Sociedade

Residencial Ventura: Semasa
desafia Judiciário e MP reage

DANIEL LIMA - 08/08/2016

Um impasse envolvendo o Ministério Público do Meio Ambiente, o Judiciário e o Semasa, autarquia da Prefeitura de Santo André, está retardando o cumprimento do primeiro monitoramento das águas contaminadas do Condomínio Residencial Ventura, integrado por 320 apartamentos de classe média alta em pleno coração do Bairro Jardim. Não está descartada a possibilidade de os moradores terem de abandonar o conjunto de apartamentos cujo valor de mercado estaria entre R$ 800 mil e R$ 1,2 milhão.

O escândalo do Residencial Ventura foi denunciado por este jornalista há seis anos. O empreendimento cujo histórico de lançamento, licenciamento, construção e ocupação se encaixaria perfeitamente no roteiro que tem transformado a força-tarefa da Lava Jato em símbolo de combate a impunidades, é olimpicamente ignorado pela mídia regional.

Talvez seja preciso um mal maior, algo como explosões e mortes como as que ocorreram no Barão de Mauá, condomínio de classe média baixa localizado em Mauá, construído sobre um terreno contaminado, para que o protecionismo ao empreendimento da Mac Cyrela, em área negociada com a família De Nadai, seja devidamente destruído.

Uma breve narrativa dos últimos capítulos do Residencial Ventura pode dar uma visão mais precisa dos desdobramentos do caso. O promotor de Justiça do Meio Ambiente de Santo André, José Luiz Saikali, denunciou em junho a Cyrela, o Semasa e também a Cetesb pelas irregularidades confirmadas por área técnica do Ministério Público Estadual. O juiz Luís Fernando Cardinale Opdebreeck, da 2ª Vara Cível de Santo André, deferiu em 27 de junho medida liminar que determina o monitoramento trimestral da área onde está localizado o empreendimento.

A decisão do Judiciário

Eis os principais trechos da decisão do juiz da 2ª Vara Cível de Santo André ao acolher liminarmente a denúncia do Ministério Público do Meio Ambiente: 

 Estão presentes o fumus boni juris e o periculum in mora uma vez que o retardamento da tutela jurisdicional poderá causar vultoso dano ao meio ambiente, com o agravamento da degradação da área onde se localiza o empreendimento denominado Residencial Ventura, bem como risco à saúde da população moradora do local em virtude da alegada contaminação das águas subterrâneas do referido imóvel. Portanto, estando preenchidos os requisitos do artigo 12 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, defiro a medida liminar para determinar que a Cetesb e a Semasa promovam, a expensa da requerida, o monitoramento trimestral da situação da área onde se localiza o empreendimento Residencial Ventura, incluindo análise das águas subterrâneas do imóvel, com a demonstração dos níveis de contaminantes e eventuais infiltrações no solo, apresentando os respectivos relatórios nos autos. Constatado risco à saúde da população moradora do local, a ré (Cyrela) deverá laborar, ainda às suas custas, plano de retirada destes, no prazo máximo de trinta dias. Esta liminar deverá ser cumprida em até trinta dias. Para o caso de descumprimento da decisão, a multa diária equivalente a um mil Ufespes a ser revertida para o fundo previsto no artigo 13 da Lei Federal 7347, de 24 de julho de 1985. Oficie-se o 1º Cartório de registro de Imóveis de Santo André a fim de que seja averbada à matricula do empreendimento a existência dessa ação – sentenciou o juiz Luís Fernando Cardinale Opdebreeck.

A recusa do Semasa

Três semanas depois, no dia 13 de julho último, o superintendente do Semasa, Sebastião Nei Vaz Júnior, juntamente com a advogada da autarquia, Maria Cristina Ferreira Braga Ruiz, encaminhou ao juiz da 2ª Vara Cível um comunicado em que declarava que a autarquia estava impossibilitada de atendimento à medida. Leiam alguns dos principais trechos do documento: 

 A impossibilidade se dá ainda que a ordem em questão esclareça que referidos serviços sejam feitos às expensas da ré – Mac Cyrela Itália Empreendimentos. Isso porque o Semasa não possui competência, expertise, tampouco laboratório para realização do referido monitoramento e análise das águas subterrâneas. As atividades de licenciamento realizadas à época pela autarquia se deram com base em prévia manifestação da Cetesb, órgão estadual responsável pela normatização e monitoramento das águas subterrâneas. (...). Os serviços de gestão e controle ambiental consistem em fiscalização e licenciamento de atividades, os quais atualmente estão delimitados pela Deliberação Normativa Consema 01/2014. Assim, de acordo com a normativa os municípios não mais licenciam obras ou atividades de uso habitacional ou residencial. Importa dizer que as águas subterrâneas constituem bem do Estado (artigo 26, da Constituição Federal) e como tal sujeitos a fiscalização daquele nos termos da Lei Complementar Federal 140 de oito de dezembro de 2011. Resta assim, evidente, a impossibilidade da autarquia dar cumprimento à ordem judicial, por não serem os serviços de monitoramento e análise de águas subterrâneas parte de suas atribuições institucionais, mesmo que às expensas do empreendedor – declarou o superintendente do Semasa.

MP reage forte

Instado a se manifestar sobre a posição do Semasa, o promotor de Meio Ambiente José Luiz Saikali foi incisivo. Eis os principais trechos do documento encaminhado ao juiz da 3ª Vara Cível de Santo André em 25 de julho: 

 (...) A determinação judicial acerca do monitoramento trimestral da situação da área onde se localiza o empreendimento Residencial Ventura, em sede de tutela provisória de urgência, não delimitou âmbito de atuação material do Semasa ou à Cetesb, cumprindo-lhes, nas respectivas searas, observar tal desiderato. Evidente que nesse contexto mandamental, a escusa de “ausência de expertise” ou “competência” não está apta a tornar inócua providência acautelatória de tão grande importância. Isso porque, ainda que o Semasa, como órgão ambiental municipal, não atue na seara de licenciamento ambiental de atividades de uso habitacional ou residencial, cumpre-lhe, a rigor do artigo (...) executar e fazer cumprir, inclusive mediante promoção de integração, os programas e ações de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal. Não fosse isso, o diploma legal supra referido ainda estampa norma de atribuição conjunta quanto à fiscalização administrativa de empreendimentos/atividades poluidoras ou que se utilizam de recursos naturais, não se limitando às competências de licenciamento. Sem prejuízo, ao contrário do que pretende a autarquia municipal, não se encerra a atividade municipal no acatamento das licenças e de demais atuações fiscalizatórias de outro ente estatal. Mormente quando o interesse é local, pode o Município manifestar-se ao órgão inicialmente responsável pelo empreendimento ainda que a dominialidade de águas subterrâneas ou da competência para o licenciamento indiquem o contrário. Em resumo, guardadas as devidas proporções, proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado é competência concorrente dos entes da federação, os quais devem primar por atuação em cooperação. O Semasa não goza de liberdade quanto às imposições constitucionais e legais, tampouco pode tergiversar mandamento jurisdicional que busque efetivo cumprimento de tal sistema de proteção ao meio ambiente. Em derradeiro, a fim de que não paire dúvidas acerca da capacidade técnica do órgão municipal – sem embargo da possibilidade de atuação conjunta e subsidiária (apoio técnico que pode ser recebido da Cetesb), apresenta-se análise técnica de águas subterrâneas já realizada pelo Semasa em procedimentos administrativos desta Promotoria. Assim, em adição às considerações já expostas na inicial, requer-se a manutenção da tutela de urgência deferida, rejeitando-se os argumentos expostos pelo Semasa --, decidiu o promotor de Justiça José Luiz Saikali em documento também assinado por Rodrigo Nunes Serapião, assistente jurídico do Ministério Público.

O juiz da 2ª Vara Cível de Santo André decidiu em 27 de julho último que o Semasa seja intimado a cumprir a tutela de urgências, em conjunto com a Cetesb.

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