senão travestir-se de comentarista oportunista do cenário regional.

Jogando para a plateia

Para concluir, e de forma rápida e sucinta, eis uma sugestão para o refazimento da manchetíssima do Diário do Grande ABC de hoje e o respectivo conceito de texto de página interna: “Entidades da região acompanham impeachment a reboque de terceiros”. Agora o texto breve: “Numa prova mais que escancarada de que a institucionalidade regional é uma falácia, subsecções da Ordem dos Advogados do Brasil da região foram obrigadas ontem a seguir receituário do Conselho Federal e, mesmo constrangidas, aderiram ao movimento que visa a derrubada da presidente Dilma Rousseff. As associações comerciais se manifestam não oficialmente porque o assunto jamais foi tratado em reuniões de diretoria. Aliás, como nas OABs locais.”.

Se há algo que me irrita como jornalista é tentarem me fazer de trouxa. A cenarização de uma reação que não existe é o pior modelo ao chamamento da sociedade. A demonização de Dilma Rousseff vai proporcionar a fertilização de amplo campo demagógico que poderá redundar no surgimento ou no ressurgimento de figurinhas carimbadas que, todos sabem, não passam de charlatães.



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