Sociedade

Cantamos a caçapa: Marinho
está encrencado com federais

DANIEL LIMA - 06/06/2016

Cantei isoladamente as duas caçapas (Operação Zelotes e Operação Lava Jato) nesta Província de covardias midiáticas alucinantes e de cidadania raquitinizada. Agora veio a revista IstoÉ com reportagem especial que ilumina o campo de complicações em que está metido o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, e seu entorno político-administrativo.

Por enquanto apenas Marinho e um dos filhos de Lula da Silva, além dos já denunciados participantes da Operação Zelotes, estão diretamente relacionados à gordíssima propina na compra dos caças suecos Gripen, da Saab. Mas tudo indica que outros nomes emergirão. Aí é que entra o entorno do prefeito.

Tomei conhecimento do assunto sábado de manhã quando um leitor desta revista digital mandou mensagem ao meu smartphone. “Propina a jato” – eis a manchete da revista IstoÉ. Conhecendo como conheço a tessitura de uma reportagem, não há dúvidas de que Luiz Marinho deve ter perdido o sono desde que tomou conhecimento de que está sendo investigado. Um trecho, em particular, da reportagem pareceu devastador.  Leiam comigo: 

 “Temos indícios de que os R$ 10 milhões localizados na conta da LFT tenham origem no esquema dos aviões”, disse a IstoÉ na quarta-feira, 1º, um dos procuradores que acompanham a Operação Zelotes. “E temos provas concretas de que o prefeito Luiz Marinho participou desse negócio”. O procurador estranha o fato de o prefeito ter influenciado na compra dos caças, ainda que em São Bernardo esteja uma das unidades da Saab. “Por que um prefeito que não tem nenhuma relação com as Forças Armadas e nenhum conhecimento técnico sobre aviões de guerra exerceu tanta influência nessa negociação?”, questiona o procurador, segundo a reportagem da revista.

Fontes confiáveis

Repito: a reportagem é densa, sólida, e está respaldada por fontes igualmente bem estabelecidas e, sem dúvida, com documentação farta para apresentar no momento adequado. É claro que Marinho nega qualquer irregularidade, “mas admite ter defendido a compra dos aviões suecos junto a autoridades do governo federal”, afirma a reportagem. Que completa: “Segundo ele, o objetivo não era obter vantagens indevidas, mas criar um polo de desenvolvimento tecnológico em São Bernardo”. Leiam os parágrafos seguintes: 

 “Dois oficiais da FAB ouvidos na semana passada por IstoÉ, no entanto, asseguram que houve pagamentos de propinas e lamentam o fato de a própria Aeronáutica não ter tido participação mais efetiva na elaboração do contrato”.

Não sou de ficar em cima do muro e muito menos tenho espírito corporativista. Não me alinho à reportagem de IstoÉ, portanto, apenas porque é um produto jornalístico. Luiz Marinho e sua Administração recheada de obscuridades aqui denunciadas não me deixam opção senão a de botar fé por completo naquela matéria.

Histórico dos enroscos

Há nesta revista digital muitos textos que tratam diretamente da compra dos caças Gripen. Ninguém na imprensa nacional se ocupou desse negócio mais que este jornalista -- sempre tendo por base a desconfiança de que havia algo de estranho no ar. Minhas fontes são sólidas. Em 9 de setembro do ano passado, por exemplo, sob o título “Sugestão a Marinho: convide-me para entrevista sobre caças Gripen”, deixei claro que estava a fim de cumprir rigorosamente a missão de interesse público, de jornalismo que não se restringe às declarações dos entrevistados e tampouco acredita cegamente nos poderosos de plantão. Acho que vale a pena acompanhar alguns trechos daquele texto: 

 O passado do prefeito de São Bernardo – que também é presente porque ele se mantém irredutível no seletivismo de interlocutores – assegura que Luiz Marinho não topará jamais, mas vamos lá: ao invés de me acionar, como está acionando, na Justiça, como, aliás, o faz contra todos que supostamente o perseguem, por que não me convida a uma entrevista, aonde quiser, para que possa tirar todas as dúvidas e confirmar todas as certezas sobre o projeto dos caças Gripen? (...). Para facilitar a vida de Luiz Marinho em eventual entrevista, antecipo algumas questões que ratificarei pessoalmente sobre a anunciada chegada do Gripen na região. (...). Luiz Marinho possivelmente considere que jornalista invasivo precisa ser retirado de circulação. Como se vê, ele foi contaminado pelo vírus bigucciano, seu parceiro de agendas.

Na sequência daquele texto, organizei 15 questões à apreciação e respostas do prefeito de São Bernardo. Estou esperando até hoje. A Operação Zelotes, como se vê, não é de esperar – segue em frente na apuração do caso. Uma das 15 perguntas que formulei dá o tom de desconfiança que cerca esse negócio milionário. Vejam: 

 Como o prefeito encara a informação que coloca a Saab em polo oposto ao da configuração inicial de participação de um sócio brasileiro sem aporte de recursos financeiros equivalente aos valores programados para a execução do projeto? Traduzindo em miúdos: tem sentido a informação de que o sócio brasileiro da fábrica do Gripen em São Bernardo quer 40% das ações sem o correspondente aporte financeiro, por conta de injunções políticas?

Desdobramentos providenciais

Possivelmente o aprofundamento das investigações possibilitará encontrar a resposta sonegada pelo prefeito de São Bernardo, como deixa evidenciada a revista IstoÉ.

Se aquele questionário de setembro do ano passado enviado ao prefeito Luiz Marinho não recebeu resposta alguma provavelmente o comportamento do petista se deve a antecedentes de curiosidade deste jornalista. Mais de um ano antes daquele nove de setembro do ano passado, precisamente em 1º de julho de 2013, sob o título “Fábrica de caças em São Bernardo é ótimo negócio só para alguns”, a matéria também estava fundamentada em informações de fontes seguras. Leiam alguns trechos: 

 A fábrica de asas (e também de outros componentes sem grande valor tecnológico) que São Bernardo deverá sediar no projeto de caças suecos que vão abastecer a Força Aérea Brasileira é um grande negócio para alguns empresários bem próximos da administração petista de Luiz Marinho e também do governo federal. A unidade fabril do caça Gripen da Saab está prevista como centro de montagem preliminar de um aglomerado de fornecedores. O regime condominial terá extensão complementar a gente que não entende bulhufas de defesa aérea. Mas dá show de bola em matéria de outras matérias. Se e que me entendem. (...). Luiz Marinho e sua turma fazem parte dos organismos de mandachuvas e mandachuvinhas do informal Festeja Grande ABC. Tudo lhes é motivo a comemorações. Eles têm o poder de esconder os problemas, as desilusões e os descalabros públicos, e de enaltecer supostas conquistas. (...). Devem ter percebido os leitores que tenho evitado aprofundar informações sobre a identidade dos empresários que se lançarão numa área privilegiada nas proximidades do trecho sul do Rodoanel, em São Bernardo. Cautela faz parte da sobrevivência profissional. São múltiplas as modalidades de compadrismos políticos, associativismos empresariais, poder de sedução no arremate de terras, entre outras variáveis que torna o obscuro deletério dissimuladamente transparente e ético. (...). Pena que o radicalismo de um socialismo retrógrado tenha sido substituído pelo oportunismo e pelo exclusivismo capitalista. Nunca o dinheiro dos endinheirados foi tão inebriante à antiga capital sindical da região. (...) Talvez os leitores continuem com dificuldades em entender aonde quero chegar. Não sejam impiedosos. O que interessa mesmo é que Luiz Marinho e sua turma, se não forem portadores de paranoias, sabem exatamente o que quero dizer com estas linhas – escrevi em julho de 2014.

Contextualizando os fatos

Naquela data, a Operação Lava Jato estava se abrindo e a Operação Zelotes, que apanhou Marinho e sua turma, ainda não constava das ações do Ministério Público e da Polícia Federal. Aliás, para os leitores que não tiveram acesso à reportagem da IstoÉ e possam compreender melhor este texto, reproduzo os primeiros parágrafos da matéria que ganhou destaque na edição deste final de semana daquela publicação: 

 O Ministério Público e a Polícia Federal estão convencidos de que Luís Cláudio Lula da Silva, filho caçula do ex-presidente Lula, e o prefeito petista de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, estão envolvidos com o recebimento de propinas na compra dos 36 caças suecos Gripen feita pelo governo federal em outubro de 2014. O negócio no valor de US$ 5,4 bilhões é um dos mais nebulosos realizados pela gestão de Dilma Rousseff. A hipótese de um superfaturamento de US$ 900 milhões vem sendo apurada há algum tempo, mas, na semana passada, agentes da Operação Zelotes que tiveram acesso à quebra do sigilo bancário da empresa de Luís Cláudio se convenceram de que propinas foram efetivamente pagas. A LFT Marketing Esportivo, empresa do filho do presidente, era investigada por ter movimentado irregularmente R$ 4,6 milhões. Os documentos bancários, porém, provam que Luís Cláudio recebeu mais de R$ 10 milhões dos lobistas Mauro Marcondes e Cristina Mautoni. Ambos atuaram, com o aval e apoio do prefeito Marinho, na venda dos caças.

OAS detonadora?

Quanto aos enroscos de Luiz Marinho e sua turma na Operação Lava Jato, basta esperar os desdobramentos dos executivos da OAS, especialmente do presidente Leo Pinheiro, que se dá no âmbito de Curitiba. Também tratei das relações mais que estranhas da Administração Luiz Marinho com aquela empreiteira. Produzi ampla abordagem sobre o estranho silêncio do Diário do Grande ABC que se seguiu às insistentes denúncias do próprio jornal de irregularidades em vários contratos mantidos pela Prefeitura de Luiz Marinho com aquela empreiteira.

Mais tarde, mesmo com a OAS denunciada na Operação Lava Jato, ninguém na praça regional teve a curiosidade de ao menos citar aquela parceria. Por ser a construtora com maior volume de obras em São Bernardo na gestão de Luiz Marinho, e principalmente porque se configuraram irregularidades até hoje não esclarecidas, seria natural que a Lava Jato chegaria à Administração do petista.

Aliás, para ser coerente em relação às incursões anteriores, vou reproduzir alguns trechos daquela matéria sob o título “Não faltam indícios que estendem Lava Jato à Administração Marinho, de 1º de dezembro de 2014: 

 A possibilidade de a Administração Luiz Marinho estar envolvida na rede de corrupção da Operação Lava Jato é muito mais provável do que o prefeito de São Bernardo gostaria. As relações com a empreiteira OAS, uma das integrantes do clube que transformou a Petrobras em palco preferencial de roubalheiras investigadas pela Polícia Federal, são mais que suspeitas. Marinho contou com forte colaboração da empreiteira, e de sua parceira regional, a Emparsanco, para arrecadar dinheiro às duas campanhas em que se tornou vitorioso na disputa eleitoral de São Bernardo. Mas isso é apenas uma parte do enredo que coloca sob forte suspeição o relacionamento entre a gestão petista e uma das grandes operadores do escândalo da maior estatal brasileira. Nos quatro anos do primeiro mandato de Luiz Marinho, entre 2009 e 2012, a megaempreiteira assinou contratos que superam R$ 1 bilhão, em valores nominais, com o gestor petista. Houve várias denúncias de irregularidades envolvendo o relacionamento entre a empreiteira e a administração petista.  (...). O que os leitores vão encontrar na sequência é um pacote de informações que não deixam a menor dúvida sobre os fundamentos que teriam mobilizado a Polícia Federal a estender investigações além dos fornecedores da Petrobras, como desdobramento da planilha apresentada pelo doleiro Alberto Yosseff. A documentação encontrada com o homem que decidiu aceitar o regime de delação premiada para revelar as entranhas da Petrobrás "tem servido para os investigadores chegarem a outras empresas, setores da administração e pessoas que podem ter pago propina na lavanderia que alimentou o caixa dois do PT, PMDB, PP, PSDB e PSB” -- segundo publicou na edição de sábado o jornal O Estado de São Paulo. Na mesma edição, o jornal paulistano afirma: “O esquema é muito maior do que a mera Diretoria de Abastecimento da Petrobras, mas abrange sim uma estrutura criminosa que assola o País de Norte a Sul, até os dias atuais, afirma a Lava Jato” -- escrevi.

Dupla afinadíssima

Alguém ainda tem dúvidas sobre as razões que tanto levaram Luiz Marinho a investir contra este jornalista no Judiciário? Nada diferente do perpetrado pelo empresário e então dirigente classista Milton Bigucci. Eles se deram as mãos para silenciar este profissional. Não à toa Luiz Marinho (e Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, onde a Máfia do ISS lançou as bases) prefaciou amontoado de páginas sem brilho nenhum e muito menos com algum resquício de arte que pudesse ser chamado de livro, lançado por Milton Bigucci nos tempos em que a Operação Lava Jato e a Operação Zelotes não constavam da cena criminal brasileira.

Para completar essa breve incursão sobre o enrosco em que se meteu o prefeito de São Bernardo, recorro a alguns dos parágrafos do texto que assinei em 1º de dezembro do ano passado sob o mais que consagrador título “República do ABC caiu na rede da Lava Jato e da Zelotes: 

 Demorou a chegar, mas está chegando o que chamaria de tsunami regional. Há controvérsias sobre o impacto que as investigações vão causar na região, mas é certo que a ideia de que a Província do Grande ABC escaparia da degola de nomes graduados se converteu em torcida frustrante. Estão em plena ação tanto as forças operacionais que tratam das roubalheiras na Petrobras como dos descaminhos das medidas provisórias que favoreceram o setor automotivo, além de desdobramentos patrocinados pelos lobistas. A abrangência e as conotações múltiplas estimuladas pelo uso da expressão República do ABC transformam a Lava Jato e a Zelotes em ponto de exclamação seguido de ponto de interrogação. Traduzindo: haverá estragos homéricos em determinados endereços, certamente, mas também pode haver complicações extremas em outras áreas não diretamente investigadas. É tão certo que a República do ABC é um centro de gravidade de iniciativas pouco ortodoxas como tão intrigante são as ramificações dos agentes que constam da lista de suspeitos de forças-tarefas decididas a incluir o mapa regional no mapa nacional de trambicagens diversas – escrevi.

Para facilitar o entendimento – se necessário – do envolvimento da Província do Grande ABC nos dois escândalos, nada melhor que uma leitura atenta dos links que se seguem. Entre tantos que se referem à Operação Lava Jato e à Operação Zelotes.

Leiam, portanto:

Fábrica de caças em São Bernardo é ótimo negócio para alguns

O que o prefeito Luiz Marinho está escondendo na compra dos caças?

Luiz Marinho treme com delação premiada da empreiteira OAS

Sugestão a Marinho: convide-me para entrevista sobre caças Gripen

Entenda por que Marinho está enrolado na Operação Lava Jato

Lava Jato e Zelotes, cruzamento inquieta figurinhas carimbadas

Será que Marinho e seu entorno escaparão da Operação Lava Jato

Marinho aparece em nova ação investigativa da Polícia Federal

República do ABC caiu na rede da Lava Jato e da Zelotes



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