Sociedade

Bem que avisei: MP prevê até
saída de moradores do Ventura

DANIEL LIMA - 28/06/2016

O promotor ambiental de Santo André, José Luiz Saikali, prevê até mesmo a possibilidade de preparação de um plano de retirada dos moradores do Residencial Ventura, caso a constatação de risco à saúde seja confirmada. Traduzindo em termos jornalísticos: o MP admite um plano de fuga daquele endereço, tantas são as possibilidades de danos ambientais se converterem em periculosidade à saúde dos moradores. A decisão consta da denúncia do representante do Ministério Público do Meio Ambiente ao Judiciário de Santo André minuciosamente detalhada em 24 páginas.

O Residencial Ventura foi construído pela MAC Cyrela de forma irregular, conforme denúncia deste jornalista ao MP de Santo André em maio de 2010. O empresário Sérgio De Nadai participou diretamente da empreitada. Não é preciso dizer o quanto fui perseguido desde então por representantes do setor imobiliário da região. Respondi a processo criminal pela série de matérias sobre o Residencial Ventura. Fui salvo por erro processual. Poderia ter sido preso. Os bandidos sociais não se cansam. Querem me ver fora do jogo democrático da informação com agregado de interesse social.

O Residencial Ventura é um conjunto de 320 apartamentos incrustrados no disputadíssimo Bairro Jardim, em Santo André. São apartamentos de classe média alta. Custou um dinheirão quando do lançamento irregular em dezembro de 2006.

O empreendimento jamais teria saltado aos céus e quem sabe ao inferno se existisse um mínimo de cuidado urbanístico e de acessibilidade naquela empreitada imobiliária. Sem contar, evidentemente, o escândalo ambiental. O entorno do Residencial Ventura é um caos. O trânsito é uma combinação de descalabro e imprevidência. Nada mais natural, porque ainda não inventaram uma fórmula mágica de modo a permitir que dois corpos sólidos ocupem o mesmo espaço. Imaginem então dezenas de dezenas de corpos automotivos sólidos.

Réplica em São Bernardo

É muito provável que a desfaçatez de acessibilidade do Residencial Ventura se repetirá quando estiver a toda carga o empreendimento Marco Zero, da MBigucci, esquina da Avenida Kennedy e Avenida Senador Vergueiro, em São Bernardo. A comparação não é despropositada. É associação imediata. O Marco Zero é fruto de corrupção que espera por apuração detalhada das autoridades constituídas. Não há registro de que o terreno do Marco Zero também tenha sido contaminado. A ocupação industrial de uma empresa metalúrgica não contemplava os riscos sobrepostos de uma indústria química, como era a atividade da Atlântis, que ocupou o endereço de Santo André durante 70 anos.

Voltando ao Residencial Ventura, se todos os 320 apartamentos estiverem ocupados o cálculo é de que cerca de 1,2 mil pessoas teriam de abandonar o endereço numa situação de gravidade à saúde. A contaminação do terreno é insofismável, assegura o Ministério Público do Meio Ambiente. A desvalorização de cada imóvel é compulsória. Por isso jamais houve qualquer movimento entre os moradores para apurar as denúncias deste jornalista. Não lhes era conveniente, por mais estúpido que o raciocínio seja.

Chegou-se ao ponto de idiotice financeira que o representante legal dos condôminos se apresentou ao Ministério Público de Santo André sem opor qualquer restrição ao endereço que ocupa. Embora cercado de um estranho ambiente de autopreservação (autopreservação ou autodestruição?) o condomínio Residencial Ventura é mesmo um risco enorme. Há fontes que me asseguram dezenas de registros de problemas estruturais naquelas quatro torres. Mas a denúncia do Ministério Público do Meio Ambiente se concentra, corretamente nestas alturas do campeonato, nos danos ambientais. Cetesb e Semasa participaram da confraria dos desajustados socialmente, porque permitiram que o empreendimento ganhasse forma concreta.

A ação encaminhada ao Judiciário pelo promotor ambiental José Luiz Saikali reúne contundência narrativa que não deixa a menor dúvida sobre o nível de detalhamento e de cuidados que o processo demandou do Ministério Público. Valeu a pena esperar seis anos desde que encaminhei a denúncia em formato de reportagens especiais, em série que os leitores podem conferir nos links abaixo.

Risco de agravamento

O promotor ambiental afirma que o perigo de que ocorra o agravamento do dano ao meio ambiente durante a tramitação do processo é evidente, devendo ser tomadas medidas urgentes no sentido de coibir a continuidade da degradação ambiental promovida pelos réus. No caso, os réus são, além da MAC Cyrela, a Cetesb e Semasa, estataizinhas responsáveis pela proteção ambiental, cujas atuações foram consideradas “negligentes” pelo promotor ambiental.

Leia a reprodução de alguns dos trechos da denúncia de José Luiz Saikali ao Judiciário de Santo André: 

 (...) É oportuno salientar que, se o dano ambiental já existente não for monitorado durante a tramitação do processo – que poderá se prolongar por vários anos – estar-se-á permitindo um risco de gravíssimo dano e degradação da referida área, em prejuízo dos relevantes interesses ambientais e sociais de toda a comunidade. E isso em razão da inquestionável contaminação do solo e do lençol freático, que constituem preciosos recursos naturais. Além disso, cite-se o risco à saúde dos moradores do condomínio Residencial Ventura. É preciso que se tenha a segurança de que a contaminação das águas subterrâneas do imóvel não atinja essa população moradora do local. Sendo assim, presentes os requisitos autorizadores da medida acautelatória, postula o Ministério Público a concessão de medida liminar (...) sem justifica prévia, para que, durante a tramitação processual, seja determinado (...) à Cetesb e ao Semasa, a expensas da ré MAC Cyrela, que promovam monitoramento trimestral da situação da área, incluindo as águas subterrâneas localizadas no subsolo do imóvel (...), demonstrando os níveis de contaminantes constantes das águas e eventuais infiltrações no solo que possam prejudicar a população moradora do Residencial Ventura e entorno. Referidos órgãos governamentais deverão ser notificados a, no prazo de 10 dias, dar cumprimento à liminar, cujo cumprimento deverá ser comprovado através de apresentação de relatórios trimestrais nos autos do processo, a partir da concessão do pedido. Em caso de constatação de risco à saúde da população moradora do local, deverá ser elaborado plano de retirada dos moradores do local, a expensas da MAC Cyrela, em um prazo máximo de 30 dias. Requer esta Promotoria de Justiça, para a efetividade da medida liminar, seja estabelecida multa diária equivalente a 1000 (mil) UFESP’s, em caso de descumprimento do preceito cominatório, que deverá ser revertido para o fundo previsto no artigo 13 da Lei Federal 7347/85. Requer-se, ainda, do juízo, seja expedido ofício ao Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santo André, determinando-se a averbação na matrícula do imóvel em questão, para que conste que se trata de imóvel situado em área contaminada – contaminação das águas subterrâneas. – escreveu o promotor ambiental.

Mais contundência

No capítulo referente aos “pedidos principais”, o Ministério Público do Meio Ambiente de Santo André requer a total procedência da ação para condenar a MAC Cyrela nos seguintes pontos: 

 À obrigação de fazer, consistente na reparação e/ou remediação de todos os danos ambientes decorrentes da eliminação de contaminantes em águas subterrâneas e solo, na área localizada na Avenida Padre Anchieta 252, Bairro Jardim, Santo André, bem como no que for determinado pela perícia a ser realizada, observado o prazo assinalado na sentença. 

 À obrigação de fazer, consistente na tomada de todas as medidas preventivas, mitigadoras e/ou compensatórias que se fizerem necessárias, relativas aos danos ambientais oriundos da eliminação de poluentes nas águas subterrâneas e solo na área objeto da presente ação. 

 A proceder à elaboração e à execução de medidas compensatórias em relação aos danos ambientais que não comportem reparação, ou ao pagamento de indenizações correspondentes e proporcionais aos referidos danos, cujos respectivos valores deverão ser oportunamente apurados em perícia, revertendo-se os para o Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados. 

 Ao pagamento de indenização por dano moral, no importe de R$ 10 milhões, a serem revertidos para o Fundo Estadual de Reparação dos Interesses Difusos Levados. 

 Ao pagamento de multa diária no importante de 1000 UFESP’s em caso de descumprimento de qualquer das demais obrigações impostas, inclusive àquelas decorrentes de concessão de liminar. 

 Ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários periciais.

Investigações técnicas

A consolidação da ação do Ministério Público de Santo André coloca a MAC Cyrela, a Cetesb e o Semasa de saia justa. O documento dá ênfase à atuação do assistente técnico do CAEx (Centro de Apoio Operacional à Execução), que enviou à promotoria de Justiça parecer complementar à denúncia deste jornalista. São apontados comentários “desfavoráveis” pelo órgão do Ministério Publico sobre o empreendimento: lançamento do empreendimento sem a devida licença; liberação para obras baseada em valores de intervenção que não garantem a proteção à saúde; obras sobre área contaminada por poluentes tóxicos e cancerígenos; restrição perene do uso da água subterrânea, recurso natural estratégico para o abastecimento; inexistência de atividades preventivas e corretivas de proteção às águas subterrâneas; e população e moradores desinformados sobre a contaminação existente.

Ao fundamentar a ação incriminatória à MAC Cyrela, à Cetesb e ao Semasa, o promotor ambiental José Luiz Sakaili faz as seguintes observações: 

 Consoante se dessume da narrativa supra, o Condomínio Residencial Ventura foi construído pela ré MAC Cyrela em área que apresenta contaminação. Verifica-se, ainda, que a ré Cetesb emitiu pareceres técnicos favoráveis à construção do empreendimento, e que o réu Semasa aprovou a construção, mesmo diante da contaminação citada. Com efeito, as condutas supra descritas representam grave afronta às normas de Direito Ambiental. Como se vê, é fácil aferir que a ré MAC Cyrela, animada por exclusivo interesse de lucro no desempenho de suas atividades, pouco se interessou pela sorte dos recursos ambientais, praticando atos capazes de comprometer a qualidade do solo e da água, numa inegável conduta violadora das normas e dos princípios reinantes na seara do sistema normativo ambiental. A Cetesb e o Semasa, por sua vez, foram negligentes ao emitirem os documentos referidos permitindo a construção do empreendimento em área contaminada. De conseguinte, diante de tais condutas, bem assim evidenciada a manifesta desídia em relação à tutela de valioso bem ambiental, e inviabilizada uma solução extrajudicial para pôr fim à agressão ao meio ambiente, outra alternativa não resta senão a propositura da presente ação civil pública ambiental, escreveu o promotor José Luiz Saikali.

Leiam também:

25/02/2011 - Residencial Ventura: uma prova forte de crime contra adquirente

27/05/2010 - Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (7ª parte) 

26/05/2010 - Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (6ª parte) 

25/05/2010 - Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (5ª parte)

24/05/2010 - Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (4ª parte)

21/05/2010 - Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (3ª parte)

20/05/2010 - Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (2ª parte)

19/05/2010 - Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (1ª parte)



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