Sociedade

Quem topa introduzir Código
de Ética nas instituições locais?

DANIEL LIMA - 20/05/2016

Quem entre os dirigentes de organizações empresariais, sindicais, públicas e sociais da Província do Grande ABC ousaria colocar na agenda de mudanças a construção de Código de Ética debatido e implementado inclusive com a atuação de representantes da sociedade, para que não fique restrito ao corporativismo da instituição em questão?

Quem toparia essa parada inclusive para que não pairem mais dúvidas e desconfianças que coloquem a retórica de um lado e a prática de outro?

A constituição de Código de Ética não é tarefa difícil. Muito pelo contrário. Há modelos que poderiam servir de inspiração, com adaptações específicas à atuação de cada entidade. Diferenciações especificas serão fáceis de acoplar e não alterariam em nada o escopo essencial, que tornaria as relações mais transparentes, elucidativas, esclarecedoras e, por que não, desqualificadoras formais dos infratores.

Uma das vantagens disso tudo é que os bons administradores públicos e os bons comandantes de entidades privadas e sociais seriam reconhecidos e seguidos, num processo retroalimentador de cidadania, matéria-prima tão escassa nas cúpulas da região. Hoje o que temos é uma mistureba malcheirosa que impacta indistintamente a todos. A percepção de que são raros os exemplos a seguir não parece resultado de derrotistas. Basta ver que não existe uma única organização que ultrapasse os limites de interesses específicos. O conjunto da sociedade está relegado a terceiro plano.

Facilidade de mudança

Não há a menor possibilidade de o Código de Ética -- sugerido como matriz a todas as instituições -- deixar de ser criado e aplicado por conta de obstáculos legais, que supostamente infringiriam leis superiores. Trata-se de avanço infraorganizacional, por assim dizer, a estabelecer novas regras de comportamento corporativo e social. Essa correção de rota preencheria o espaço de frustração da sociedade em geral.

Não faz muitos anos realizamos uma pesquisa com integrantes do então Conselho Editorial desta revista digital. Tocamos exatamente nesse ponto -- no ponto de credibilidade das instituições em geral com sede na região. A reprovação foi quase generalizada. Só se salvaram os chamados clubes de serviço, Lions e Rotary. (Sugerimos a leitura do material no link abaixo).

Uma nova pesquisa com formadores de opinião provavelmente chegaria a resultado ainda mais tenebroso. A institucionalidade da região foi para o ralo como consequência de incompetências crônicas e escândalos envolvendo um ou outro dirigente.

Caso de Milton Bigucci no Clube dos Construtores. O presidente do conglomerado MBigucci foi apanhado na Máfia do ISS de São Paulo, denunciado pelo Ministério Público do Consumidor de São Bernardo como campeão regional de abuso contra a clientela, citado pelo delator Calixto Antônio Júnior como um dos empresários beneficiados no Escândalo do Semasa e metido na farra do arremate fraudulento do leilão do terreno entre a Avenida Senador Vergueiro e Avenida Kennedy, em São Bernardo. Tudo isso sem que a diretoria da entidade, reduzidíssima e pouco ativa até então, ousasse tomar qualquer ação punitiva.  Um Código de Ética bem amarrado teria antecipado a queda do dirigente, a qual deixaria de ser diplomática e se configuraria de fato condenatória e profilática.

Obrigações sociais

Quem tiver a petulância de dizer que uma entidade de classe, de qualquer classe, não tem obrigação de se apresentar à sociedade e que tudo que lhe diz respeito deve ficar intramuros, restrito aos interesses próprios de seus integrantes, quem tiver a petulância de dizer isso não pode sequer passar na porta de entrada de qualquer organização do gênero. Tem mesmo de levar um chute nos fundilhos do individualismo oportunista e aproveitador.

Não deve existir lugar em instituições que representam estratos da comunidade para quem só está de olho em benefícios pessoais ou em busca de sinecuras corporativas com práticas de lobbies.

Cadê a OAB?

Fossem as unidades da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na região um exemplo de regionalidade e de comprometimento com a sociedade em geral, a sugestão deste jornalista seria digna de risos, porque estaria defasada no tempo. Infelizmente, trata-se de ação atualizadíssima, conectada aos preceitos de um Brasil da Lava Jato.

Nossas unidades da OAB, que teriam estofo de credibilidade por causa dos ganhos sistêmicos de imagem em âmbito nacional, não têm capilaridade social. Reportam-se a seus filiados, que, aliás, são uma pequena parcela do conjunto dos profissionais habilitados. Os presidentes locais da OAB poderiam abraçar essa ideia com a iniciativa de peregrinação massificadora. Os alvos seriam entidades que, na maioria dos casos, só mantêm compromisso social extramuros nas intenções burocráticas dos respectivos estatutos.

Os ovos da serpente do Brasil Bandalheiro de hoje, do Brasil dos bandidos sociais, estão postos nos municípios. A Lava Jato é produto do passado de práticas delituosas que a sociedade de maneira geral simplesmente tolerava, tão entranhadas estavam no cotidiano dos negócios privados e da gestão pública. Essa turma da fuzarca principalmente com o dinheiro público não encontra obstáculos, exceto quando numa ou noutra situação emerge a exceção de cumprimento das regras legais.

Defenda conservador

Quando sugeri e botei a mão na massa com alguns voluntários na tentativa de criar o Movimento Defenda Grande ABC, chegaríamos certamente ao estágio de um Código de Ética que balizaria suas atividades e também agiria como câmara de ressonância para sensibilizar outras organizações coletivas.

A frustração com o fracasso daquela iniciativa só não abalou meu entusiasmo em produzir jornalismo fora do formato convencional de relatar bobageiras de espertalhões porque já desconfiava de que havia um certo limite àquela ação.  Senti que boa parte daqueles pretendidos integrantes do Defenda do Grande ABC não reunia atributos reformistas de que se precisava quando chegaram respostas da entrevista em comum que tratava da atuação do sindicalismo na região.

O enaltecimento da atividade e uma profunda carência de senso crítico me causaram estupefação. Não haveria entusiasmo a desafiar as mesmices sacramentadas em prejuízo da sociedade. O teste inicial revelara que não se podia esperar muito de mais da metade dos primeiros voluntários. Uma espécie de clube de resistência e de aniquilação aos desmandos e traquinagens contava com poucos voluntários efetivamente dotados de alguns pressupostos essenciais – independência profissional, disposição a enfrentamentos indigestos, lucidez resplandecente sobre a situação econômica, política e social da região e uma natural vocação ao coletivismo sem privilégios. Jogadas de bastidores forneciam a senha de que alguns poucos pretendiam ser mais que os demais.

Primeiro passo

Quero dizer com isso que não avançará um milímetro qualquer iniciativa que vise a criação de Código de Ética nas entidades da região se os decibéis de inconformismo com o que temos na praça como regra geral não forem suficientemente estridentes. Que dirigente classista vai ter coragem de dar o primeiro passo, o passo em direção a uma reforma para valer no modus operandi das entidades ainda presas ao conservadorismo de meados do século passado?

Não é de hoje que tenho exposto a sugestão de aplicação de Código de Ética. Num texto de dezembro de 2011, referindo-me ao Clube dos Construtores e Incorporadores, por conta de discordância sobre a forma de gestão, elaborei propostas que o então presidente Milton Bigucci jamais deu ouvidos. Mais que não dar ouvidos, partiu para a retaliação, buscando no Judiciário nem sempre atento ao contexto regional, uma maneira de me tirar da linha analítica.

Vale a pena resgatar aquele trabalho (no link abaixo) porque um dos pontos versa exatamente sobre a imperiosidade de as relações serem pautadas pela ética. Não custa lembrar que aquele Brasil e aquela Província do Grande ABC de dezembro de 2011 nem imaginavam os dias atuais, de Lava Jato a entornar o caldo de muita gente.

Leiam, portanto:

Nossas propostas para humanizar o predatório mercado imobiliário

Entidades empresariais, sindicais e sociais recebem cartão vermelho



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