Sociedade

Mequetrefe é fetiche editorial
que sintetiza improdutividades

DANIEL LIMA - 07/07/2016

De vez em quando uso “mequetrefe” em meus artigos. Jamais o fiz em relação a pessoas físicas. Nada a ver com a possibilidade de considerar o verbete depreciativo, como alguns apressados inferem equivocadamente. Não me lembro de ter usado “mequetrefe” para desqualificar quem quer que seja como pessoa física, jurídica ou institucional.  Jamais utilizei “mequetrefe” para pessoas físicas, como disse, embora o verbete seja usado em geral como sinônimo de "sem importância”. Faço de “mequetrefe” espécie de metáfora. Dou uma forçada de barra ao deslocar o verbete do enclausuramento compulsório de pessoa física para organizações coletivas. “Mequetrefe” é um dos meus fetiches vocabulares prediletos. Quando quero sintetizar a atuação de instituições da região que não cumprem ou, pior, estão longe de atender a demandas da sociedade, meto um "mequetrefe" no texto.

O Clube dos Construtores sob o imperialismo de Milton Bigucci me levou à Justiça, entre outras aberrações que atentam contra o interesse público, porque o considerei mequetrefe dentro de um contexto de regionalismo que já cansei de expor e que é o anseio da sociedade desorganizada.

Sou criminalizado por retratar a verdade dos fatos daquela entidade que, agora, sob nova direção, sem Milton Bigucci e os demais dirigentes que apenas enfeitavam o pavão, está se confirmando. O Clube dos Construtores já não é mais mequetrefe, mas o foi durante longo período. Se tivesse que detalhar as razões que me levaram a consolidar essa posição precisaria de muitos e muitos parágrafos. O acervo desta revista digital é a resposta aos eventuais interessados.

Lava Jato é outra coisa

Por zelar pelo patrimônio de credibilidade jamais utilizei “mequetrefe” como síntese da Operação Lava Jato. Se o fizesse estaria exercendo o direito de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa que a Constituição Federal me concede.

Quem como jornalista escreve o que lhe dá na telha tem que arcar com as consequências de credibilidade que a iniciativa impõe. Houvesse escrito que as ações dos federais eram mequetrefes, provavelmente seria descartado como fonte confiável.

As realizações que a Operação Lava Jato exibe à sociedade podem ser ridicularizadas por um ou outro jornalista engajado ideologicamente e que criam fantasmas para tentar justificar o desbaratamento de quadrilhas de alto coturno hierárquico. Eles exerceriam um direito inalienável de manifestação do pensamento. O custo dessa medida seria danoso aos autores. Quem vai acreditar em tamanha aberração?

A petista Marilena Chaui acaba de produzir o que o Estadão chama no Editorial de hoje de “festival de disparates”. A filósofa propagou uma fantástica teoria conspiratória segundo a qual o juiz Sérgio Moro foi treinado pelo FBI não para acabar com a corrupção no Brasil, mas para acabar com a Petrobras, de modo a que a exploração do pré-sal seja tirada da estatal brasileira e entregue às seis irmãs da indústria petroleira.

Primeira vez em 2009

Já imaginaram quanto me teria custado em respeito da sociedade, em tudo que integra o conceito de compromisso social que o jornalismo implica, se em vez de combater as instituições improdutivas da região, me metesse a encobrir seus pecados e a inventar virtudes?  Bater no Clube dos Construtores no período bigucciano era obrigação em forma de oposição saudável ao mequetrefismo institucional.

A primeira vez em que usei “mequetrefe” está registrado no acervo desta revista digital. Remonta ao texto que publiquei em 30 de junho de 2009, sob o título “GM é caso sério (2)”. Congelo a digitação desta matéria para recorrer à memória desta publicação. Tenho a curiosidade de saber do que tratou aquele texto. Faço automaticamente um malabarismo técnico e trago o texto à consulta imediata. Onde e em qual circunstância utilizei pela primeira vez nesta revista digital o verbete “mequetrefe”. Eis que encontro. Vejam: 

 Essa escolha é algo muito mais substanciosa do que ficar com o varejismo mequetrefe de achar que o simples retorno das unidades do Ciesp (Centro das indústrias) à Agência de Desenvolvimento Econômico mudará o curso do rio. Não haverá mudança alguma de fato, não necessariamente por conta das unidades locais do Ciesp, mas porque a estrutura modesta e a subalternidade hierárquica da Agência ao Clube dos Prefeitos são empecilhos quase irremovíveis – escrevi lá atrás.

Será que existe algo de ofensivo no texto? Claro que não. Como em nenhuma outra vez em que me utilizei de mequetrefe como substituto de uma formulação teórica mais extensa. De que, afinal, estava tratando aquele texto para enfiar mequetrefe na parada? Vamos ver alguns trechos para tentar entender do que se tratava? 

 O incrivelmente recém-criado Grupo de Trabalho do Setor Automotivo do Clube dos Prefeitos do Grande ABC não pode perder tempo com burocracia e costuras político-partidárias. A expressão “o incrivelmente recém-criado” não é exagerada, é debochada e também provocativa. Não é exagerada porque retrata uma ação tardia. É debochada porque define uma ação de novo tardia. É provocativa porque também é redundante na qualificação de uma ação tardia. A repetição é para azucrinar leitores de modo que decorem essa omissão histórica e desbaratem qualquer tentativa dos falastrões de venderem gato por lebre. Onde já se viu um Grande ABC metralhado pela globalização, dilapidado pela guerra fiscal e sacudido na estrutura social e econômica com a chegada de dezenas de novas fábricas de automóveis no País, só agora, no bojo dessa instância quase abstrata, oficialmente chamada de Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que simplifiquei para Clube dos Prefeitos, resolve botar o dedo na ferida? Antes tarde do que nunca, tudo bem, mas que faça a lição bem feita, senão estaremos mais perdidos ainda do que já estivemos. (...). A fábrica da General Motors em São Caetano deveria servir de símbolo dessa empreitada. Ou quem, juízo no lugar, vai acreditar na história da carochinha de que a unidade menos produtiva da filial da empresa norte-americana que acaba de cair nos tentáculos do Estado comandado por Barack Obama vai ficar imune às transformações? Ou há argumentos técnicos, contábeis, financeiros e econômicos para contestar a informação de que se trata mesmo da unidade menos produtiva? Se houver, ótimo, porque já é uma armadura e tanto para os confrontos que viriam. Alguém que tenha o mínimo de sensatez dá sustentação à possibilidade de, com 17% do capital da companhia no portfólio de investimentos do sindicato de metalúrgicos norte-americanos, as unidades americanas da General Motors continuarão a ser preteridas na reacomodação de peças de um jogo de xadrez internacional ou se vai dar um jeito muito especial de protecionismo que aumenta nestes tempos pós-crise financeira internacional? Seria o governo Obama angelical a ponto de sacrificar ainda mais os indicadores econômicos e sociais daquele País ao dar preferência a subsidiárias da companhia às quais, ao longo de décadas, foram generosamente canalizados recursos técnicos, financeiros e estratégicos? É claro que não. Tanto é verdade que o noticiário internacional, sempre mais revelador que o nacional, não deixa dúvidas sobre as mudanças que virão. (...). Por isso e pelas repercussões sistêmicas do setor automotivo na vida do Grande ABC, as forças políticas e institucionais locais devem convergir urgentemente para o Grupo Automotivo. (...) Essa escolha é algo muito mais substanciosa do que ficar com o varejismo mequetrefe...

Contextualização é tudo

Repararam os leitores que a contextualização do uso de determinados vocábulos, supostamente ofensivos e depreciativos quando pinçados de forma intelectual criminosa, é um antídoto perfeito a esquisitices argumentativas que buscam ludibriar o Judiciário que nem sempre (e seria demais imaginar que tivesse) tem à disposição e em condições de uso analítico a abrangência informativa inoculada por jornalistas na sociedade?

O parágrafo imediatamente anterior pode ter sido longo, mas o colocamos de propósito a uma leitura mais cuidadosa. Os propagadores de raciocínios rasteiros, quando não despropositados, detestam ideias mais bem elaboradas. Por isso mesmo as separam de contextos de modo a lhes fornecer farrapos interpretativos nem sempre detectados.



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